Elton Silva Oliveira, economista e membro do Núcleo Temático de Turismo para o Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual de Santa Cruz (NTT/UESC), na Bahia, fala sobre os impactos sócio-ambientais e econômicos do turismo para o desenvolvimento regional.
Mobilizadores COEP – Por que se interessou em estudar os impactos gerados pelo turismo?
R. Em 2000, quando começamos a estudar a Economia do Turismo, desenvolvi meu primeiro estudo intitulado ?Perfil da Demanda Turística dos Municípios de Ilhéus e Itacaré, Bahia: Uma Análise Comparativa?. Naquela época, constatei que a maioria dos estudos, monografias, dissertações e teses desenvolvidas no Brasil, com enfoque no Turismo, visavam apenas atender aos interesses do mercado, ou da iniciativa privada. Notamos também que a maioria desses trabalhos científicos tinha em comum uma visão ?apologética? acerca do Turismo, pois apregoavam apenas os benefícios (impactos positivos) que esta atividade gerava. Além disso, esses estudos contemplavam apenas a opinião dos turistas. Assim, surgiu a idéia de desenvolver uma pesquisa mais crítica para auferir os impactos (positivos e negativos) sócio-ambientais e econômicos gerados pela atividade turística, ouvindo a comunidade local, e dando voz a ela.
Mobilizadores COEP – O que o levou a escolher o Município de Itacaré para sua pesquisa?
R. O município de Itacaré, Bahia, foi selecionado para a nossa pesquisa pois atualmente é o destino preferido dos turistas, internacionais e nacionais, que freqüentam a Região Costa do Cacau, durante a alta estação. Além de ser, também, o município que vem recebendo o maior volume de investimentos destinado à construção de meios de hospedagem do tipo resort. Tal fato vem provocando significativas alterações na cultura local e inquietação na comunidade, devido aos impactos ambientais negativos gerados por este tipo de empreendimento.
Mobilizadores COEP – Qual sua opinião sobre o crescente número de investimentos/incentivos dos governos e de várias entidades no Turismo como uma atividade de geração de renda e desenvolvimento sócio-econômico? O que é fundamental para que essa iniciativa seja bem-sucedida?
R. Na verdade, esse crescente número de investimentos, se caracteriza num tipo de Neo-Colonização, pois grandes grupos estrangeiros (espanhóis e portugueses) estão adquirindo grandes porções da costa e do litoral nordestino, sobretudo para construção de grandes complexos turísticos (resorts). Os governos, por sua vez, no afã de atraírem esses investimentos, financiam todo o tipo de infra-estrutura (construção de aeroportos, estradas, marinas, portos e, etc.), concedem incentivos fiscais de forma indiscriminada, não fazem nenhum tipo de exigência e flexibilizam ou relativizam totalmente a necessidade de um licenciamento criterioso, ou excluem a obrigação do Estudo de Impactos Ambientais (EIA) e da apresentação do Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) às comunidades locais.
Esses empreendimentos (complexos turísticos e/ou resorts) se instalam devido apenas às facilidades (crédito, infra-estrutura, incentivos fiscais, juros baixos, licenciamento relativo ? que são disponibilizados pelo setor público) e, também, devido à existência em abundância de mão-de-obra barata, e não por uma demanda real do mercado turístico nacional ou internacional. Isto é um paradoxo, ao próprio capitalismo. Na verdade, uma contradição que levará ao desequilíbrio do mercado e à crise e falência desses empreendimentos no longo prazo, pois, as empresas têm que ser competitivas e auto-sustentáveis. O que vemos aqui na Bahia e no Brasil é que o governo se comporta de forma liberal ? como os clássicos ingleses ? que defendiam que a oferta geraria a sua própria demanda e que o mercado se ajustaria automaticamente, sempre tendendo ao equilíbrio (Lei de Say). Ou seja, o governo age como um gerente da iniciativa privada, viabilizando projetos que na verdade são inviáveis e que, se fossem submetidos à própria lógica do capitalismo (a demanda é quem gera a oferta ? teoria keynesiana), jamais seriam implementados. Assim, esses complexos turísticos e/ou resorts vêm se instalando no litoral nordestino de forma indiscriminada, sem levar em consideração a lógica do mercado, que é a inexistência de turistas para ocuparem esses complexos. Com isso, se gera um tipo de ?super-oferta? de leitos em meio de hospedagem do segmento luxo.
