O que significa governança corporativa, terminologia cada vez mais usada na área de responsabilidade social? Entenda melhor esse sistema que dirige e monitora as organizações, com base na transparência, eqüidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, em entrevista com Carlos Eduardo Lessa Brandão, pesquisador do Centro de Conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Mobilizadores COEP – O que é governança corporativa?
R.: É o sistema pelo qual as sociedades empresariais são dirigidas e monitoradas, por meio de um conjunto de processos, costumes, leis e regulamentos. A expressão engloba ainda o relacionamento entre os diversos atores sociais envolvidos (stakeholders), como os acionistas/cotistas, a alta administração e o conselho de administração, além dos funcionários, fornecedores, clientes, bancos, outros credores, instituições reguladoras ? como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Cental ? o meio ambiente e a comunidade em geral.
As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de preservar e aumentar o valor da organização, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua longevidade.
Mobilizadores COEP – A que se deve a evidência do tema ultimamente?
R.: Nos últimos anos, cresceu o número de empresas com ações negociadas em bolsas de valores ao mesmo tempo em que vieram à tona alguns escândalos envolvendo fraudes em grandes empresas, especialmente nos Estados Unidos. Diante desse quadro, aumentou a necessidade de oferecer maior confiança aos acionistas, com a adoção de regras que os protegessem dos abusos da diretoria executiva das empresas, da inércia de conselhos de administração inoperantes e das omissões das auditorias externas. Além disso, o próprio mercado de capitais, cada vez mais, exige a adoção de boas práticas de governança corporativa. Essas exigências se devem ao fato de as boas práticas de governança estarem relacionadas à melhoria da gestão das empresas, aperfeiçoando seu processo de tomada de decisão, permitindo equacionar tanto a sucessão na empresa e nos grupos controladores, como diversos conflitos de interesses entre sócios e gestores. No Brasil, a ascensão do tema se deve à necessidade de as empresas modernizarem sua alta gestão, visando se tornar mais atraentes para o mercado. O fenômeno foi acelerado pelos processos de globalização, privatização e desregulamentação da economia, que resultaram em um ambiente corporativo mais competitivo.
Mobilizadores COEP – A lei Sarbanes-Oxley (SOX) passou a ser uma referência para as grandes empresas preocupadas com a adesão aos padrões de governança. Que circunstâncias levaram à criação da SOX?
R.: A Sox foi assinada, em 2002, nos EUA, pelo senador Paul Sarbanes e pelo deputado Michael Oxley, em resposta às fraudes empresariais no início do século XXI no país ? escândalos como os da Enron, WorldCom, Arthur Andersen e Xerox ?, que geraram prejuízos financeiros atingindo milhares de investidores. A lei ? que também tem efeito no Brasil, pois o país tem cerca de 70 empresas com ações negociadas em bolsas americanas e filiais de centenas de multinacionais – tem como objetivo aperfeiçoar os relatórios financeiros das empresas, garantindo a veracidade de seu conteúdo, e apresentar eficiência na governança corporativa, para que não aconteçam outros escândalos e prejuízos como os citados e evitar a fuga dos investidores causada pela insegurança a respeito da governança adequada das empresas. A Sox prevê penas de multas ou prisão para os executivos no caso de apresentação de informações incorretas ou imprecisas. Enfim, a lei visa garantir transparência na gestão financeira das organizações, aumentando a responsabilidade dos administradores e exigindo um maior controle interno das empresas.
Mobilizadores COEP ? Quais os requisitos da lei?
R.: Controlar a criação e edição dos documentos em um ambiente de acordo com os padrões ISO, para verificação de todos os documentos relativos à seção 404 ? que faz parte da Sox e determina avaliação anual dos controles e procedimentos internos para emissão de relatórios financeiros e a emissão de um relatório distinto, por auditor independente da empresa, que ateste a asserção da administração sobre a eficácia dos controles internos e dos procedimentos executados para emissão dos relatórios financeiros.
Mobilizadores COEP – Quais os princípios básicos da governança corporativa?
R.: A boa governança corporativa fundamenta-se na adoção de quatro princípios básicos: transparência, eqüidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.Transparência vai além da ?obrigação de informar” ? a administração deve cultivar o “desejo de informar”, pois a boa comunicação interna e externa, particularmente, quando espontânea, franca e rápida, resulta em um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da empresa com terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas contemplar também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e conduzem à criação de valor. Eqüidade, por sua vez, caracteriza-se pelo tratamento justo e igualitário de todos os grupos minoritários, sejam do capital ou das demais “partes interessadas”, como colaboradores, clientes, fornecedores ou credores. Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis.Pelo princípio da prestação de contas, os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação a quem os elegeu e responder integralmente por todos os atos e omissões que praticarem no exercício de seus mandatos. No que diz respeito à responsabilidade corporativa, conselheiros e executivos devem zelar pela longevidade das organizações, incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. Trata-se de uma visão mais ampla da estratégia empresarial.
Mobilizadores COEP – Quais as principais ferramentas de controle para uma boa governança corporativa?
R.: Podemos destacar quatro ferramentas. A auditoria interna dos processos operacionais, financeiros e de cumprimento legal; a auditoria externa das demonstrações financeiras; o comitê de auditoria (subgrupo do conselho de administração) responsável por analisar as demonstrações financeiras, por promover a supervisão e a responsabilização da área financeira, por garantir que a diretoria desenvolva controles internos confiáveis, que a auditoria interna desempenhe a contento o seu papel, que os auditores independentes avaliem, por meio de sua própria revisão, as práticas da diretoria e da auditoria interna e, finalmente, por zelar pelo cumprimento do código de conduta da organização; e o conselho fiscal, órgão não-obrigatório que tem como objetivos fiscalizar os atos da administração, opinar sobre determinadas questões e dar informações aos sócios.
