Fundada há 25 anos, a escola Amigos do Verde (www.amigosdoverde.com.br), localizada em Porto Alegre (RS), estimula a consciência ecológica em cada pequeno detalhe das atividades realizadas por alunos e professores. Composteira, telhado verde, oficinas de reciclagem, agroecologia, criação de animais e nutrição saudável são alguns dos pilares deste colégio que é referência na questão. A diretora e fundadora Silvia Carneiro conta nesta entrevista o que motiva o trabalho e dá dicas para outras escolas.
Mobilizadores COEP – Que atividades de educação ambiental são realizadas na escola?
O principal objetivo é que a educação ambiental não seja segmentada, como uma disciplina ? educação ambiental, matemática, geografia etc. As crianças aprenderem desde pequenas que fazem parte da natureza, que tudo está interligado. Nós juntamos as filosofias de diversos teóricos, como o filósofo francês Edgar Morin, o educador espanhol Rafalel Yus, o educador Humberto Maturama etc.
Temos aulas de agroecologia desde o grupo 1 (que é o nosso primeiro ano do Ensino Fundamental), com biólogo formado. Mas no dia-a-dia eles têm contato com animais (jabuti, porquinho-da-índia, galos, galinhas, tartarugas, periquito, codorna), com a composteira, com a horta, com os 2.500 metros quadrados de área verde que temos, com o telhado vivo*1 e a cisterna para captação de água. Toda semana, eles são responsáveis por um desses espaços. No telhado vivo, por exemplo, têm que fazer o manejo. Se forem responsáveis pelos animais, vão limpar, alimentar etc. Eles vão se apropriando disso e vendo que fazem parte desse universo. O objetivo não é as crianças olharem esses espaços como se fosse um zoológico, mas sim interagir com eles e com a natureza, para que todos se sintam responsáveis pelos espaços da escola.
Esses aspectos permaculturais*2 são separados por pastas. As turmas fazem um rodízio de pastas por semana. A alimentação é naturalista e fazemos uma harmonização para começar a semana, na segunda-feira, e outra para terminá-la, na sexta, quando eles trocam de pastas. Essas harmonizações envolvem toda a equipe. Realizamos danças circulares, ou uma meditação, ou um canto. No início e final de cada turno harmonizamos as professoras com seus alunos. Dessa forma, além da pessoa entrar em contato consigo própria, harmoniza-se com o outro e com o planeta. Este é um outro enfoque da ecologia.
Mobilizadores COEP – Há 25 anos a escola alia educação e ecologia. O que mudou ou evoluiu neste tempo, em termos de atividades pedagógicas realizadas?
Mudou bastante. Existem dois tipos de escola: a que reproduz o sistema, que é a escola convencional, e a escola que transforma e gera autonomia reflexiva, que é onde nós nos colocamos.
Observamos a família e nossos alunos e percebemos suas necessidades. Junto com isso, a escola também muda seu funcionamento, seu propósito. Por exemplo: o projeto político-pedagógico (PPP) da escola muda anualmente, com base nas avaliações dos pais, dos alunos e da equipe. Há cinco anos, estabelecemos no PPP que não mais seriam usados copos descartáveis nos eventos ? festa junina, Feirão de Orgânicos etc. – e que as famílias trariam seus copos, pratos e talheres de casa. Hoje, isso flui automaticamente, não precisamos lembrar os pais disso. Terminamos as festas, com 200 pessoas, e a escola está limpa, sem nada pelo chão, sem produzir lixo. Sempre vai haver novos propósitos.
Neste tempo, uma outra coisa evoluiu muito. Trabalhamos com um projeto de estudo, que define os temas que as crianças estudam durante duas a três semanas [ex: folclore, astronomia etc.]. Antes, votávamos democraticamente os projetos. Hoje, definimos projetos de estudo, e as crianças decidem por consenso quais vamos executar ? algo bem mais evoluído e ao mesmo tempo mais difícil. Depois de fazer essa escolha, as crianças fazem o mapa mental, que é um trabalho coletivo onde apontam o que querem estudar dentro de um determinado tema. Isso é uma evolução do trabalho e acho que a escola tem que estar sempre buscando evoluir.
