O projeto Ribeirão Anhumas na Escola, desenvolvido desde 2007 na bacia urbana do Ribeirão das Anhumas, em Campinas (SP), é uma parceria público-privada, envolvendo universidade, setor público, escolas, empresas e comunidade. Dentre seus principais objetivos estão a promoção do uso racional dos recursos hídricos na bacia do Ribeirão Anhumas e o estímulo à atuação da escola nos problemas de sua comunidade.
Participam da iniciativa as escolas estaduais Professora Ana Rita Godinho Pousa e Adalberto Nascimento, localizadas na microbacia do Ribeirão das Anhumas. Ambas as escolas têm projetos próprios que se inserem no escopo do projeto maior, o ?Ribeirão Anhumas na Escola?. Os alunos realizam trabalho de campo, conhecendo a realidade do entorno e, juntamente com professores, funcionários e comunidade, pensam em soluções para os problemas socioambientais com que se deparam. Como resultado final, vai ser apresentado e concretizado um projeto de recomposição da mata ciliar e aproveitamento de área adotada pela escola.
Leia entrevista com o coordenador geral da iniciativa, Maurício Compiani, do Instituto de Geociências da Unicamp, e com os professores Fabiana Burgos e Ederson Costa Briguenti, que coordenam o projeto na Escola Estadual Professora Ana Rita Godinho Pousa.Mobilizadores COEP – De que forma a educação ambiental pode dar suporte ao enfrentamento de questões socioambientais, em especial de questões que fazem parte do dia a dia das comunidades escolares?
R.: Em cidades do tamanho e importância de Campinas, as microbacias urbanas e todo o sistema socioambiental relacionado a elas não constituem um valor cultural, e esses conhecimentos regionalizados não estão presentes na escola. Por outro lado, acreditamos no potencial da escola e no seu papel transformador, participativo na vida pública de um país, que, com a multidisciplinaridade de seus professores (Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Artes, Educação Física, Filosofia, Biologia, Física e Química), pode interferir com propostas de Educação Ambiental para diminuir o distanciamento e incompreensão das comunidades urbanas das bacias hidrográficas em que estão inseridas. A falta de acesso das escolas a conhecimentos atualizados relacionados à localidade onde está inserida pode ser enfrentada por pelo menos dois caminhos: o primeiro, buscando mudar a hegemonia da concepção de professores como aplicadores de conhecimentos produzidos por outros, envolvendo-os na pesquisa e construção de conhecimentos escolares e rompendo com seu afastamento da produção do conhecimento utilizado na escola; o segundo, criando estratégias de cooperação efetiva entre professores, instituições de pesquisa e universidades, apostando que a parceria colaborativa entre rede pública de ensino e instituições de pesquisa seja a base para valorizar o grande potencial do sistema público de ensino para o desenvolvimento de projetos escolares ambientais de interesse local/regional.Mobilizadores COEP ? Quais os principais problemas socioambientais da região da bacia do Ribeirão das Anhumas?
R.: São vários os problemas. Podemos citar alguns: a população ocupou áreas que correm riscos de indundações e desabamentos nas Áreas de Proteção Permanente (APPs), principalmente ao longo do Ribeirão Mato Dentro e do Ribeirão das Anhumas, na Vila Brandina e Rua Moscou; falta de uma cultura de uso racional da água e suas implicações para a bacia em que moramos; falta de uma cultura para a destinação dos resíduos sólidos das casas dos alunos; falta de mata ciliar nas APPs ao longo de grande parte dos córregos e ribeirões que compõem a bacia do Ribeirão das Anhumas; ocupação das APPs por empreendimentos privados em vários trechos das margens da bacia do Ribeirão das Anhumas; grande tráfego de caminhões, com cargas perigosas, em várias vias importantes da região; falta de áreas de lazer para as pessoas (de todas as faixas etárias) que residem na bacia do Ribeirão das Anhumas; falta de planejamento urbano para instalar no local o Shopping D. Pedro, por exemplo, além de especulação imobiliária e ocupação das cabeceiras do Ribeirão das Pedras por prédios de 30 andares; impactos na impermebialização do solo, devido ao gigantismo do Shopping D. Pedro (que não tem piso drenante em seu estacionamento); falta de arborização, que quando existe é muitas vezes inadequada em várias ruas da região; não há política de gestão urbana para a ocupação e preservação de áreas ainda rurais e de grande beleza e biodiversidade, como a bacia do São Quirino; e falta de projetos pedagógicos nas escolas públicas e particulares voltados ao conhecimento e produção de materiais didáticos regionais sore o município.Mobilizadores COEP – Quando surgiu o projeto ?Anhumas nas Escolas?? Qual seu objetivo e por que instituições é implementado?
R.: O Projeto Ribeirão Anhumas na Escola é desenvolvido pelo Instituto de Geociências e Biologia da Unicamp, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Universidade de Alfenas (Unifal) e a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e duas escolas estaduais: Adalberto Nascimento e Ana Rita Godinho Pousa. Os objetivos gerais do projeto são: constituição de uma cultura de colaboração e construção de conhecimentos escolares e propostas curriculares entre universidade, rede pública e partes da administração pública direta por meio da concepção de pesquisa colaborativa; desenvolvimento de conhecimentos escolares e propostas curriculares com os dados do Projeto de Políticas Públicas no Ribeirão das Anhumas relacionados à vida cotidiana, ao ambiente e à ciência, com ênfase na regionalização e flexibilização; e desenvolvimento de conhecimentos escolares contextualizados e integradores entre disciplinas que qualifiquem o lugar da escola e seus alunos e que promovam o uso racional de recursos hídricos.
Dentre os objetivos específicos podem-se citar: desenvolver projetos escolares com estudos regionalizados na bacia do Ribeirão das Anhumas que promovam o uso racional dos recursos hídricos; incentivar e promover a atuação da escola nos problemas do local e comunidade da escola; e elaborar um banco de dados dos “diagnósticos socioambientais na região de Campinas?, embrião para o Atlas Ambiental de Campinas.A seguir, leia a entrevista com os professores Fabiana Burgos e Ederson Costa Briguenti, coordenadores do projeto na Escola Est. Profª Ana Rita Godinho Pousa Mobilizadores COEP – Que atividades estão sendo desenvolvidas pelos alunos e comunidade escolar na recuperação das microbacias?
R.: A escola Ana Rita Godinho Pousa, ao longo de mais de um ano de trabalho com os monitores ambientais, irá criar uma pequena área de lazer e recompor a mata ciliar existente entre a escola e o Ribeirão das Anhumas ainda em abril de 2010. A escola Adalberto Nascimento, também trabalhando há mais de um ano com os monitores ambientais, realiza a Agenda 21 [programa de ação que visa promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica] dos bairros da cabeceira do Ribeirão das Pedras, subcomponente da microbacia Ribeirão das Anhumas.Mobilizadores COEP ? Quais os principais impactos do projeto para a comunidade?
R.: A escola estuda e aprende em colaboração com os institutos de pesquisa da região sobre a bacia hidrográfica a qual pertence; alunos, parentes, professores e comunidade passam a conhecer sobre o entorno da escola, o que incentiva a participação na melhoria do bairro e da cidade; e a recomposição da mata ciliar do Ribeirão das Anhumas e futura área de lazer ao lado da E. E. Ana Rita Godinho Pousa.
Mobilizadores COEP – Quando o projeto será finalizado? As atividades serão continuadas pelas escolas e comunidades envolvidas? Em caso positivo, de que forma?
R.: O atual projeto estende-se até abril de 2010 com apoio da Fapesp e agosto de 2010 com apoio da Petrobras. Há possibilidades de prorrogação pela Petrobras até agosto de 2011. Se houver esta prorrogação, praticamente todas as atividades poderão ser mantidas por mais um ano e meio. Encerrado o apoio da FAPESP, pretendemos repensar a continuidade do projeto envolvendo os professores das escolas na tarefa de multiplicação da experiência e resultados obtidos para novas escolas de Campinas. Como a elaboração de novo projeto e o período de aprovação leva um certo tempo, se ocorrer a prorrogação da Petrobras teremos fôlego para manter as atividades sem perda de continuidade e elaboração de novas metas.
Mobilizadores COEP – Que passos considera fundamentais para que outras iniciativas semelhantes sejam realizadas?