Com essa grande oferta de leitos nos resorts, e face à inexistência de uma demanda nacional suficiente para ocupar todos esses leitos, haverá uma crise, gerada por uma guerra de preços e promoções (para atrair os turistas em menor número as UH?s disponíveis), o que irá comprometer a ?sustentabilidade econômica? desses empreendimentos. É o que ocorre atualmente em Sauípe (guerra de preço entre os resorts localizados dentro do próprio complexo ? a isto eu chamaria de implosão do cluster). Então, o mercado fica em desequilíbrio (muito leito e poucos turistas = baixos preços = prejuízos), e esses empreendimentos se tornam economicamente insustentáveis no longo prazo, gerando crise também para essas comunidades locais, que tem no turismo a sua base econômica.Como esses projetos possuem uma visão de curto prazo e visam somente à racionalidade do grande capital, ou seja, o lucro a todo custo, não promovem desenvolvimento. Verifica-se apenas um crescimento econômico inicial, que entra em colapso logo em seguida, como atualmente verifica-se com o Complexo de Sauípe, na Costa dos Coqueiros, no estado da Bahia. Na verdade, esse modelo de desenvolvimento do turismo no Nordeste não é sustentável no longo prazo.
Mobilizadores COEP ? Por que o Brasil não atrai turistas estrangeiros com alto poder aquisitivo?
R. O Brasil não consegue atrair um grande fluxo de turistas estrangeiros de alto nível pois esses turistas costumam praticar o turismo em países de primeiro mundo. Por exemplo, os turistas americanos costumam visitar os países da Europa, e vice-versa. Cerca de 95% dos turistas de alto nível de países ricos visitam apenas países ricos. Apenas 5% dos turistas de alto nível dos países ricos visitam países subdesenvolvidos. O Brasil, devido a sua imagem de país violento e subdesenvolvido, só consegue atrair turistas estrangeiros com baixo poder aquisitivo, em outras palavras, turistas de baixo nível, que muitas vezes vêm motivados pelo turismo sexual, sobretudo no Nordeste. Em recentes estatísticas, divulgadas pela Embratur, ficou comprovado que o Brasil não conseguiu atrair nem 1% dos turistas internacionais. Isto demonstra que a nossa demanda no turismo é predominantemente doméstica. Não somos competitivos em nível internacional, pois estamos bem distantes dos principais países emissores, situados na América do Norte, Europa e Ásia. Os países que fazem fronteira com o Brasil, são países subdesenvolvidos?.
Mobilizadores COEP – É possível conciliar a exploração econômica do turismo com valorização da identidade e preservação das características culturais e ambientais de uma comunidade? De que forma? Citaria exemplos de comunidades que foram bem-sucedidas nisso?
R. Não conheço nenhuma experiência bem-sucedida, no Brasil. O turismo, especialmente o que se pratica no Nordeste do Brasil, ou a indústria cultural,na verdade é o capitalismo em sua forma mais sutil e sofisticada. Como qualquer atividade capitalista, sua produção ocorre de forma coletiva. Contudo, a divisão não se dá de forma eqüitativa. A apropriação da mais valia é realizada pelos grupos estrangeiros. Enquanto os empreendedores, sobretudo os estrangeiros (espanhóis e portugueses), detém o capital, a terra e a tecnologia, as comunidades locais ficam apenas com a sua força de trabalho, que, dentro da cadeia produtiva do turismo, é o fator que recebe a menor remuneração, ou possui o menor valor. Assim, se perpetuam as relações de exploração entre o Centro e a Periferia, além da Divisão Internacional do Trabalho. O Brasil exerce apenas um papel coadjuvante no cenário da atividade turística em nível internacional.
Contudo, se a atividade turística for planejada de forma pró-ativa e se sua gestão e as principais decisões contarem com a participação de todos os atores locais (setor público, setor privado, organizações não governamentais, comunidade local), haverá boas chances de haver conciliação dos interesses econômicos e os das comunidades. Contudo, sempre haverá custos sociais gerados pela atividade turística e a comunidade local terá que arcar com esse ônus (aumento do custo de vida, congestionamentos, inflação, prostituição, crescimento do tráfico de drogas, violência). Todas as modalidades de turismo geram impactos positivos e negativos. O ideal seria que os positivos superassem os negativos, ou que os benefícios superassem os prejuízos. Salientamos ainda que mesmo o Ecoturismo gera impactos negativos, porém, predominam nesta modalidade os impactos positivos.
Lembro-me agora, que Olinda é o município que mais se aproxima desse tipo de conciliação, pois há de fato uma grande valorização da identidade cultural (o frevo e o carnaval popular de rua com os bonecos gigantes de Olinda), conservação do patrimônio cultural (casas, igrejas, monumentos, prédios) e inclusão social através de projetos do tipo: guia mirim e guias locais, além do projeto arte para qualquer parte (funcionamento de 100 ateliês, responsável por incluir pessoas da comunidade local, de baixa renda no mercado de trabalho). Isto, fez com que Olinda, que é Cidade Patrimônio da Humanidade, também fosse eleita, em 2006, a Capital Cultural do Brasil.
Creio que em outros países a realidade é semelhante, como se verifica no texto: ?Os turistas são os inimigos mais perigosos que existem, porque eles nos são indispensáveis. Por diversas razões não podemos reservar-lhes a mesma sorte dos inimigos de antigamente, que simplesmente matávamos, mas podemos ficar mudos? (trecho de um texto grego sobre turismo em Creta).
O estudo do município de Itacaré revela como o território se transforma para oferecer as condições necessárias à racionalidade hegemônica do grande capital. Esses ?vetores verticais? (grupos estrangeiros) estabelecem uma nova ordem, uma nova organização espacial não construída efetivamente pelos atores locais. Trata-se de ordens ?estranhas? e impostas de fora, com o aval do Estado, e que alteram profundamente o cotidiano e a especificidade do lugar, ocasionando perda de identidade.
Mobilizadores COEP – Em geral, quais os principais problemas gerados pelo turismo nas áreas econômica, cultural, social e ambiental? Existem formas de prevenir esses problemas? Quais?
R. O principal problema em Itacaré hoje é a sazonalidade do Turismo. Atualmente, o fluxo de turistas é de aproximadamente 170 mil turistas/visitantes por ano. Cerca de 120 mil turistas visitam o destino na alta estação (dezembro, janeiro e fevereiro), com maior concentração em janeiro. Isto faz com que na alta estação haja pleno emprego, ou seja, a população local fica 100% empregada, conseguindo vagas no mercado de trabalho formal e informal. Queremos frisar que os melhores cargos e empregos gerados pela atividade turística em Itacaré são ocupados por pessoas de outros estados (Sul e Sudeste) e países, pois a mão-de-obra de Itacaré é desqualificada. Assim, os locais ficam apenas com os piores cargos oferecidos pelos resorts, hotéis e pousadas, que são de auxiliar de serviços gerais, camareiras, garçons, serventes e vigilantes. Como se isto não bastasse, os locais ficam em sua maioria com os empregos temporários. Pesquisas recentes apontam que cerca de 65% dos vendedores ambulantes que trabalham nas praias em Itacaré são oriundos de cidades circunvizinhas, como Aurelino Leal, Coaraci, Ilhéus, Itabuna, Ubaitaba e Uruçuca. Esse cenário aponta para um desemprego estrutural.
No que tange à cultura, as festas tradicionais como: Dois de Julho, Reis e do Padroeiro São Miguel estão perdendo força para as festas do Calendário Turístico, a saber: Ano Novo, Carnaval e São João. Outro fato importante é que os jovens, filhos de agricultores e pescadores, não querem mais seguir os ofícios dos seus pais e estão migrando, da zona rural para a sede do município, para trabalharem no Turismo. Como não têm qualificação profissional, não conseguem trabalho e passam a habitar em barracos, formando favelas na periferia de Itacaré. Isso gera uma explosão demográfica, que tem contribuído para aumentar a violência, a prostituição e o tráfico de drogas, pois, para sobreviverem, esses jovens passam a desenvolver estratégias ilícitas de sobrevivência, se colocando em situação de risco. Por fim, com a instalação de Grandes Complexos Turísticos (resorts), vários dos acessos às praias foram fechados e passou-se, a partir de então, se cobrar uma taxa por esse acesso. Isto tem provocado uma segregação sócio-espacial que vem contribuindo para a baixa auto-estima dos nativos.
