Em 2011, mais de mil pessoas morreram no Brasil por conta de eventos climáticos extremos e as tragédias custaram aos cofres do país cerca de US$ 4,7 bilhões. Os dados são do relatório Indicador de Risco Climático Global 2013, da organização alemã Germanwatch, que apontou as 10 nações que mais sofreram com eventos climáticos extremos no último ano por conta das mudanças do clima. O Brasil ocupa a sexta colocação no ranking e investir em ações de mitigação e adaptação às alterações do clima e naprevenção aos desastres é uma necessidade.
A pesquisa Políticas Públicas e Iniciativas da Sociedade Civil de Prevenção e Resposta a Situações de Desastres Climáticos, coordenada pelo Laboratório Herbert de Souza – Tecnologia e Cidadania, com o apoio do COEP e do GT Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdades, faz uma avaliação acerca da estrutura e funcionamento dos sistemas de monitoramento, prevenção, resposta e assistência às populações atingidas por eventos climáticos extremos no país.
A geógrafa Ana Paula Varanda, pesquisadora do Laboratório e uma das autoras da pesquisa, aponta que o envolvimento dos moradores das áreas de risco apresenta-se como uma premissa fundamental para a organização dos sistemas de prevenção e resposta a situações de desastres. Confira a entrevista.
Mobilizadores Coep – Qual o objetivo da pesquisa Políticas Públicas e Iniciativas da Sociedade Civil de Prevenção e Resposta a Situações de Desastres Climáticos?
R.: O objetivo da pesquisa foi realizar um levantamento acerca da estrutura e funcionamento dos sistemas estaduais e municipais de monitoramento, prevenção, resposta e assistência às populações atingidas por eventos climáticos extremos. Na análise sobre a configuração e gestão destes sistemas, o estudo também enfatiza as estratégias adotadas para o envolvimento dos moradores e organizações sociais inseridas em territórios consideradoscomo derisco à ocorrência de desastres.
Mobilizadores Coep – O que motivou o COEP, em parceria com o Laboratório Herbert de Souza: Tecnologia e Cidadania, a realizar esse estudo?
R.: Ao longo da sua trajetória, o COEP vem mobilizando sua rede de instituições associadas para a adoção de medidas de prevenção e assistência às populações afetadas por desastres climáticos. Nas últimas décadas, a frequência e a intensidade na ocorrência de eventos climáticos extremos vêm sendo associadas às alterações no clima decorrentes do aquecimento global.
Os efeitos da variabilidade climática tendem a agravar as condições de vulnerabilidade socioeconômicas e ambientais de grupos populacionais em situação de pobreza, muitas vezes moradores de áreas de risco, à ocorrência de desastres. A partir desta compreensão, o COEP articulou, em 2009, a criação do Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdades Sociais, no âmbito do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Além do COEP, integram o grupo de trabalho: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Articulação do Semiárido (ASA), CARE Brasil, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rede Brasileira para a Integração dos Povos (Rebrip), Oxfam, Vitae Civilis e WWF Brasil.
O grupo, coordenado pelo COEP, vem trabalhando a partir de linhas programáticas voltadas à sensibilização da sociedade civil, à efetivação de pesquisas e à proposição de uma agenda pública, pautada na concepção dos direitos humanos, que promova a capacidade de resistência de populações vulneráveis, por meio do fortalecimento de processos de organização, autogestão e participação popular. Tais processos compreendem elementos fundamentais no estabelecimento de estratégias de adaptação às mudanças climáticas.
Outra medida relevante neste campo foi a criação, em parceria com a Coppe-UFRJ, do Laboratório Herbert de Souza: Tecnologia e Cidadania (Laboratório Betinho), com o objetivo de executar estudos, pesquisas e desenvolver tecnologias sociais que incidam sobre os aspectos que causam as situações de vulnerabilidade de diferentes grupos populacionais.
Mobilizadores Coep – Como foi definida a amostra da pesquisa? Qual o retorno obtido?
R.: O estudo foi realizado nas defesas civis de onze estados e de suas respectivas capitais. Na delimitação da amostra foram considerados os estados mais atingidos por eventos extremos nos últimos anos. Em função da concentração populacional nos grandes centros urbanos, as inundações, enxurradas, deslizamentos de terra e rocha, mais comuns nestes ambientes, são os que fazem mais vítimas.
As informações foram captadas através do envio de questionários aos responsáveis pelos órgãos, através de pesquisa em sites e de contatos telefônicos. Dos 22 sistemas estaduais e municipais de defesa civil abordados no estudo, 18 colaboraram com o envio dos dados solicitados, e em quatro situações não foi possível estabelecer contato com representantes dos órgãos.
Mobilizadores Coep – De acordo com a pesquisa, quais as principais fragilidades dos estados e municípios quanto à prevenção de desastres? O que deveria ser feito com mais urgência para minorar os problemas?
R.: Um aspecto bastante enfatizado durante as entrevistas foi a necessidade de ampliação e de qualificação das equipes dos órgãos estaduais e municipais de defesa civil. Os sistemas estaduais e municipais pesquisados apresentam, na maioria dos casos, estruturas de gestão e equipes bastante enxutas e insuficientes para coordenar as ações previstas na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Em geral, as estratégias adotadas no funcionamento dos sistemas de defesa civil são direcionadas para a atuação em casos de emergências, não compreendendo o planejamento de ações estruturantes, a médio e longo prazos. Neste sentido, seria importante a atuação conjunta com os órgãos estaduais e municipais responsáveis pela realização de mapeamentos e monitoramentos de áreas de risco, gestão de recursos hídricos, políticas habitacionais, meio ambiente, saneamento, saúde, educação etc.
