Muitos produtos, como a cachaça de Paraty, as pedras ornamentais do noroeste fluminense, os vinhos ?nos e espumantes do Vale dos Vinhedos, o café do Cerrado Mineiro, ganharam o selo de Indicação Geográfica (IG) que assegura a eles um diferencial em relação a outros produtos do mesmo gênero, devido a um diferencial histórico, cultural, etc da região onde são produzidos.
Porém, o reconhecimento de uma Indicação Geográfica demanda um intenso trabalho e a união de um grupo de produtores, que devem se organizar de maneira voluntária para defender seus produtos. É, portanto, um meio de promover o fortalecimento comunitário, a solidariedade e o trabalho cooperativo.
Nesta entrevista, Armando Clemente, diretor do Sebrae Rio de Janeiro, explica o que é necessário para obter a IG e fala sobre o trabalho que o Sebrae tem desenvolvido para apoiar e organizar os produtores interessados em obter o selo.
Mobilizadores COEP – O que é preciso fazer para comprovar que uma região tem notoriedade na fabricação de um determinado produto e pode se tornar uma Indicação Geográfica? Que tipos de evidências devem ser buscadas?
R.: O principal resultado de uma Indicação Geográfica é a reputação obtida pelo produto, em função das características particulares da região em que é produzido. As Indicações Geográficas podem ser de duas modalidades: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO).
É determinante para uma IP que o lugar se torne conhecido como centro de produção, extração ou fabricação do produto ou prestação de serviço. Por exemplo, Paraty, a cidade do Rio de Janeiro, se tornou conhecida pela produção de cachaça. O levantamento da história e da produção, livros, entrevistas com antigos moradores da região, jornais e publicações são peças que ajudam a comprovar a notoriedade da área.
No caso de uma DO, pesquisas científicas provaram que clima, solo e ventos da região são fundamentais para garantir as características do produto. A temperatura e a altitude são fatores do ambiente que determinam o diferencial do produto, como é o caso do arroz do Litoral Norte Gaúcho. É preciso fazer um levantamento histórico-cultural para comprovar que a região tem notoriedade na fabricação de um determinado produto. O reconhecimento é resultado do esforço de um grupo de produtores que se organiza para defender seus produtos de maneira voluntária, motivados pela busca de ganhos coletivos.
Mobilizadores COEP – Qual é o passo a passo para obtenção da Indicação Geográfica? Onde os interessados podem obter auxílio?
R.: O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é o órgão que reconhece e emite o registro das Indicações Geográficas, com base na Resolução n.º 75/2000. São preenchidos um formulário do INPI e um dossiê para comprovação da notoriedade, vinculação com o ambiente, delimitação geográfica, regulamento de uso e existência de uma estrutura de controle. O processo passa, inicialmente, pelo exame formal e pela publicação na Revista da Propriedade Industrial (RPI), abrindo prazo de 60 dias para a oposição de terceiros. O INPI pode solicitar complementações ou reapresentação de documentos e, uma vez cumpridos os prazos e exigências, defere ou indefere o pedido de registro. Antes de fazer o pedido do INPI é preciso:
Primeiro Passo: Articulação dos produtores para a construção do processo de reconhecimento da Indicação Geográfica.
Segundo Passo: Fazer o levantamento histórico-cultural para buscar elementos capazes de provar que a região realmente tem notoriedade para se tornar uma Indicação Geográfica de um determinado produto. Nessa fase, é de fundamental importância buscar evidências concretas do reconhecimento, baseadas em bibliografias, fotografias, reportagens de jornais e entrevistas, entre outras fontes, sob orientação de um responsável técnico.
Terceiro Passo: Construção de um sistema de garantia de qualidade para o produto (Regulamento Técnico de Produção). Deverá ser voluntário e servirá para fins de autocontrole, definindo e documentando as etapas do processo, demonstrando que se trata de um produto típico. Também deverão estar descritos os métodos de verificação e rastreabilidade, as características do produto final e a sua apresentação ao mercado. O processo de fabricação do artigo (para o qual se requer o status de Indicação Geográfica) deve obedecer às exigências estabelecidas por lei, nas esferas municipal, estadual e federal.
Quarto Passo: Criação do Conselho Regulador da IG. Ele é responsável pela gestão, manutenção e preservação da Indicação Geográfica regulamentada. Deverá orientar e controlar a produção, a elaboração e a qualidade dos artigos amparados pela IG, nos termos definidos no Regulamento Técnico de Produção. A formação do Conselho Regulador deverá privilegiar a participação de todos os membros da cadeia produtiva, da elaboração ao consumidor final, e de entidades tecnológicas que tenham relação com a atividade.
Depois de todas essas etapas, é necessário que uma entidade seja formalmente encarregada de solicitar o reconhecimento da Indicação Geográfica ao INPI.
Mobilizadores COEP – O que é uma entidade defensora da Indicação Geográfica? Ele tem de ser criada ou pode ser uma entidade já existente na localidade?
R.: A entidade defensora da Indicação Geográfica é organização social dos produtores, que passam a agir coletivamente como defensora da IG contra a utilização indevida do nome protegido. É uma entidade formalmente encarregada de solicitar o reconhecimento da Indicação Geográfica ao INPI. Ela pode ser criada ou ser uma entidade já existente na localidade.
Mobilizadores COEP – Como articular os produtores de uma determinada localidade visando à construção do processo de reconhecimento da Indicação Geográfica?
R.: A IG é uma ferramenta de uso coletivo que deverá ser solicitada por intermédio de uma entidade representativa dos interessados. Portanto, a obtenção de uma IG pressupõe uma organização de produtores atuante, principalmente porque essa organização é que irá estabelecer os padrões para os produtos, normas de produção e de controle.
