Sônia Lucena, do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco,fala sobre a questão nutricional das crianças no Brasil, mostrando a estreita relação entre mortalidade infantil e insegurança alimentar. A região Norte do país é a mais afetada. Confira.
Mobilizadores COEP – A FAO divulgou relatório afirmando que a fome já atinge 1 bilhão de pessoas no mundo, concentradas principalmente em países em desenvolvimento. Qual é a situação das crianças nesse cenário?
R.: Em qualquer cenário em que aumenta o número de desnutridos ou de famintos, as crianças são as mais afetadas. A vulnerabilidade das crianças é maior tanto para adoecer como para morrer. Quanto mais precoce é a desnutrição, maior a possibilidade de danos irreversíveis, principalmente no sistema nervoso central. Ela afeta também o crescimento e desenvolvimento.
Mobilizadores COEP ? Qual a situação brasileira tendo em vista o crescimento do número de pessoas passando fome no mundo?
R.: Pelas últimas pesquisas realizadas no Brasil, principalmente a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada pelo Ministério da Saúde em 2006, e publicada em 2008, os resultados mostram uma tendência contínua de queda da desnutrição. Outras pesquisas realizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como as chamadas nutricionais de grupos específicos, corroboram esses resultados. Não temos dados coletados em 2008, no auge da crise, para afirmar se houve mudança nessa queda. Mas creio que em decorrência da manutenção de políticas públicas destinadas à população de baixa renda nesse período, não houve muitas alterações negativas.
Mobilizadores COEP – A desnutrição infantil ainda é umas das principais causas de mortalidade entre crianças de até 05 anos de idade no Brasil?
R.: Apesar da redução na prevalência da desnutrição infantil, não significa que o problema esteja sob controle no país. Mesmo com percentuais baixos em algumas regiões brasileiras, sabemos que uma única criança desnutrida tem maior risco de ir a óbito, principalmente na faixa etária de maior vulnerabilidade que são os menores de 2 anos.
As últimas pesquisas, já citadas, apresentam dados representativos de macro regiões e mostram uma sensível queda da desnutrição em crianças menores de 5 anos no Brasil, principalmente na região Nordeste. A região Norte apresenta 14,8% de desnutrição em menores de cinco anos e tem 13% de insegurança alimentar grave. Seguramente é nessa região que as crianças correm maiores riscos. Mas não significa que nas demais o problema não exista. Mesmo com bons indicadores sociais e econômicos, a região Sul na PNDS apresentou 8,5% de crianças desnutridas, um valor superior ao encontrado no Nordeste que foi de 5,7%; todos esses valores são muito altos.
Mobilizadores COEP – De que forma a má distribuição de renda contribui para agravar a insegurança alimentar nas regiões citadas e, conseqüentemente, aumentar o índice de mortalidade infantil?
R.: Dificultando o acesso dessa população a bens e serviços. As pesquisas que estudam causalidade dos problemas nutricionais realizadas em algumas regiões mostram uma relação direta entre baixa renda e desnutrição, refletindo em diferentes indicadores como nível de educação dos pais, acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento básico, consumo inadequado de alimentos do ponto de vista quantitativo e qualitativo, etc.
Mobilizadores COEP – Que políticas públicas vêm sendo implementadas pelo Estado para reverter a situação da insegurança alimentar infantil no país. Quais os principais resultados alcançados até agora?
R.: Muitas políticas já foram implementadas no Brasil para reverter o quadro de Insegurança Alimentar e Nutricional ao longo dos últimos trinta anos. No governo atual, essas ações foram mais especificas uma vez que o mesmo estabeleceu o combate à fome como uma prioridade na sua agenda. Os estudos que avaliam o programa Bolsa Família, realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), mostram alguns resultados animadores. O fato de 87% das famílias gastarem os recursos oriundos do programa com alimentação já é muito promissor porque seguramente há uma melhora do acesso à alimentação. Em regiões pobres como o Nordeste esse percentual chega a 91%. Mas, outras ações devem ser implementadas, concomitantemente a esses programas, de forma que no futuro essas famílias possam se fortalecer e ?caminhar com suas próprias pernas?.
O programa de alimentação escolar avançou muito nessa gestão, e sabemos que esses avanços são muito importantes para um programa estratégico como esse. Além disso, outras ações na área de acesso a água, saneamento e geração de renda têm sido fundamentais para intervir de forma positiva na reversão do quadro de insegurança alimentar. Porém, temos convicção de que o caminho ainda é muito longo porque o percentual da população que vive nessas condições é muito alto, o que requer um monitoramento constante na implementação dessas ações.
Mobilizadores COEP – De que forma as baixas taxas de micronutrientes no organismo podem comprometer o desenvolvimento de uma criança?
R.: Qualquer carência de micronutrientes compromete o crescimento e desenvolvimento de crianças, uma vez que esses micronutrientes desempenham um papel fundamental nos mecanismos metabólicos do organismo. As principais carências nutricionais específicas são: deficiência de ferro, de vitamina A, de zinco e em algumas áreas de iodo.