Em nossa opinião, não existem formas de se prevenir totalmente tais externalidades (impactos negativos). Contudo, se em Itacaré tivesse sido feito um Planejamento Integral Local, com a participação de todos os atores (setor público, setor privado, comunidade local, ONG’s, etc.) e se a comunidade local tivesse sido antecipadamente preparada ou qualificada para a atividade turística, os impactos positivos seria superiores aos negativos, diferentemente do que se verifica nos dias de hoje.
Atualmente, o modelo de desenvolvimento do turismo no município de Itacaré é exógeno, pois as principais decisões sobre a atividade são tomadas pelo governo do estado, por intermédio da Empresa Baiana de Turismo (Bahiatursa), Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e Secretaria de Turismo, todas localizadas na capital Salvador, a uma distância de 450 quilômetros, que visam atender apenas ao grande capital (reduzir todas as barreiras legais e liberar o licenciamento sem a necessidade de EIA/RIMA para a instalação de empreendimentos com alto poder de impacto sobre o meio ambiente) que tem se instalado no município, em detrimento dos interesses da comunidade local. O município de Itacaré não dispõe de uma Secretaria de Turismo e nem de um Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente.
O turismo cresce e se espalha no tempo e no espaço de formas, muitas vezes, bastante incontroláveis e imprevisíveis e não se reproduz nem é fiel a modelos padronizados de comportamento. Assim, queremos dizer que não há formas de se prevenir tais impactos negativos ou problemas. Contudo, um bom planejamento pode mitigar esses prejuízos. Esse planejamento, atualmente, é inexiste em Itacaré.
Mobilizadores COEP – Num artigo você afirma que “inicialmente, o turismo se apresentou como uma alternativa atraente para o desenvolvimento do município de Itacaré, trazendo benefícios à comunidade local e principalmente à economia que se encontrava estagnada.” Que benefícios foram esses?
R. Sim, inicialmente o turismo foi benéfico, pois a economia do município de Itacaré estava estagnada. Face ao declínio da lavoura cacaueira a partir da década de 80, a cidade viveu um isolamento por duas décadas. O turismo que se desenvolvia era do tipo ?alternativo? ou ?brando?, o que fez com que surgissem empregos para os ?nativos?, pois os meios de hospedagem eram mais simples e os turistas que freqüentavam Itacaré, naquela época, eram do tipo ?aventureiro? ou ?alocêntrico? (que têm seus interesses e atenções centralizados em outras pessoas e cultura), e buscavam experiências culturais e ambientais diferentes de seu meio. Esses visitantes pertenciam ao grupo de renda mais alta e eram pouco exigentes em estrutura turística, além disso também interagiam com a comunidade local. Naquele período, Itacaré se configurava como uma pacata Vila de Pescadores. A pesca passou a ter um destaque na economia. Antes dessa época, os pescadores tinham grande dificuldade de comercializar sua produção e eram forçados a vende-la para os atravessadores que ditavam o preço do pescado e do marisco. Com o crescimento do turismo em Itacaré, os pescadores passaram a vender toda sua produção, diretamente para os bares, as pousadas e restaurantes que estavam sendo abertos exclusivamente para atender a demanda turística. Isto foi extremamente benéfico para a comunidade local naquele momento, em que a atividade era incipiente.
Mobilizadores COEP – O que fez com que o turismo se tornasse um dos principais “vilões” para o desenvolvimento local, a despeito dos benefícios iniciais que ocasionou?
R. O turismo em Itacaré tem gerado apenas um ?desenvolvimento empobrecedor?, que se caracteriza por ser economicamente concentrador, ambientalmente insustentável, socialmente iníquo e culturalmente alienante. Antigamente, os nativos eram os proprietários dos bares e restaurantes, de algumas fazendas de cacau localizadas à margem do Oceano Atlântico e dos imóveis localizados no centro da cidade. Naquela época, moradores e turistas interagiam normalmente e isto gerava um intercâmbio cultural, com trocas positivas para a comunidade local. Atualmente, os nativos vivem nos bairros periféricos como: Passagem e Marimbondo, onde cerca de 80% da população encontram-se desempregada no período de baixa estação. O centro da cidade se tornou uma bolha ambiental, pois, assim como Porto Seguro, está se tornando apenas uma área comercial, onde só os turistas circulam face aos preços praticados pelos comerciantes. O turista, ao circular fora dessa bolha ambiental, corre sérios riscos, como assaltos, furtos e até agressões, pois alguns nativos já não estão vendo os turistas com bons olhos. A interação entre turistas e nativos agora tem um caráter estritamente comercial.
Após a instalação do primeiro Resort, o Txai, em 2001, verificou-se o surgimento também da primeira favela, que se chama Santo Antônio ou Bairro Novo. A maior parte dos habitantes dessa favela é de operários contratados pela empreiteira que foi responsável pela construção desse empreendimento. Outro fato importante é que os melhores empregos gerados por esse tipo de empreendimento foram ocupados por pessoas vindas das regiões Sul e Sudeste do País, uma vez que a comunidade local não foi preparada para absorver essas oportunidades. Assim, os nativos ficaram apenas com os piores cargos, do tipo: auxiliares de serviços gerais, camareiras, garçons, serventes, etc.
Atualmente, está sendo construído em Itacaré o segundo seis estrelas do mundo:o Resort Warapuru, que pertence a um grupo português. Apesar de o empreendimento ser altamente impactante – pois foi responsável por promover a retirada de nativos que habitavam o remanescente da Mata Atlântica, de desviar cursos de rios e riachos, por aterrar nascentes, fechar o acesso à praia da Engenhoca, fazer aterramento e terraplanagem de morro, e construir em área de marinha – o atual governo do estado da Bahia tem se comportado apenas como um gerente da iniciativa privada e concedeu a esse empreendimento o licenciamento para construção e instalação sem a exigência de um EIA/RIMA. O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o Warapuru, o Ibama, o Conselho Regional de Administração (CRA) da Bahia e o governo do estado e, em 2006, embargou a obra. Contudo, o governador Jacques Wagner, utilizando de sua influência política, conseguiu liberar tais obras. Seguindo a mesma linha, o atual prefeito de Itacaré, Dr. Jarbas, decretou uma lei, classificando o empreendimento (investimento de um grupo estrangeiro) como uma obra de interesse público. Hoje, o Warapuru tem em seu canteiro de obras cerca de 1.200 operários, contudo apenas aproximadamente 200 desses operários são de trabalhadores nativos do de Itacaré.
Ressaltamos, ainda, que esses grandes complexos turísticos ou resorts estão sendo construídos em áreas que, segundo o Zoneamento da Área de Proteção Ambiental (APA) inicial, eram Áreas de Proteção Permanente e Áreas de Proteção Visual. Também, e não menos importante, devido à falta de políticas públicas voltadas para a preservação e conservação do patrimônio natural, cultural e histórico, os antigos casarões e a Praça de São Miguel, construídos durante a época áurea do cacau por coronéis, estão cedendo lugar a modernas construções comerciais, como apartamentos, agências de turismo, bares, lojas, pousadas e restaurantes.
Outro fato é a questão das drogas que vieram com o turismo. Atualmente, em Itacaré, muitos jovens estão viciados em ?crack?. Isto tem contribuído para o aumento da violência contra os turistas, que estão sendo assaltados, em plena luz do dia, nas praias urbanas e em trilhas. Os viciados, para financiarem o vício, roubam dos turistas equipamentos eletrônicos como: câmeras digitais, filmadoras, mp3, celulares, etc.
Verificamos que os empreendedores que vieram de fora adquiriram terras a preços de eletrodomésticos. Além de deter o capital, eles possuem conhecimento (tecnologia) e experiência em relação à atividade turística. Assim, para os nativos só resta vender sua força de trabalho a preços baixos, pois, na verdade, ele só têm acesso aos piores cargos na economia formal, ou a atividades temporárias.
Mobilizadores COEP – Você acredita que ainda é possível reverter a atual situação do município de Itacaré? O que é preciso para tanto?