Portanto, se não houver uma organização local estruturada, será necessário esse trabalho prévio. Para tanto, é necessária a formação da equipe de trabalho, com seleção de profissionais e técnicos capacitados e definição de responsabilidades; fortalecimento de parcerias com entidades de fomento, universidades e centros tecnológicos, entre outros; incentivo à participação de alunos de mestrado nos trabalhos propostos; realização de reuniões periódicas com o grupo de empresários; apoio à realização das ações propostas; avaliação técnica do projeto; reuniões com os principais representantes das entidades parceiras. Essa iniciativa pode dar origem a uma entidade defensora da IG, como a Associação de Produtores.
Mobilizadores COEP – É obrigatória a construção de um sistema de garantia de qualidade para o produto? Como ele deve ser feito?
R.: Sim. A organização social precisa ter o regulamento de uso e uma estrutura de controle, que é responsável pela gestão, manutenção e preservação da Indicação Geográfica regulamentada. Caberá a essa estrutura orientar e controlar a produção, a elaboração e a qualidade dos artigos amparados pela IG, nos termos definidos no Regulamento Técnico de Produção. A formação do Conselho Regulador deverá privilegiar a participação de todos os membros da cadeia produtiva, da elaboração ao consumidor final, e de entidades tecnológicas que tenham relação com a atividade.
Mobilizadores COEP – Recentemente, as artesãs que produzem a tradicional renda irlandesa de Divina Pastora obtiveram o Selo de Indicação Geográfica (IG) para sua produção. No processo para obtenção da IG, elas tiveram de fazer o resgate histórico da técnica e a criação de um caderno de normas da renda irlandesa com informações sobre o processo de confecção das peças. Isso é obrigatório para todos os produtos? Como deve ser feito?
R.: O regulamento de uso exige que sejam detalhados os procedimentos de produção. É obrigatório para todos os produtos. Para isso, é preciso contratar profissionais com expertise*1: historiadores, sociólogos e antropólogos para o levantamento histórico e engenheiros e profissionais da qualidade para criação de um caderno de normas.
Mobilizadores COEP – Quanto tempo demora para que uma Indicação Geográfica seja reconhecida pelo INPI?
R.: O tempo para obtenção de uma IG vai variar muito em função do nível de organização do grupo, nivelamento de entendimentos e consenso para os itens a serem definidos, principalmente para elaborar o dossiê de comprovação da notoriedade, a delimitação geográfica, o regulamento de uso e os sistemas de controle. Houve grupos que conseguiram a IG em seis meses, e outros demoraram cinco ou seis anos. Mas, em geral, após a entrada no INPI, o processo está concluído em um ano e meio aproximadamente.
Mobilizadores COEP – Há quanto tempo o Sebrae atua apoiando os produtores na estruturação de uma Indicação Geográfica? Em que consiste este apoio técnico? Há diferenças tendo em vista a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem?
R.: O Sebrae apoia os pequenos produtores para estruturação de IG desde 2003. Atuamos na fase anterior ao pedido da IG, através de esclarecimento sobre o tema, com palestras, seminários, workshops; durante o processo, por meio de consultorias de orientação técnica sobre as etapas do reconhecimento, como delimitação geográfica, levantamento histórico-cultural, elaboração do regulamento de uso, organização dos produtores, estudos e processos tecnológicos para melhoria da qualidade de produtos agropecuários em elaboração com instituições públicas e privadas; e também na fase posterior à obtenção, no apoio à gestão e divulgação das IG.
São utilizados para esse trabalho o Sebraetec, que subsidia até 80% do custo das consultorias. O Sebrae apoia e organiza os produtores, além de oferecer consultorias especializadas para a estruturação da IG. Existem diferenças entre a IP e a DO, porém ambas são IGs. A indicação de procedência é mais branda e se restringe aos “limites geográficos”. A DO é mais trabalhosa e leva em consideração procedimentos e técnicas de produção.
Mobilizadores COEP – Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos produtores para solicitar o registro de Indicação Geográfica?
R.: As maiores dificuldades são, inicialmente, o desconhecimento do assunto e, depois, a necessidade de uma organização social estruturada. O consenso entre os produtores; as exigências para dar entrada ao pedido de IG no INPI, além do tempo exigido de aproximadamente três anos de trabalho. Os custos também são um entrave.
Mobilizadores COEP – No momento, o Sebrae está dando suporte a produtores de alguma região? Quais os diferenciais de seu produto/serviço? Em que fase se encontra o processo?
R.: No Rio de Janeiro, além do apoio às IG que já foram concedidas (Cachaça e Pedras), temos feito mais um trabalho prévio (palestras, seminários, workshops). Não existe, que eu tenha conhecimento, nenhum grupo em fase de estruturação. Estão sendo trabalhados grupos do Vale do Café, Visconde de Mauá, Angra do Reis (Vieiras), entre outros. O Sebrae vem dando apoio aos produtores de cachaça de Paraty, que obtiveram uma IP e agora estão se reestruturando para a obtenção de uma Denominação de Origem (DO).
A primeira DO apoiada pelo Sebrae/RJ é referente às rochas ornamentais da região noroeste do Rio de Janeiro, onde foram obtidas três DOs: Pedra Cinza Rio de Janeiro, Pedra Madeira Rio de Janeiro e Pedra Carijó Rio de Janeiro. Atualmente, o Sebrae está preparando as empresas da região noroeste para o processo de certificação. Esta é a primeira DO da área mineral no mundo. Como consequência, os produtores locais estão fornecendo pedras para importantes obras do estado do Rio de Janeiro, como a calçada do Maracanã e o Porto Maravilha.
*1 – Expertise – Conhecimento adquirido pelo estudo, experiência e prática.
Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo