A jornalista Mariana Balboni fala da importância da Internet para a democratização ao acesso à informação e participação da população de baixa renda no processo produtivo e na tomada de decisão nas questões de seu interesse. A jornalista realizou pesquisa sobre o assunto para sua tese de doutorado, defendida em maio de 2007, na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Mobilizadores COEP – Qual o percentual de brasileiros que ainda não tem acesso à Internet? Como você justifica/avalia tamanha exclusão digital no país em pleno século 21?
R.: Segundo a pesquisa Acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação – TIC Domicílios 2007, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br (NIC.br) – entidade que implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil -, até o ano passado, 59% da população brasileira ainda não haviam utilizado a Internet pelo menos uma vez na vida. O Brasil é um país muito extenso, de dimensões continentais, e com uma enorme desigualdade social. E, infelizmente, a exclusão digital no país acompanha a exclusão social. São os indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e que habitam as localidades mais distantes dos centros urbanos que têm mais dificuldade de acesso à informação digital. O primeiro obstáculo é a falta de conexão à rede na cidade, ou no bairro onde vivem ? realidade em muitas regiões brasileiras. Em seguida é a questão da alfabetização digital. Isso porque para acessar a Internet, o indivíduo precisa, além de saber ler e escrever, de uma capacitação mínima para interagir com os equipamentos e com a rede. Só vencendo as desigualdades sociais e econômicas poderemos permitir que todo cidadão brasileiro se torne um usuário de internet. Mas devemos lembrar também que em termos absolutos somos quase 45 milhões de internautas (34% da população brasileira declararam ter usado a internet nos últimos três meses), um número muito expressivo e uma população maior do que a de muitos países no mundo.
Mobilizadores COEP – Como você conceituaria a expressão ?inclusão digital??
R.: Inclusão digital (ID) é um termo muito amplo; ele abrange bem mais do que o simples acesso ao equipamento, a capacitação do usuário, a profissionalização ou até mesmo a possibilidade de se apropriar de um computador e da Internet para articular projetos comunitários e produzir conteúdo local. A ID deve ser compreendida dentro do escopo da inclusão social, ao possibilitar a participação protagonista do indivíduo no processo produtivo estabelecido pela sociedade da informação. Ou seja, a internet é uma ferramenta democrática que, entre outros benefícios, permite a inclusão do indivíduo no sistema produtivo e possibilita, através do acesso à informação, sua participação na tomada de decisões relacionadas à administração de seu bairro ou cidade, escolhas políticas através do contato direto com seus representantes, participação em discussões sobre diversos temas etc.
Mobilizadores COEP – Na sua opinião, o que seria preciso para promover a inclusão digital da maior parte da população brasileira?
R.: É latente a necessidade de uma política pública mais consistente e contínua para impulsionar a inclusão, que se traduz, de forma quase unânime, num plano nacional de inclusão digital e na formulação de uma lei de diretrizes e bases que assegure os direitos do cidadão e viabilize o processo de expansão das TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação], levando em consideração não somente o acesso público através de centros públicos de acesso, mas uma infra-estrutura nacional de banda larga que conecte todo o país. É consenso também que o Estado deve ser o articulador e maestro dessa agenda digital, financiando o acesso gratuito também em escolas, bibliotecas e prédios públicos. Mas ele não deve ? nem pode ? atuar sozinho. As empresas privadas devem participar, tanto trazendo recursos para iniciativas públicas, como investindo na ampliação da rede de telecomunicações ou fomentando o acesso pago à Internet ? a preços razoáveis ? por meio de iniciativas privadas como lan houses. Também é necessário o investimento em educação, que, de tão deficitária no país, não só limita a apropriação das TICs como impede a conquista de garantias básicas e primárias ao cidadão.
Mobilizadores COEP – Em 2007, você realizou o estudo ?Por detrás da inclusão digital: Uma reflexão sobre o consumo e a produção de informação em centros públicos de acesso à Internet no Brasil?, para sua tese de doutorado. Qual o foco do estudo? Que programas de inclusão digital foram analisados?
R.: A tese* apresenta uma visão geral da importância das TICs ? sobretudo da Internet ? para a participação do cidadão na ?sociedade da informação?. Nesse sentido, é introduzida a questão da desigualdade de acesso, destacando o cenário da exclusão digital no mundo e, sobretudo, no Brasil. São apresentadas as discussões em torno da inclusão digital e o histórico do seu desenvolvimento no país, abordando a importância do letramento e da apropriação tecnológica para a produção de conhecimento. Foram também comparadas as opiniões de mentores, coordenadores, monitores e usuários de programas de inclusão digital, no que diz respeito à contribuição da Internet para a produção e consumo de informação e para o desenvolvimento social, econômico e político das comunidades de baixa renda, assim como identificados os interesses políticos e econômicos por trás da inclusão digital. Foram estudados três programas de ID: o Acessa São Paulo, o Digitando o Futuro (de Curitiba) e os Telecentros Porto Alegre.
Mobilizadores COEP ? Quais as principais contribuições da Internet para o desenvolvimento das comunidades de baixa renda apontadas pelos participantes dos programas de inclusão digital entrevistados?
R.: Para os usuários dos programas, vencer a barreira do acesso à infra-estrutura e da alfabetização digital é a principal vitória diante da falta de oportunidades e disparidades econômicas e culturais da periferia. Entre as contribuições dos programas de inclusão digital para o desenvolvimento de sua comunidade eles citam melhores oportunidades de educação e trabalho, mais opções de comunicação e lazer, principalmente para os jovens, aumento da auto-estima, diminuição da criminalidade, entre outros. Já os coordenadores dos programas e mentores dos programas de ID destacam as novas possibilidades de comunicação e de troca de informações, o potencial enorme ? ainda não lapidado ? para a articulação comunitária, a produção de informação e a percepção do seu papel dentro da sociedade. Identificam também novas possibilidades de diálogo entre o poder público e os jovens, e cases que apontam para melhorias no desenvolvimento pessoal, de auto-estima e de empregabilidade.
Mobilizadores COEP ? Quais os principais interesses políticos e econômicos por trás da inclusão digital?
R.: São muitos os interesses que motivam o desenvolvimento de programas de ID, por isso citarei apenas alguns deles. O discurso de mentores e coordenadores deixa claro que são as motivações políticas que vêm guiando o desenvolvimento de centros públicos de acesso e de iniciativas de inclusão digital no país: basicamente, os investimentos públicos em tecnologia da informação na modernização da máquina administrativa do Estado se justificam através da ampliação do acesso aos serviços de governo eletrônico a uma parcela maior da população. Mas é claro que a perspectiva de democratização do acesso e de cidadania também permeia as ações do governo. Podemos identificar também interesses eleitorais. Mesmo não sendo regra, a abertura de uma nova unidade de CPA pode ser usada como moeda de troca político-partidária para deputados e políticos em geral. Além disso, é o interesse político no programa que garante os investimentos, o financiamento e sua continuidade. Além das vontades políticas, os interesses econômicos também conduzem o desenvolvimento de programas de inclusão digital: são uma ótima oportunidade de ampliação de mercados, através da formação de novos consumidores e da aproximação com o Governo, o que garante o fornecimento de equipamentos para estas novas instituições públicas. Também são identificados por alguns mentores como uma boa forma de as empresas se desfazerem de ?lixo tecnológico?, através de doações via programas de responsabilidade social, que ainda fortalecem a imagem institucional da empresa.
Mobilizadores COEP – Qual a importância dos centros públicos de acesso (CPAs) gratuito à Internet, os chamados telecentros comunitários, para a população de baixa renda? Eles são suficientes para prover a inclusão desta população?
R.: Em todo o mundo, a exclusão digital vem sendo combatida através da criação de centros público de acesso, também conhecidos no Brasil como telecentros e infocentros, que oferecem acesso a tecnologias da comunicação como telefonia, computadores e Internet. Em sua grande maioria, os centros públicos que fornecem acesso gratuito à rede são resultado de políticas públicas do governo federal, estadual e municipal, muitas vezes em parceria com entidades do terceiro setor e empresas privadas. Eles podem ser implantados em escolas, centros culturais, prédios públicos, organizações comunitários ou ONGs. Em meu estudo tratei apenas dos centros públicos de acesso (CPAs) comunitários ou telecentros operados unicamente pelo governo, independente das denominações diferenciadas que os mesmos possuem localmente. Os telecentros comunitários são iniciativas fundamentais para a capacitação dos indivíduos, preocupando-se em utilizar as tecnologias digitais como instrumentos para o desenvolvimento humano em uma comunidade. Nestes espaços, a ênfase é o uso social e a apropriação das ferramentas tecnológicas em função de um projeto de transformação social para melhorar as condições de vida das pessoas. Assim, a tecnologia e a conectividade são importantes, mas não suficientes. Os telecentros comunitários são considerados locais de encontros e intercâmbio, espaços de aprendizagem, nos quais é possível discutir os usos da tecnologia, para que os usuários possam tirar o melhor proveito dessas novas ferramentas. Os telecentros comunitários são espaços importantíssimos para o primeiro contato daqueles que não têm facilidade de acesso à rede, mas os centros públicos de acesso pago, ou lan houses também vêm apresentando um papel muito importante na disseminação desse acesso. Esse modelo de negócio, que se tornou muito comum em países da América Latina, nos últimos anos, vem se mostrando um fenômeno no Brasil, ao oferecer conexão à internet a preços baixos, sem restrição e com velocidade.
Mobilizadores COEP – Fale um pouco sobre o impacto que a Internet tem no consumo e na produção de informação.
R.: O acesso público à Internet está mudando a relação das comunidades de baixa renda com a informação. Embora a produção de conhecimento não tenha sido alcançada plenamente, o usuário se sente muito mais informado, pratica suas habilidades de comunicação, articula idéias através do MSN e das salas de bate-papo, e se apresenta ao mundo pelo Orkut. Houve um aumento declarado no consumo de informação entre os freqüentadores dos centros públicos de acesso, o que corresponde a um dos principais objetivos dos programas de inclusão digital que oferecem acesso gratuito à população. Seu lugar no ciberespaço também está garantido pelo seu endereço digital ? o e-mail ?, que muitas vezes é a única forma de identificação que indivíduos de baixa renda possuem.
*Leia a tese de Mariana Balboni no endereço: (http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-10102007-120815/)
Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Minha esposa trabalha com inclusão digital para a Prefeitura de Itanhaém. Um trabalho interessante que tem muito a ver com esta entrevista. Por que vocês não fazem um entrevista por lá? Grato