No caso da deficiência de ferro, a conseqüência mais óbvia éa anemia. A redução da concentração de hemoglobina sangüínea compromete o transporte de oxigênio para os tecidos, reduzindo a capacidade de trabalho e o desempenho físico em indivíduos anêmicos. A deficiência de ferro durante a gravidez tem sido relacionada ao aumento da morbidade e mortalidade de gestantes e do feto. Quando essa deficiência ocorre nos primeiros dois anos de vida, há evidências de atraso no desenvolvimento psicomotor e alterações de comportamento.
A deficiência de vitamina A é considerada uma doença nutricional grave e é uma das causas mais freqüentes de cegueira prevenível em crianças. Ela compromete o crescimento e desenvolvimento do indivíduo. Além disso, contribui para aumento das mortes e doenças infecciosas, uma vez que desempenha um importante papel no sistema imunológico do individuo.
O zinco énecessário para promover o crescimento e o desenvolvimento normais. Faz parte da estrutura molecular de 80%, ou mais, das enzimas que trabalham com as células vermelhas do sangue para deslocar o dióxido de carbono dos tecidos para os pulmões. A ausência desse micronutriente traz uma série de conseqüências graves para o individuo, principalmente as crianças.
Mobilizadores COEP – No que consiste a biofortificação de alimentos? O que tem sido feito no país em relação à oferta de alimentos com mais nutrientes e quais os resultados já alcançados?
R.: A biofortificação é uma técnica para o enriquecimento nutricional de culturas bases através do melhoramento de plantas. Evidências científicas mostraram que a biofortificação é possível sem comprometer a produtividade da cultura. Sua maior vantagem é que não requer mudanças no comportamento de produtores e consumidores. As mudanças no conteúdo das sementes, necessariamente, não modificam a aparência, o gosto, a textura ou o preparo do alimento. Isso, se for usada técnica de melhoramento adequada. No que se refere à transgenia, não dispomos de estudos para afirmar que esse processo traga benefício para a saúde dos indivíduos que os consomem.
A biofortificação de alimentos é um projeto da Embrapa que conta com o apoio dos programas HavestPlus e AgroSalud e envolve uma rede de parceiros no Brasil e no exterior. Até o momento, as pesquisas brasileiras chegaram a variedades de mandioca e batata-doce com maiores teores de betacaroteno e feijões mais ricos em ferro e zinco. Esse estudo esta sendo executado em Minas Gerais, em Sergipe e no Maranhão.
Muitas outras medidas para fortificação de alimentos com micronutrientes têm sido executadas pela indústria de alimento, mas o acesso a esses alimentos por parte da população se torna inviável por conta do preço e da falta de conhecimento para acessá-los.
Mobilizadores COEP – Quais os objetivos do Programa de Agricultura Urbana e Periurbana, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) do MDS? De que forma ele pode contribuir para a melhoria da alimentação e nutrição da população e das crianças em especial?
R.: Segundo o MDS, o programa de Agricultura Urbana faz parte da estratégia do Fome Zero e tem como objetivo produzir alimentos de forma comunitária, com uso de tecnologias de bases agroecológicas em espaços urbanos e peri-urbanos ociosos.
Para isso, é necessária a adesão das prefeituras para implementar hortas, lavouras, viveiros, pomares, canteiros de ervas medicinais, criação de pequenos animais, unidades de beneficiamentos, feiras e mercados populares. Os alimentos produzidos devem ser comercializados com preços acessíveis à população.
Sem dúvida, esse tipo de ação contribui muito para a melhoria do estado nutricional da população em geral e especialmente das crianças. Mas, para que esse objetivo seja alcançado, é necessário garantir o acesso da população de baixa renda e estimular o consumo desses alimentos, uma vez que em algumas áreas do Brasil o consumo de verduras, legumes e frutas é extremamente baixo.
Mobilizadores COEP – Como redes como o COEP podem contribuir para reverter o quadro de insegurança alimentar no país?
R.: A participação da sociedade civil é fundamental no acompanhamento das políticas publicas de Segurança Alimentar e Nutricional. O COEP tem muita capilaridade no Brasil através das entidades associadas. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica, por exemplo, estão presentes em quase todos os municípios do Brasil e podem ser grandes parceiros na identificação de intervenções especificas, uma vez que estão perto da população na operacionalização dos programas sociais.
Essas entidades são muito respeitadas pelas autoridades locais e, por isso, podem contribuir de certa forma para defesa daqueles de mais baixa renda. O fato de um gestor conhecer a realidade do seu Estado ou município não significa, necessariamente, que ele se comprometa em tentar solucionar os problemas. Entrevista concedida a: Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
A minha maior preocupação é com a desnutrição das crianças portadoras de necessidades especiais, que além da alimentação elas necessitam de remédios, fraldas, condução. O que está sendo feito para reverter este quadro. Pois sabemos que o auxilio beneficio é muito baixo e nem todas as crianças são contempladas.