Mobilizadores COEP – Que benefícios a boa governança corporativa proporciona à empresa?
R.: Do ponto de vista interno, as boas práticas permitem um aperfeiçoamento da gestão, do processo de tomada de decisão e do encaminhamento da sucessão de gestores e sócios. Do ponto de vista externo, a empresa passa a ser encarada como um investimento de menor risco e com maiores perspectivas de explorar seu potencial de negócios. Ao adotar as boas práticas de governança corporativa, a empresa tende a inibir os abusos de poder, erros estratégicos e eventuais fraudes.
Mobilizadores COEP – Qual o perfil das empresas brasileiras que mais têm aderido aos princípios da boa governança?
R.: Quanto às empresas listadas em bolsa de valores, diversas organizações, de vários setores de atuação, fazem parte dos níveis diferenciados da Bovespa (Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado), que demandam compromisso formal para cumprir diversas boas práticas de governança corporativa. Esses níveis diferenciados de Governança Corporativa foram implantados pela Bovespa, em dezembro de 2000, para proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, simultaneamente, o interesse dos investidores e a valorização das companhias. Empresas listadas nesses segmentos oferecem aos seus acionistas investidores melhorias nas práticas de governança corporativa que ampliam os direitos societários dos acionistas minoritários e aumentam a transparência das companhias. A adesão das companhias ao Nível 1 ou ao Nível 2 depende do grau de compromisso assumido e é formalizada por meio de um contrato, assinado pela Bovespa, pela companhia, seus administradores, conselheiros fiscais e controladores. As companhias Nível 1 se comprometem, principalmente, com melhorias na prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária. As companhias Nível 2 se comprometem a cumprir as regras aplicáveis ao Nível 1 e, adicionalmente, um conjunto mais amplo de práticas de governança relativas aos direitos societários dos acionistas minoritários.
Já o Novo Mercado diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos apresentam como resultado esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco; o aumento de investidores interessados; e, em conseqüência, o fortalecimento do mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa, mercado e o país.
Mobilizadores COEP – Já existem muitas empresas no país que adotam auditoria externa de suas demonstrações financeiras?
R.: Não temos conhecimento de levantamentos a respeito da adoção de auditoria externa pelas empresas brasileiras. O que pode impulsionar a adoção da auditoria externa é a informação de que não se trata de atividade necessariamente de elevados custos. Uma empresa pode contratar um auditor independente, pessoa física, credenciado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A auditoria externa das demonstrações financeiras faz parte da boa governança corporativa, pois contribui para a transparência das informações operacionais e para a prestação de contas entre os diversos agentes da governança.
Mobilizadores COEP – Como o tema da governança corporativa tem avançado no Brasil?
R.: A evolução recente do mercado de capitais tem impulsionado o tratamento do tema no Brasil, atraindo a atenção de empresas não-listadas e de controle familiar. Do ponto de vista do IBGC, temos percebido um aumento de interesse pelas atividades do Instituto, como os cursos para formação de conselheiros de administração e o número de associados.
Mobilizadores COEP – Quais as principais iniciativas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), fundado em 1995, para a difusão das boas práticas de governança no país?
R.: Podemos destacar algumas publicações do IBGC. O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, atualmente na terceira edição, é o principal documento do Instituto e é considerado uma referência internacional. A série de Cadernos de Governança Corporativa, que trata de temas práticos de interesse dos praticantes da área, conta com 5 volumes publicados: Guia para o Conselho Fiscal; Manual Prático de Cláusulas Estatutárias; Guia de Orientação para o Gerenciamento de Riscos Corporativos; Guia de Sustentabilidade para as Empresas; e o Guia para Regimento Interno do Conselho de Administração.
Dois novos cadernos estão em fase final de elaboração, um guia para o comitê de auditoria e outro para a implementação de portal de governança. Quanto aos livros, em 2005, ao completar 10 anos de existência, o IBGC publicou Uma Década de Governança Corporativa e, em 2006, lançou Governança Corporativa em Empresas de Controle Familiar. Com o objetivo de fortalecer e melhor integrar a qualidade dos relacionamentos interno e externo, foi lançado no ano passado o Código de Conduta do IBGC. Outra inovação foi a iniciativa Cartas Diretrizes, cujo destaque está na divulgação de posicionamentos sobre questões pontuais da governança, de maneira crítica, analítica e objetiva. Importante destacar também, como iniciativa para a disseminação das boas práticas, os cursos abertos e fechados desenvolvidos pelo instituto. Desde 1998, quando organizou o primeiro curso para formação de conselheiros no país, o IBGC contou com a participação de mais de três mil alunos em seus diversos cursos.
Mobilizadores COE – Poderia citar exemplos práticos de incentivo à aplicabilidade das práticas de governança corporativa no Brasil?
R.: A criação dos prêmios pelo IBGC, a partir de 2005, foi uma forma encontrada para estimular as melhores práticas de governança, promover o debate no meio acadêmico, empresarial e jornalístico, além de reconhecer pessoas e empresas atentas à temática da boa governança corporativa. São três os Prêmios do IBGC: Governança Corporativa, Jornalismo, e Trabalhos Acadêmicos (antigo Prêmio de Monografias). Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.