R. Sim. Basta que o poder público local desenvolva um Plano de Desenvolvimento Local, visando um modelo de desenvolvimento endógeno. Diferente do que acontece hoje, onde as principais decisões acerca do turismo em Itacaré são tomadas a 450 quilômetros, pelo governo do estado na capital Salvador, através da Bahiatursa, Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e Secretaria de Turismo. Isto tem se constituído num modelo exógeno, que não atende aos interesses da comunidade e tem gerado muitos impactos negativos, principalmente, exclusão social e segregação sócio-espacial. É preciso também incluir, na grade curricular das escolas municipais as disciplinas meio ambiente e turismo, e investir na capacitação profissional dos adultos e jovens da comunidade local, através de parcerias com o Sebrae, Senac e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
Além disso, é necessária a construção imediata do aterro sanitário e conclusão das obras de saneamento básico com centrais de tratamento de efluentes e resíduos sólidos de modo a dar fim à contaminação do lençol freático, das praias e do Rio de Contas, e elaboração e aprovação do Plano Diretor (participativo), com revisão do Zoneamento Ambiental. Também é preciso que seja constituída, o quanto antes, uma Secretaria de Turismo e um Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente, hoje inexistentes. Por fim, cabe à prefeitura do município definir os parâmetros para liberar a instalação de novos empreendimentos e complexos turísticos no município, exigindo contrapartidas de contratação e capacitação da mão-de-obra local, investimentos em preservação e conservação ambiental e cultural, além da obrigatoriedade do EIA/RIMA.
Mobilizadores COEP – Que medidas podem ser adotadas para conter um crescimento exagerado do fluxo de turistas a uma comunidade em decorrência de um projeto de incentivo à atividade turística?
R. Desenvolver estudo de capacidade de carga, para verificar qual o limite de suporte do município, e cobrar taxa de permanência ao turista, que seria revertida para projetos em prol da conservação e preservação do meio ambiente, da cultura, da segurança e da comunidade local, semelhante ao que acontece em Fernando de Noronha. A taxa seria maior no período de alta estação (dezembro, janeiro, fevereiro e julho). Desta maneira, a concentração e os picos nesses períodos seriam desestimulados, evitando problemas como o alto impacto gerado por resíduos sólidos (lixo) e permitindo melhor administração da destinação de efluentes. É preciso, também, ter rigoroso critério para concessão de alvarás e instalação de novos empreendimentos, que deverão ser aprovados mediante avaliação do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Turismo, desde que, estejam de acordo com as diretrizes pré-estabelecidas pelo poder público municipal.
Mobilizadores COEP – Que orientação/sugestão você daria para uma comunidade que pretende explorar o turismo, como meio de promoção do desenvolvimento local?
R. Primeiramente, que contratem um bom profissional para fazer um bom diagnóstico. Em segundo lugar, que lembrem que o turismo não é a panacéia (remédio) para todos os problemas, como normalmente apregoam e alardeiam os políticos, os empresários e a mídia, que fazem apologias ao turismo, sempre enfocando os benefícios (impactos positivos). Em terceiro, que percebam que economias deprimidas ou rurais não terão grandes ganhos com atividades turísticas, a menos que desenvolvam uma modalidade de turismo alternativo, como o ecoturismo ou turismo rural, onde os empreendedores, produtos e a mão-de-obra sejam locais. Se essas comunidades quiserem apoiar grandes projetos não se beneficiarão, pois haverá necessidade de importações (de produtos e mão-de-obra). Assim, os Arranjos Produtivos Locais (APL?s) serão comprometidos. Em quarto, que entendam que o turismo é um fenômeno complexo, que impõe modernidade a comunidades que antes tinham suas bases econômicas em atividades primárias. Isto gerará custos sociais, que não serão percebidos imediatamente (degradação ambiental, drogas, prostituição, violência, etc). Por fim, o turismo deve ser compatível e fazer parte de planos em níveis internacional, nacional, regional e local de desenvolvimento sustentável e de conservação. Deve ser planejado, administrado e empreendido de modo a evitar danos à biodiversidade e ser ambientalmente sustentável, economicamente viável, socialmente eqüitativo e promover o intercâmbio cultural entre os povos.
Entrevista concedida à: Marize Chicanel
Edição: Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.