Também são escassas as ações voltadas para o estabelecimento de interfaces entre os sistemas de prevenção e políticas públicas que promovam a redução de vulnerabilidades socioeconômicas dos moradores que residem em áreas de risco.
Mobilizadores Coep – A partir dos dados levantados, na sua avaliação quais devem ser as principais medidas para o fortalecimento das comunidades em situação de vulnerabilidade no que se refere à prevenção de desastres?
R.: O envolvimento dos moradores das áreas de risco apresenta-se como uma premissa fundamental para a organização dos sistemas de prevenção e resposta a situações de desastres. A partir da política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída em 2007, a criação de Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudecs)* foi progressivamente sendo adotada e incorporada aos sistemas municipais de proteção e defesa civil. A ideia central era envolver moradores e organizações atuantes nas localidades consideradas de risco na adoção de medidas de monitoramento, educação ambiental e estratégias de desocupação de áreas. Mais da metade dos municípios mencionaram a implantação de Nudecs como estratégia para o envolvimento dos moradores das áreas de risco, no entanto, percebe-se a necessidade de ações que promovam articulações entre as medidas adotadas na gestão do risco e o desenvolvimento de iniciativas que incidam sobre as causas que geram as situações de exposição ao risco.
Observa-se uma tendência nos estados e municípios entrevistados à criação de Centros de Operações, envolvendo diversos órgãos municipais e/ ou estaduais. Há também a aquisição de radares metereológicos, a instalação de sirenes em comunidades localizadas em áreas de risco, envio de SMS aos moradores destes locais.
Mobilizadores Coep – Que balanço você faz a partir da pesquisa? Em que pontos avançamos e quais os principais desafios?
R.: Em geral, a pesquisa revela uma concentração dos investimentos das prefeituras e governos estaduais em medidas de prevenção relacionadas à realização de programas de formação, conscientização de moradores e capacitação de agentes das defesas civis, e à implantação de sistemas de informações e alarmes à população, através da criação de centros de gerenciamento de riscos e desastres.
É preciso avançar nas ações de mapeamento e identificação de áreas de risco e, sobretudo, em iniciativas relacionadas ao planejamento integrado dos órgãos de defesa civil nas secretarias que atuam em áreas relativas ao ordenamento urbano, na realização de obras de infraestrutura e em políticas públicas que abordem as diferentes dimensões que provocam as condições de vulnerabilidade das populações que residem em áreas de risco.
Neste aspecto, é fundamental o diálogo com as organizações locais e a criação de estruturas de gestão compartilhada das ações dos sistemas de proteção e defesa civil. A proposta de criação de Núcleos Comunitários de Defesa Civil, em alguns casos, vem demonstrando resultados no desenvolvimento de campanhas educativas, treinamentos e coordenação de ações adaptadas aos diferentes contextos locais.
Através da pesquisa foi possível identificar que há avanços nos investimentos feitos em sistemas de monitoramento e alerta, através da compra de equipamentos e modernização nas ferramentas de comunicação com as áreas afetadas. Contudo, observamos uma baixa atuação, por parte dos órgãos de defesa civil consultados, na montagem de equipes, programas e ações direcionadas à estruturação de sistemas de respostas à ocorrência de desastres. Este fato se reflete na estrutura de funcionamento destes órgãos, na ausência de divisões internas e de equipes para tratar deste eixo. Outro aspecto fundamental, em que é necessário avançar, é a disponibilização de abrigos temporários para as populações das áreas de risco.
Mobilizadores Coep – Qual é a orientação da nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída em 2012? E o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais, o que prevê? Como os estados e municípios estudados podem ser avaliados em relação a essas políticas?
R: A nova política traz uma forte orientação no sentido de priorizar as ações de prevenção aos desastres naturais a partir de medidas estruturantes, como: o incentivo à criação de sistemas de informação, mapeamento de áreas de risco, iniciativas educacionais e a articulação de diferentes políticas públicas direcionadas ao ordenamento territorial das cidades.
Assim como a nova Política Nacional, o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais prioriza as ações de prevenção, sendo destinados R$ 15,6 bilhões a estas iniciativas, que compreendem obras de contenção de encostas, drenagem, retenção de cheias, barragens, adutoras e sistemas de abastecimento de água.
As obras de infraestrutura representam investimentos estruturantes e necessários à minimização de desastres, no entanto, tanto o Plano, quanto a Nova Política não contemplam de forma adequada a capacitação e o envolvimento de comunidades, das áreas a serem monitoradas, na percepção e na adoção de medidas de reação frente ao risco. Além disso, não há previsão de construção de abrigos temporários para as populações que residem em locais de risco, fato que muitas vezes inviabiliza a desocupação de áreas.
*1 – Ver entrevista sobre os Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudecs), comRejane Lucena, coordenadora de Planejamento e Assistência da Defesa Civil de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco.
Para conferir a pesquisa Políticas Públicas e Iniciativas da Sociedade Civil de Prevenção e Resposta a Situações de Desastres Climáticos na íntegra, clique aqui.
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Entrevista para o Eixo Participação, Direitos e Cidadania
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.