Mobilizadores COEP – A agricultura é estimulada desde cedo entre os alunos. Qual o impacto que isso tem neles? O que muda em seus hábitos alimentares e sociais?
Eles têm uma visão muito diferente. Vou dar um exemplo claro. Na semana passada, almocei com os alunos da primeira série do Ensino Fundamental e um deles estava todo sujo de feijão, em volta da boca. Perguntei se ele queria um guardanapo e ele respondeu que não e que iria se limpar com a própria língua para economizar papel. Ou seja, tem conceitos que eles vão criando. Conceitos que trabalhamos e em cima dos quais eles vão evoluindo. Porque o conhecimento é uma construção única e individual, mesmo tendo um professor como facilitador.
Mobilizadores COEP – Quais as características da agricultura adotada e estimulada na escola?
A agricultura adotada na escola é a agroecologia, que pratica a agricultura orgânica, sem uso de fertilizantes, a não ser adubos naturais. Diariamente, os restos de frutas e alimentos dos lanches e refeições feitos na escola são colocados na composteira, com as folhas secas em cima. A composteira produz o composto, nosso abudo natural. As crianças veem as cascas das frutas que se decompõem e percebem que os nossos grandes ?ecologistas? – que são as minhocas, o piolho de cobra, aquela bicharada da composteira, que é um mundo vivo ? estão decompondo o alimento e gerando o composto, que depois vai ser colocado na horta, nas árvores do bosque.
Mobilizadores COEP – Quais são os conceitos ecológicos transversais que são passados aos alunos através das práticas de plantio e colheita?
Tenho um certo ranço quando se fala em educação ambiental. Fica a ideia de que existe o homem e existe o ambiente. E de que o homem deve cuidar do ambiente. Isso é uma visão antropocêntrica. Não deve existir essa visão de cuidar do ambiente ? o homem separado do ambiente. Usamos uma visão ecocêntrica: o homem faz parte da natureza, o homem é a natureza. Por isso, não usamos a expressão ?educação ambiental?, para desenvolver a ideia de que, sim, nós somos Natureza. Que este planeta é a nossa casa. Que somos uma espécie humana, da mesma forma que existem outras espécies, e todos podem conviver respeitando as diferenças de forma de existência. É dentro dessa visão ecocêntrica que trabalhamos a questão ecológica na Amigos do Verde desde o início.
Mobilizadores COEP – A nutrição também é uma área importante da escola. Como é posto em prática o projeto de nutrição saudável na escola? Que cuidados são tomados?
Há regras básicas do que pode e é adequado. Usamos hortaliças orgânicas e evitamos os industrializados. Tem um lado que são as regras, que tem bastante a característica de disciplina, pois vivemos em uma cultura midiática que faz um carnaval na cabeça das pessoas: é biscoito recheado que fala, é iogurte que ?não sei o quê?.
Junto com as regras também tem a questão de fazer culinária. Em cada projeto tem esse aspecto. Os alunos fazem saladas de fruta, pão integral, peixe assado etc. Eles experimentam isso e nós estimulamos a alimentação saudável também através da culinária.
E por que não, nas festas, a alimentação também ser saudável? Por que justamente em um dia de celebração, de comemoração, a alimentação não vai ser legal? Em nossa festa junina tinha suco de uva e suco verde – e saiu super bem. Existe a ideia de que, em festas juninas, tem que ter aquelas comidas tradicionais, mas não é necessário. Podemos festejar e nos alimentar super bem também. Não é uma coisa pela outra. Temos o hábito cultural de usar muito doce. E não há necessidade disso.
Os funcionários todos comem aqui também, pois os professores comerem junto com os alunos é uma forma de estimular.
Claro que as regras são importantes, mas também temos que conquistar as pessoas nisso. Oferecer um brigadeiro integral; oferecer o lanche integral gratuitamente também para os funcionários, que esse tipo de alimentação nas suas vidas; fazer as harmonizações não só com os alunos, mas também nas reuniões de pais, que passam a entender como é bom fazer um relaxamento, uma massagem etc. Ou seja, são formas de conquistar as pessoas para isso, que chamo de sementes ao vento, ou seja, lançar sementes, multiplicar o trabalho.
