Cerca de cinco milhões de jovens em todo o mundo têm Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), doença que reduz a eficácia do sistema imunológico humano, deixando as pessoas mais vulneráveis a infecções oportunistas*, como a pneumonia. Além disso, estima-se que 3 mil jovens, entre 15 e 24 anos, sejam infectados diariamente pelo vírus HIV (do inglês, human immunodeficiency virus ? vírus da imunodeficiência humana).
No Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, a maior parte dos casos diagnosticados da doença, na faixa etária de 13 a 19 anos, está entre as mulheres. Já entre os jovens de 20 a 24 anos, os casos de Aids se mostram equilibrados entre os dois gêneros.
De acordo com a psicóloga e educadora sexual Camila Guastaferro, coordenadora de desenvolvimento institucional do Centro de Estudos da Sexualidade Humana ? Instituto Kaplan, o não uso do preservativo nas relações sexuais é um dos fatores de risco que coloca os jovens entres os mais atingidos pela doença atualmente. Segundo Camila, as razões para este comportamento podem variar de acordo com o gênero, mas, de qualquer forma, o que se mostra imperante em ambos os sexos é a dificuldade de negociar o uso do preservativo.
Para enfrentar a situação, Camila considera de suma importância a inclusão da disciplina de educação sexual dentro do currículo escolar, com a implementação de um programa que contemple não só a diversidade de valores e conhecimentos, mas que promova espaço para que o adolescente reflita sobre seus direitos sexuais e reprodutivos e os impactos de suas escolhas.
Mobilizadores COEP – Desde a descoberta da Aids, há 30 anos, o que mudou em relação ao conceito da doença?
R.: Há 30 anos, a Aids era encarada como uma sentença de morte, e esse estigma desencadeou uma reação de forte preconceito e segregação, culpabilizando as pessoas, muito pelo desconhecimento do vírus HIV na época e sua forma de infecção. Após a descoberta da ação do vírus em nosso organismo, dos mecanismos de infecção e, especialmente, quando os medicamentos para controle da carga viral começaram a combater a evolução do HIV no organismo, evitando a Aids, um novo enfrentamento da doença foi proposto: a compreensão sobre a vulnerabilidade para a infecção pelo HIV que é multifatorial, envolvendo aspectos pessoais como conhecimento e valores; aspectos sociais, como as relações de gênero, e aspectos programáticos, como os programas do governo para prevenção e atendimento à pessoa vivendo com HIV.
Mobilizadores COEP – Quais os principais avanços em relação ao tratamento da Aids?
R.: Os atuais medicamentos antirretrovirais controlam a replicação do HIV em nosso organismo, ou seja, mantêm a carga viral estável para não comprometer o nosso sistema de defesa. O tratamento, hoje, vai além do uso dos antirretrovirais; temos a indicação de um acompanhamento multidisciplinar, que pode envolver nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, objetivando a melhoria da qualidade de vida do paciente. Os estudos para o desenvolvimento de uma vacina ainda se encontram em fase de pesquisa, e o Brasil é um dos países que está testando sua eficácia.
Mobilizadores COEP – O fato de hoje existirem tratamentos mais eficazes para a AIDS, e a doença não representar mais certeza de morte, tem modificado o comportamento preventivo das pessoas?
R.: Não acredito que esse seja o principal fator que interfira nas ações efetivas de uso do preservativo na prevenção, ainda que possa contribuir para isso. Em meu trabalho com adolescentes percebo que existem outras questões que envolvem o não uso do preservativo, como o desconhecimento da colocação, vergonha de usar, assimetria na relação de gênero, medo de falhar. Claro que o conhecimento dos adolescentes sobre o HIV/Aids como doença crônica e não mais fatal interfere no olhar e nos conceitos que eles formarão, portanto é essencial aprofundar a discussão com eles, inclusive sobre como seria conviver com o HIV, esclarecer o tratamento e abrir espaço para falar inclusive de preconceito.
Mobilizadores COEP – Hoje, quais os grupos mais vulneráveis à doença? Por quê?
R.: É bom destacar que a vulnerabilidade não está nos grupos, mas na prática do sexo desprotegido (anal, vaginal e oral). Para uso da epidemiologia e de planejamento de ações de saúde e educação, avaliamos os riscos de acordo com o crescimento do HIV/Aids apresentado em algumas populações específicas, por meio de recortes nos dados coletados pelo Ministério da Saúde sobre a questão. Os últimos boletins epidemiológicos têm destacado que o número de casos de Aids em jovens 13 a 24 anos vem crescendo e, com isso, aumenta a necessidade de ampliar as ações de prevenção voltadas a este público.
Mobilizadores COEP – Que fatores colocam jovens, entre 13 e 24 anos, entre estes grupos? Há diferenças entre o comportamento sexual feminino e masculino nesta faixa etária?
R.: O não uso do preservativo em todas as relações é um dos fatores que atinge ambos os sexos. O comportamento masculino é especialmente afetado pelo medo de falhar, de ser julgado erroneamente; o comportamento feminino sofre a interferência do medo de ser rejeitada, da submissão, da violência. A dificuldade de negociar o uso do preservativo é um fator que afeta ambos os sexos.
Mobilizadores COEP – Neste contexto, quais as principais práticas preventivas direcionadas a jovens, adotadas pelo Programa Nacional de DST/AIDS?
R.: As estratégias de atuação com os adolescentes envolvem principalmente seu protagonismo, reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos e disseminação de informação sobre sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis (DST), afetividade, gravidez, diversidade e outros temas, com guias atuais que auxiliam os professores e instituições a trabalharem em oficinas com os jovens.
Mobilizadores COEP – E quanto à Escola? Qual o seu papel na prevenção à Aids?
R.: A escola tem papel fundamental na educação preventiva, principalmente quando pensamos numa perspectiva de formação do sujeito como cidadão, para promover um espaço de reflexão sobre saúde, empowerment, relações afetivas e sexualidade.
Mobilizadores COEP – Nossa Escola está preparada para uma abordagem integral da sexualidade, o que inclui a prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids? Em caso contrário, quais os principais desafios?
R.: Nossa escola vem se estruturando gradativamente para uma abordagem integral da educação sexual. Um passo fundamental foi a inclusão da Orientação Sexual como tema transversal dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ainda que existam dificuldades em se adotar a educação sexual integral como política pública amplamente disseminada no Brasil, existem tentativas frequentes! Os desafios perpassam valores pessoais dos profissionais que atuam com os adolescentes, dificuldades metodológicas e de formação para lidar com a temática e maior integração com a saúde.
Além disso, é preciso criar uma infraestrutura organizacional que permita a existência da disciplina de educação sexual dentro do currículo das escolas. É preciso criar um programa ampliado, que atinja o adolescente desde sua entrada no ensino fundamental II até sua saída do ensino médio, respeitando a diversidade de valores, conhecimentos e, acima de tudo, promovendo um espaço para que o adolescente possa refletir sobre seus direitos sexuais e reprodutivos e os impactos de suas escolhas.
* Doenças oportunistas são aquelas que se aproveitam do estado de debilidade das defesas do organismo para causar danos.
Entrevista do Grupo Promação da SaúdeConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo