Paulo Melo, pesquisador da Embrapa Hortaliças, empresa associada ao COEP, nos conta nessa entrevista os procedimentos e cuidados que devem ser observados na implantação de uma horta comunitária para o sucesso da iniciativa. Com base em sua experiência prática, ele relata que, em geral, a implantação dessas hortas proporcionam melhoria na qualidade alimentar e, conseqüentemente, na saúde da comunidade, além de gerar renda pela venda de excedentes, fortalecer laços de cooperação; e ocupar espaços ociosos nas áreas urbanas e rurais.
Moblizadores COEP – Por que implantar uma horta comunitária?
R. São muitas as razões. Vou indicar aqui, de forma muito resumida, apenas as principais:
A. Hortas comunitárias são uma forma eficiente de produzir alimentos onde o espaço e os recursos são restritos, já que as hortaliças têm alto rendimento, ou, em outras palavras, produzem muito alimento em relativamente pouco espaço;
B. As hortas comunitárias permitem que seja produzida uma diversidade saudável de alimentos. Muitas e diferentes hortaliças, com valor nutritivo complementar, podem ser produzidas ao mesmo tempo, garantindo a boa qualidade da alimentação;
C. Hortas comunitárias são uma forma muito eficaz de distribuir alimentos, em especial para a população mais carente que, de outra forma, não teria como adquiri-los. Como o próprio interessado é quem produz o alimento, elimina-se assim qualquer atravessador entre o alimento e o indivíduo a que se destina;
D. Adultos e crianças envolvidos em projetos de hortas comunitárias apresentaram melhoria na saúde, com reflexo sobre o rendimento no trabalho e na escola;
E. A venda dos excedentes das hortas comunitárias no mercado proporciona um aumento de renda à família, em geral utilizado na aquisição de outros produtos alimentares (arroz, feijão, açúcar, café, sal, etc.);
F. Além de produzir alimentos, a nossa experiência indica que o trabalho em hortas comunitárias produz também cidadãos. A segurança do responsável pela família, homem ou mulher, de que o alimento não faltará aos seus e que isto depende exclusivamente do seu trabalho, produz indivíduos autoconfiantes e cientes de seu valor social e de seus direitos como cidadãos, com alto grau de independência de favores políticos. Esta autoconfiança gerou ainda agregação familiar e, no caso das mulheres, segurança para colocar-se em posição de igualdade no lar;
G. Por serem comunitárias, as hortas permitem que sejam criados laços de cooperação e ajuda mútua entre vizinhos, despertando o sentido de comunidade;
H. Quando urbanas, as hortas comunitárias cumprem ainda a função de ocupar espaços vazios que, de outra forma, estariam sob os cuidados do poder público. Com isso, economiza-se os recursos públicos e evita-se que essas áreas sejam utilizadas para esconderijo de marginais ou que se tornem foco de doenças.
Mobilizadores COEP ? Como deve ser a mobilização das pessoas que vão participar da implantação de uma horta comunitária?
R. Este é um aspecto que deve ser muito bem considerado. Em primeiro lugar, a horta comunitária só ?funciona? se a comunidade estiver disposta. Não se pode criar, forjar uma comunidade. Ela deve existir por si só. Caso não exista, é melhor incentivar a implantação de hortas domésticas em uma primeira etapa para, posteriormente, à medida que os hortelãos forem percebendo que o trabalho em comunidade é mais vantajoso, implantar uma horta comunitária. A mobilização das pessoas vem, em geral, com a primeira colheita. Note porém que nem todos têm o espírito, o talento para o cultivo de plantas, e isso é muito natural. Não há nenhum problema. É preciso apenas focar atento para o fato de que algumas famílias nunca se sentirão atraídas para o projeto. Doméstica ou comunitária a horta deve ser sustentável. Mas o que é isso? Sustentável tem vários aspectos. No aspecto econômico, sustentável quer dizer que a renda, direta (venda de excedentes) e indireta (consumo de hortaliças), deve ser maior que a despesa. No aspecto ambiental quer dizer que o ambiente não está sendo degradado, ou seja, o cultivo da horta está preservando (e até mesmo melhorando) os recursos naturais, em especial o solo e a água, de forma que a horta poderá continuar existindo indefinidamente. No aspecto social quer dizer que as vantagens sociais advindas da horta superam os seus custos.
Mobilizadores COEP ? Qual a melhor metodologia e que cuidados se deve ter na implantação de uma horta?
R. A metodologia de condução da horta deve ser, o tempo inteiro, participativa. Isso quer dizer que o hortelão participa e toma decisões, em vez de apenas obedecer. Isso o torna também responsável pelo sucesso, traduzindo-se em maior cuidado e dedicação. Quando se decide que hortaliças plantar, a primeira e a última palavra devem ser do hortelão, mesmo que, no começo do projeto, ele esteja interessado em plantar apenas uma ou duas hortaliças. Deve ser evitado apenas o plantio de hortaliças pouco adequadas à época ou de difícil condução já que, nestes casos, a chance de sucesso é pequena e o fracasso pode desestimular a permanência da família no projeto. Com o decorrer do projeto, especialmente se os cultivos forem bem sucedidos, fatalmente os hortelãos estarão abertos a novidades. Nessa hora, uma boa hortaliça para ser introduzida é a abobrinha: é fácil de cultivar, tem bom valor alimentício, é saborosa e produz rapidamente, satisfazendo a ansiedade natural dos hortelãos que desejam rapidamente colher os frutos do seu trabalho. Os projetos também devem tomar o cuidado de serem iniciados nas épocas mais propícias ao cultivo de hortaliças (para evitar problemas adicionais) e as hortaliças de difícil condução como, por exemplo, o tomate, devem ser evitadas em uma primeira etapa.
Mobilizadores COEP – Qual tipo de manejo é mais adequado?
R. O manejo orgânico da horta pode facilitar a certificação do produto. Além disso, o manejo orgânico é mais adequado por permitir o uso de insumos muitas vezes disponíveis na horta ou fáceis de conseguir: estercos como fertilizantes e caldas e armadilhas para controle de pragas e doenças. Em relação às sementes, prefira sempre adquirir de firmas idôneas. A produção própria de sementes não é uma tarefa simples. Se, por algum motivo as sementes próprias não têm qualidade, seu plantio causará grande desânimo, pois resultará em falhas ou, até mesmo, em ausência de germinação. A aquisição constante de sementes, que no caso das hortaliças algumas vezes são bem caras, pode ser o calcanhar-de-Aquiles do projeto. Garanta recursos para comprar sementes ou o seu fornecimento por um patrocinador. O treinamento dos hortelãos em compostagem (para maximizarem o uso de estercos e melhorarem a estrutura do solo) e no manejo integrado de pragas é muito importante para o sucesso da horta.
Mobilizadores COEP – Você poderia enumerar alguns resultados positivos identificados após a implantação da horta?
R. Em nossa experiência em Santo Antônio do Descoberto, na região geo-econômica de Brasília, mas já no estado de Goiás, tivemos os seguintes resultados principais:
1. Famílias que consumiam hortaliças até no máximo duas vezes por semana, sendo que a maioria consumia hortaliças apenas ocasionalmente, passaram a consumi-las diariamente;
2. De quatro hortaliças consumidas anteriormente (alface, tomate, cebolinha e coentro), as famílias passaram a consumir até 22 diferentes hortaliças;
3. Além da renda indireta (consumo de hortaliças) as famílias chegaram a ter um incremento de até 30% na renda com a venda dos excedentes;
4. Os casos de diarréia e desnutrição desapareceram entre os hortelãos e suas famílias. No caso dos hortelãos mais velhos, casos de reumatismo e artrites apresentaram melhora sensível devido ao exercício físico diário necessário à condução da horta;
5. O rendimento escolar das crianças envolvidas no projeto apresentou melhora substantiva;
6. Segundo alguns hortelãos, não são hortaliças que eles cultivam: eles cultivam mesmo é felicidade.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades na implantação das hortas e como esses problemas são contornados?
R. Há muitas dificuldades, mas não há uma receita de como vencê-las. A primeira delas é a expectativa após o primeiro plantio. Para amenizar a situação, procure estar com freqüência com os hortelãos, conversando e tranqüilizando-os. Ao mesmo tempo, verifique se os cultivos estão progredindo conforme o esperado e, no caso de qualquer problema técnico, alerte todo o grupo. Por isso, é tão importante não começar na época menos adequada e com hortaliças de difícil condução. Seja sempre muito sincero e compartilhe suas opiniões, angústias e esperanças em relação ao projeto. Isso os deixará muito mais seguros. Outra grande dificuldade é o relacionamento entre as pessoas. No começo, todos são um pouco desconfiados. Aqueles que se conhecem com antecedência tendem a formar grupos, isolando os demais. É importante não destruir os grupos, mas, ao contrário, incentivar a integração dos demais até que sejam todos um grande grupo. Todos formando um único grupo é uma utopia: sempre existirão aqueles desconfiados, competitivos, egoístas que não se integrarão aos demais. Isso é perfeitamente normal. É possível manter o projeto com um grande grupo e alguns indivíduos isolados. No começo, todos tendem a acreditar no fracasso do projeto (mais um projeto entre tantos…), mas, no íntimo, desejam muito que dê certo (senão, não estariam ali). É seu papel deixar bem claro, não somente com palavras, mas com atitudes (por isso a importância do método participativo o tempo todo ? no nosso caso, todas as vezes que íamos ao projeto, sentávamos todos para conversar sobre as hortaliças, à sombra de um angico) que o sucesso depende somente deles! Não assuma as responsabilidades que são deles: eles têm que preparar a terra, eles têm que estruturar os canteiros, eles têm que semear. Não faça, a menos que seja demonstração de como fazer (o que é muito válido), nenhuma atividade de hortelão na horta. Quando for fazer demonstrações, escolha sempre a área de hortelãos diferentes, evitando repetir sempre o mesmo, para evitar ciúmes dos demais. Elogie sempre e muito, mas sem exagero. Elogie somente o que for digno de elogio. Procure motivos para elogiar também aqueles hortelãos que têm mais dificuldade ou cujo lote esteja em situação pior que os demais. Caso o projeto vise à comercialização, resolva como será realizada antes de iniciar a produção.Esperamos que vocês tenham gostado da entrevista,e lembramos que o espaço abaixo é destinado acomentários sobre a entrevista e nãoa perguntas para o entrevistado. Para fazerperguntas,é preciso participar do treinamento virtual que o Mobilizadores COEPrealizará16 a 20/4/2007.
Muito boa a matéria. Entendo que as hortas comunitárias são uma ótima solução para muitos casos aqui na região norte.
Parabéns, o ponto mais importante é o envolvimento da comunidade no projeto, não adianta impor uma condição que não é real. Tem que surgir de dentro pra fora. Outra questão no meu ver, é que não existe uma receita de “bolo”, os pontos fracos e fortes devem ser superados e construídos de acordo com a realidade local de cada comunidade, seguindo o direcionamento traçado.
Paulo, a entrevista está muito boa. Especialmente porque toca em assuntos de relacionamentos que às vezes pode comprometer um projeto. As dicas inicias também são importantes.
A iniciativa do COEP com o lançamento do projeto de hortas comunitárias é realmente meritória. Tenho um relacioanmento com uma comunidade próxima de Porto Velho (RO), onde moro. Após esse treinamento pretendo ir até a essa comunidade trocar idéias com eles, para incentiva-los a que implar um projeto de hota comunitária. Sei que talvez seja um sonho, mas tentarei apoiá-los. Obrigado, portanto, pela oportunidade dos conhecimentos que serão transmitidos. Proporei também a colaboração da EMATER. E divulgarei o crédito da idéia ao COEP de quem espero acompanhamento.
Muito esclarecedora a entrevista, principalmente no que concerne à participação dos hortelãos, pois é muito importante as pessoas aprenderem a andar com as próprias pernas.
Eu sou farmacêutico e tenho trabalhado com projetos de cultivo de plantas medicinais inseridas em um contexto da Estratégia de Saúde da Família. Neste campo os resultados são muito bons, tanto no campo da mobilização como na Educação em Saúde. Eu tenho uma dúvida: seria viável (inclusive legalmente) tentar fornecer empréstimos (mesmo que em insumos) para serem pagos com produtos?
Eu acredito que a horta comunitária, e excelente para auto-estimas das pessoas envolvidas, pois estimulam o trabalho em equipe.
Qual a area necessária para implantação da horta? E que tipo do solo?
Achei muito interessante pois a horta comunitária está associada a vários benefícios:saúde física, mental, convivio em grupo, lazer.. enfim você está de parabéns. Eu participo tb como mobilizadora de um projeto, semeando o futuro, onde está sendo realizado um curso de minhocultura e posteriormente será realizado um outro de horticultura e conta com a participação de vinte alunos e cinco participantes da comunidade. Ele esta sendo realizado no Col Estadual Luiz Reid , Macaé-RJ, com parceria da EMATER/COEP e apoio da Petrobrás.
Interessante este detalhe de não fazer o que deve ser feito pela comunidade. É comum, principalmente no começo, pois também estamos ansiosos, querer fazer e fazer. O ideal é determinar os objetivos e, sem ansiedadede demasiada, ir cumprindo e curtindo as etapas do processo.
Muito interresante esta parte de elogios, principalmente os que sentem dificuldades pois serve de istimulo para eles desde que eles tenha confiança em vc!!
Gostei muito da entrevista. Sempre fui um defensor das Hortas Comunitárias e acredito muito em Hortas urbanas, pois já presenciei uma em minha cidade natal (Parelhas-RN) que trabalhava com crianças carentes. Um detalhe importante na entrevista foi o fato de não fazer as atividades dos hortelãos, antes sempre pensava em ajudá-los ao máximo, mais agora ficarei mais atento para não me precipitar novamente.
Foi muito importante lë as explicacoes do Paulo, gostei bastante de suas ideias e conhecimento sobreo assunto, fico com algumas duvidad quando a gente pensa em regioes diferente, onde é pouco cultivado hortalicas e ou similares. Acho que deve haver uma preocupacao com esta questão, não sei talvez o Paulo possa tratar dessa assunto, espero que sejam vistos.
Achei excelente este projeto de hortas comunitárias, este trabalho aproxima as pessoas a trabalharem em conjunto para o bem comum, educam as crianças a terem uma alimentação melhor e mais saudável.
Importante que o COEP se articule com o INCRA para incentivar a implantação de hortas comunitárias nos assentamentos de reforma agrária, principalmente aqui no Estado do Maranhão, onde os assentamentos não diversificam a produção e com tanto espaço , porém as famílias só se alimentam de arroz e feijão.
Muito legal as primeiras informações, participo de um projeto social onde o espaço físico é grande e com uma boa terra, os adolescentes estão muito animados para iniciar uma atividade, pois no início do ano, sugeriram para ocupar seu tempo, fazer uma horta, sem ninguém direcionar. Nossa dificuldade inicial, é contatos técnicos, para sabermos se o terreno é adequado. Estou em Vitória-ES, será que o Paulo pode informar para iniciarmos, alguma órgão ou Instituição que possa inicialmente orientar neste sentido,pois nossa formação do grupo em sua maioria é de administrador e professor.
Qual a area necessária para implantação da horta? E que tipo do solo?
Existe assessoria tecnica gratuita em Vitoria, capital do Espirito Santo?
Fiquei muito satisfeito com as informações adquiridas através da entrevista. Achei muito interessante o fato dela relatar a experiência na cidade da Santo Antônio do Descoberto, tão perto e tão distante de mim. O aprender é um mar de possibilidades.
Acho que as hortas comunitarias sao importantes ferramentas para minorar a fome e a desnutriçao que assolam muitas familias brasileiras, principalmente as da região nordeste. Aguardo com ansiedade a abertura da proxima turma para o curso.
A garantia da segurança alimentar passa pela produção e o consumo de alimentos saudaveis, e a horta comunitaria contribui muito nesse processo.
A horta comunitaria acima alem do fator produção saudavel incentiva a organização comunitaria torna-se fundamental na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Realmente a horta comunitária é um projeto social que deve se levar muito em conta, não só pelo lado produtivo e social, como até mesmo pela lado saudável que os produtos podem trazer para os consumidores, onde hoje em dia, o que mais se comenta e a alimentação incorreta das pessoas. O estímulo da horta comunitária deve ser numa intensidades maior para que se incentivem cada vez mais desenvolver esse projeto que realmente não exige muito recurso, socializando as pessoas a terem uma atividade e principalmente melhorando a alimentação daqueles que muitas vezes não sabem da importancia daqueles produtos em sua alimentação.