Queremos que na escola só entre coisas legais. Ela é um modelo de vida, de sociedade, temos que colocar coisas legais aqui dentro.
Mobilizadores COEP – Como reagem os alunos novos, que chegam à escola com hábitos das escolas antigas e acostumados a comer guloseimas? Como fazer para fazê-los adotarem novos hábitos?
Quando uma criança entra na escola, os pais sabem das combinações. Muitas vezes é um pouco difícil. Mas lidamos da seguinte forma: se uma criança diz que não gosta de melancia, por exemplo, perguntamos se ela já provou, dizemos que a melancia em questão foi colhida em outro lugar, que não é a mesma e tem outro gosto. Ou seja, sempre estimulamos o experimentar de alimentos. Acho que isso faz com que eles, fora da escola, acabem gostando das coisas mais naturais. As mães pedem receitas. Dificilmente temos uma criança que não come. Quando isso ocorre, normalmente está atrelado a uma situação afetiva ou de (falta de) limites de pai e de mãe, ou é algum jogo que a criança está fazendo. Já não encaramos mais como problema alimentar, temos que ver isso no todo, contextualizar a situação.
Mobilizadores COEP – O que é e como surgiu o Feirão de Produtos Orgânicos e Artesanatos? A comunidade e os pais se envolvem? Quais são os temas que são trabalhando transversalmente com a realização do Feirão?
É uma grande feira em que expomos e vendemos as coisas plantadas e produzidas na escola, não só verduras e legumes, mas também artesanato feito com material reciclado, comidas integrais e naturais e outros objetos e materiais. Começamos há 20 anos fazendo o plantio e as crianças colhendo durante a semana. A partir disso, fomos reestruturando, apresentando não só as hortaliças, mas também jogos pedagógicos, atividades de auto(eco)conhecimento.
Várias coisas que são vendidas as crianças produziram a partir de materiais da escola, ou de contribuições enviadas pelos pais, como panos, objetos, agulhas, vidrinhos, inúmeras coisas. Ao longo desses 20 anos de feira, fomos mudando algumas coisas. Atualmente, tem um espaço de massagem, onde as crianças fazem escalda-pés*3 nos adultos, que é uma forma de divulgar a importância de estar harmonizado consigo. São pequenas coisas que têm tudo a ver com essa outra forma de valorizar a vida, de buscar essa qualidade de vida.
Mobilizadores COEP – Quanto à reciclagem, que atividades são desenvolvidas? Os alunos costumam levar o que é aprendido em reciclagem para suas casas, ou seja, adotam o hábito de fazê-la em casa?
Sim! Ouvimos os pais contando coisas como ?lá em casa tem que separar o lixo?, ou ?fulaninho desliga a torneira quando escova os dentes?. Trazem as pilhas e baterias para a escola depois de usar. As crianças fazem os pais adotarem esses hábitos.
Todas as salas têm dois nichos, um para lixo orgânico, que vai ser colocado na composteira, e outro para lixo reciclável. O artesanato com materiais reciclados é feito no dia-a-dia, nas aulas normais. Mas costumamos fazer mais. Por exemplo: não compramos massa de modelar, que é extremamente cara. Produzimos a massinha, com água, farinha e óleo. Sabemos também que vamos usar as folhas dos dois lados, vamos fazer de rascunho. Sabemos também que não vamos usar papel celofane. Tem coisas que nós simplesmente não usamos na escola.
Outra coisa legal que estamos fazendo neste ano é produto de limpeza, que é álcool com malva-cheirosa*4. Isso é muito bom para as pessoas da limpeza, que usam produtos menos químicos.
Porto Alegre tem uma coleta seletiva muito boa há mais de dez anos. Mas, há 25 anos, não existia isso e tínhamos latões para o lixo da escola. Tínhamos um papeleiro que vinha uma vez por semana levar nosso lixo não orgânico (papel, metal). Só depois evoluiu para coleta seletiva de lixo na cidade. Para trabalhar a questão do lixo na escola, visitamos com a nossa equipe uma usina de reciclagem. Depois que você vê uma pessoa catando nas usinas e percebe que, por exemplo, a garrafa de refrigerante está cheia de abelhas que podem machucar a pessoa que está catando, você vai pensar da próxima vez que for beber refrigerante e vai lavar a garrafa antes de jogar no lixo.