R.: A organização nas escolas de grupos de professores que concordem com a concepção de professores pesquisadores e críticos; grupos de professores que se organizem para elaboração de projetos pedagógicos voltados à realidade socioambiental do local da escola; contato com universidades na busca de parcerias colaborativas para a elaboração dos projetos pedagógicos e a respectiva implementação destes projetos construídos colaborativamente; que as escolas pensem novas pautas sobre: formas de trabalho em equipe, ii) procedimentos para elaboração e desenvolvimento de projetos educativos, partindo das práticas de sala de aula e do contexto de cada escola, maneiras de envolver os professores neste tipo de tarefa, criação de uma cultura de reflexão crítica sobre a prática escolar, criação de uma cultura de integração entre disciplinas, e usos de novas linguagens e tecnologia (computador e internet). Mobilizadores COEP – Quando a escola passou a participar do projeto ? Ribeirão Anhumas na Escola?? Qual a importância de um projeto como este para a formação de cidadãos mais críticos e responsáveis?R.: O ano letivo de 2006 foi um período de fundamental importância, constituindo um momento de reflexão, discussão e elaboração do projeto pedagógico escolar. É preciso deixar claro que o Projeto Anhumas na Escola é norteador e estruturador, mas cada uma das duas escolas participantes possui projetos pedagógicos distintos que se incluem neste maior e que cada um dos professores participantes tem seus projetos de pesquisa-ação individuais. Denominado ?Lição de casa: o ensino inserido na realidade da comunidade escolar?, o projeto da Escola Professora Ana Rita Godinho Pousa procura abordar a realidade em que os alunos estão inseridos e representa um perfil pedagógico da escola, apontando algumas diretrizes a serem trabalhadas. O projeto começou, oficialmente, em 2007, com a participação de 11 professores (Português, Artes, Educação Física, Geografia, Química, Biologia e Filosofia).
A comunidade escolar chamava o Ribeirão das Anhumas de ?valeta? e sequer sabia da sua importância, e que pertencia à maior bacia hidrográfica de Campinas. Sendo assim, e, por acreditarmos que a formação de cidadãos críticos e responsáveis deve se iniciar com o conhecimento da realidade local, com a participação ativa da comunidade em decisões sobre o seu bairro, podemos dizer que a escola é um ambiente propício para isso, e os professores como mediadores são essenciais para a elaboração de um currículo local. Atentamos que apesar de falarmos em currículo ?local?, não deixamos de lado, em momento algum, as propostas curriculares em que se elencam conteúdos específicos de cada uma das disciplinas, muito pelo contrário, acreditamos na somatória de saberes.
Mobilizadores COEP – Como o projeto foi apresentado à comunidade escolar? De que forma alunos e comunidade foram mobilizados para participar da iniciativa?
R.: O projeto Ribeirão Anhumas na Escola é parte integrante da proposta pedagógica da escola. Além disso, os professores participantes lecionam no Ensino Médio e as turmas tinham a maior parte das suas aulas conosco (hoje somos 09 professores). Nossas aulas (nem todas) eram planejadas intencionalmente com assuntos relacionados ao projeto. Os trabalhos de campo permitiam aos alunos um contato maior com a comunidade e melhor conhecimento sobre as necessidades do bairro.
Mobilizadores COEP – O que considera primordial no processo de mobilização para obter a adesão da comunidade escolar?R.: As aulas precisam envolver os alunos, fazê-los enxergar além daquilo que os olhos alcançam. Para isso, nos utilizamos de diferentes estratégias/metodologias de ensino. Os trabalhos de campo deixaram de ser considerados ?passeios? e passaram a ser momentos de descobertas, de contextualização de um conceito específico de uma disciplina. Passaram a ser momentos investigativos, com a valorização do conhecimento prévio e do ambiente em que se inserem nossos alunos, estimulando-os a saber cada vez mais.
Mobilizadores COEP – Poderia citar algumas atividades práticas realizadas dentro do projeto Que desdobramentos tiveram?
R.: Muitas atividades foram desenvolvidas sob o enfoque de trabalhos de campo principalmente. No entanto, prefiro comentar sobre a formação dos monitores ambientais, atividade que ainda acontece.
Os alunos monitores participam de reuniões semanais com professores responsáveis para este fim e com um representante do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Como resultado do trabalho, precisam apresentar e concretizar um projeto de recomposição da mata ciliar e aproveitamento de uma área que foi adotada pela escola. Este trabalho deveria ser desenvolvido no bairro e, para isso, os alunos passaram por reuniões que tratam de pesquisa (elaboração e análise), conhecimentos específicos sobre bacia hidrográfica, entre outras.
Em 2009, nos dedicamos à pesquisa, construção e reconstrução de conhecimentos e, ao final do ano, aconteceu a ?I Reunião Pública? sobre este local, organizada e comandada pelos alunos da escola, com a orientação dos professores. Em 2010, já foram realizadas mais duas reuniões públicas (20/03 e 10/04) com a presença de moradores, alunos e professores da escola, além de outros convidados do Instituto de Geociências e de Biologia da Unicamp, do IAC, um representante da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa) e o secretário de Meio Ambiente de Campinas, a fim de esquematizar o projeto agora da ?praça? e não mais ?área adotada?. A intenção é que este esquema seja entregue ao prefeito da cidade, já que a prefeitura está realizando obras de revitalização nas proximidades e, em hipótese alguma, queremos perder todo o trabalho até então realizado.
Mobilizadores COEP – De que forma os alunos estão atuando como multiplicadores dos conhecimentos adquiridos?
R.: As reuniões públicas e os trabalhos de campo têm permitido a interação com a comunidade, além disso, há a interação aluno-aluno e aluno-família que ocorre no dia a dia.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades encontradas na realização do projeto? Como foram e/ou estão sendo superadas?R.: Bom, falar em dificuldades financeiras seria no mínimo desrespeitoso com a Fapesp e a Petrobrás Ambiental, porém, algumas perguntas nos rodeiam: ?Quando acabar o patrocínio e apoio, como faremos?? ?Como faremos para contratar ônibus para os trabalhos de campo??, ?Quem nos fornecerá material para trabalhos específicos??. Além da questão financeira, não podemos esquecer que ainda temos a necessidade constante do respaldo dos professores/pesquisadores da Unicamp e IAC no que diz respeito, por exemplo, ao material para leitura e pesquisa…
Agora, a maior dificuldade que encontramos é, na verdade, uma velha conhecida dos professores de escola pública: a falta de tempo. Trabalhamos muito além daquilo que um professor deveria. Acreditamos que um professor deve se dedicar muito mais à sua prática docente, porém o número elevado de aulas semanais a que devemos nos submeter nos impede muitas vezes de realizarmos trabalhos tão intensos quanto este que vem sendo desenvolvido. Nós nos dedicamos bastante ao que fazemos, entretanto somos conscientes de que faltou tempo para estudo e reflexões mais aprofundadas.
Mobilizadores COEP ? Quais os principais resultados do projeto, até agora?
R.: Como principais resultados do projeto, além de novas práticas em sala de aula por parte dos professores participantes, podemos citar: a formação dos professores nos módulos: Geologia e Cartografia; Pedologia; Biologia (zoologia e botânica); e Riscos e Unidades Ambientais, ocorrida ao longo do primeiro ano de trabalho, quinzenalmente aos sábados. Esta formação foi de fundamental importância, pois suas áreas de formação eram distintas e distantes do contexto de uma bacia hidrográfica. Ainda durante este processo de formação, quatro eixos temáticos ?Interdisciplinaridade; Local/Regional; Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA); e Educação Ambiental ? foram trabalhados e discutidos de modo que o grupo de professores buscasse na literatura subsídios que retratassem sua identidade acerca de temas que permeiam o trabalho metodológico na escola e que raramente ou nunca são discutidos pelos docentes.
Cabe ressaltar também, como citado anteriormente, a formação de monitores ambientais (alunos) atuantes na comunidade; o projeto de recomposição de mata ciliar, que está em fase de encerramento e as dissertações de mestrado e teses de doutorado que vêm sendo concluídas por participantes do projeto, entre eles alguns dos professores.
Mobilizadores COEP – Que dicas daria a outras escolas que queiram trabalhar as questões socioambientais do seu entorno?
R.: Acreditem no potencial do seu aluno, abracem esta ideia de modo que a escola toda participe efetivamente, envolvam ao máximo a comunidade do bairro, e, procurem a universidade para uma parceria, para que o conhecimento científico chegue à escola de uma maneira diferente daquela que tradicionalmente ocorre: única e exclusivamente por meio dos livros didáticos. Ressalta-se que aspectos e questões envolvendo a realidade local devem estar contemplados no projeto pedagógico da escola. A elaboração coletiva deste projeto colabora para nortear o planejamento, os objetivos e as metodologias das atividades pedagógicas desenvolvidas no âmbito escolar.
Entrevistas do Grupo Promoção da EducaçãoConcedidas à: Renata OlivieriEditadas por: Eliane Araujo