Mobilizadores COEP – Para escolas que ainda não têm projetos ecológico-ambientais, que dicas poderiam ser dadas para implementar um projeto na área? Por onde começar?
É preciso começar desde o início, desde a missão da instituição. A visão ecológica tem que estar dentro da missão, e não em uma aula de educação ambiental. Entra também no projeto político-pedagógico, na formação de professores, nas reuniões de equipe, nos projetos de estudo. Em tudo podemos dar um enfoque questionador e questionar: ?isso é importante? Como posso fazer melhor??. Isso vale também para os eventos ? Olimpíadas, Feirão, Semana das Mães etc.
Começa pelo que compramos e botamos dentro da escola. O que se pode substituir? Desde a alimentação, passando pelo material escolar etc. Além disso, é bom observar o regulamento da escola e ver como adaptar as regras para se viver melhor em harmonia com o planeta. Em que bairro fica a escola? Em que situação vive o bairro? Do que as crianças estão precisando? O que podemos mudar dentro da escola, considerando o que as crianças precisam? Essas são algumas estratégias.
Tenho feito muitas palestras para as escolas aqui do Rio Grande do Sul, gerando exatamente esta reflexão. Pois parece que elas ficam esperando para que um dia possam fazer a horta, e aí leva tempo, para então fazer outra coisa e toma mais tempo….Faz! Faz de qualquer jeito! As pessoas idealizam demais e acabam não fazendo. Faz, dá um passo de cada vez. Parte para a ação. Faz um pouquinho e, a cada ano, vai acrescentando mais uma coisinha que tem a ver com aquele contexto, com a situação.
Mobilizadores COEP – A Amigos do Verde também faz formação de educadores externos. Que conceitos são transmitidos?
Seguimos aquela lógica que comentei de sementes ao vento. Fazemos um curso dentro da linha de dar autonomia às pessoas. Há dois encontros iniciais, depois eles fazem observações dentro da escola e, em seguida, partem para a prática. Junto a isso, são feitos debates sobre as leituras que são passadas no início do curso e finalizamos com um artigo – cada educador tem que fazer o seu.
É um curso que tem a cara da escola, pois trabalhamos com a autonomia. Não é aquela coisa de vários alunos juntos no curso de formação de educadores. Eles fazem uma formação pessoal. Vai haver momentos de partilha, mas vai haver muito mais momentos de cada um buscar o seu conhecimento, através do que vê, observa e lê e daquilo que vai ser consolidado no artigo. Não tem disciplinas. Não tem nada a ver com aquela ideia de disciplinas fragmentadas ou com a didática empacotada.
*1 Telhado vivo ? prática de plantar jardins nos telhados de construções. Aumenta a área verde do local, ajuda na captura de dióxido de carbono (CO2) e no isolamento térmico das construções.*2 Permacultura – método de planejar, atualizar e manter sistemas de escala humana (jardins, vilas, aldeias e comunidades) ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis. Foi criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970.*3 Escalda-pés ? técnica de relaxamento dos pés que consiste em colocar os pés em água morna durante um determinado período de tempo. Costuma-se adicionar sais e ervas à água. A técnica é tida como relaxante e estimulante da circulação sanguínea.*4 Malva-cheirosa ? também conhecida como malva-grande, malva-rosa ou gerâneo-aromático, é uma planta medicinal (indicada para tratar infecções e inflamações) e aromatizante.Entrevista concedida a: Maria EduardaEdição: Eliane Araújo
Fiquei muito feliz em conhecer uma escola com a VERDADEIRA EDUCAÇÃO AMBIENTAL implantada.
Parabéns pela iniciativa!!!
Esses alunos serão cidadãos diferentes na nossa sociedade com atitudes e hábitos CONSCIENTES, fazendo uma constante análise crítica do mundo em todas as situações e atuando de forma decisiva, coerente e holística.