Augusto Cesar Andrade, coordenador do projeto ?Tecnologia Social: qualidade de vida e geração de renda?, fala sobre as principais características do projeto que tem ajudado populações tradicionais de ribeirinhos, quilombolas e comunidades urbanas a obter renda por meio da produção e comercialização de produtos artesanais à base de plantas medicinais. O projeto é desenvolvido no Pará pela Embrapa Amazônia Oriental na comunidade remanescente do quilombo Boa Vista do Itá, no município de Santa Izabel, na comunidade ribeirinha da Ilha do Combú e, em parceria com o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP) do Pará, nas comunidades urbanas Pantanal e Paraíso Verde, em Belém.
Mobilizadores COEP – O que é o projeto de comercialização de produtos artesanais à base de plantas medicinais? Quais seus objetivos?
R. A comercialização faz parte das ações planejadas para a Economia Solidária, que é um dos componentes do projeto ?Tecnologia Social: qualidade de vida e geração de renda?, desenvolvido nas comunidades urbanas Pantanal e Paraíso Verde, em Belém, no Pará. O projeto envolve uma metodologia que reúne tecnologias, serviços e produtos gerados pela Embrapa e parceiros, em um sistema produtivo e organizacional. O trabalho é organizado pelo comitê gestor e pelos grupos de trabalho, e as ações são executadas a partir de três componentes: capacitação continuada, vitrine comunitária e economia solidária (Figura). Com este arranjo, busca-se a produção de alimentos para consumo próprio e/ou comunitário, além da geração de receita, com a venda do excedente in natura e processado, de forma comunitária. O projeto ainda é experimental. A cada surgimento de um impasse, de um problema, fazemos ajustes, adequando-o à realidade de cada comunidade.
Mobilizadores COEP – O que estimulou o desenvolvimento do projeto?
R. Iniciamos nossa participação junto com o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP) Pará, de forma mais efetiva, a partir da realização de capacitação para os moradores das comunidades Pantanal e Paraíso Verde, onde o COEP-PA promove ações de desenvolvimento comunitário e a Embrapa desenvolve atividades a fim de formar Multiplicadores Comunitários. Os primeiros cursos foram sobre ?Meliponicultura: produção de mel utilizando abelhas indígenas sem ferrão? e ?Manipulação de plantas medicinais?.
Apenas a realização dos cursos não garantiriam a aplicação das tecnologias e nem a multiplicação da informação nas comunidades. O projeto Tecnologia Social: qualidade de vida e geração de renda seria a solução para esse impasse, assim teríamos uma unidade produtiva, para posterior multiplicação e para capacitação continuada, que seriam as Vitrines Comunitárias ? uma espécie de núcleo do projeto na comunidade. Elas são estabelecidas em um local comum a todos na comunidade. A área pode ser da associação de moradores ou de algum produtor que cede um espaço em sua propriedade. Nas vitrines são instalados viveiros para produção de mudas utilizadas no projeto e são realizadas as capacitações das pessoas da comunidade. Esses espaços também são abertos a visitas de escolas e de pessoas de outras comunidades.
O componente Economia Solidária tinha como foco a comercialização de produtos processados pelas Comunidades Pantanal e Paraíso Verde, mas com a percepção de que a Economia Solidária seria fortalecida com a inserção de outras comunidades, iniciamos o trabalho que chamamos de cadeia produtiva, que nasceu com a comercialização dos produtos artesanais a base de plantas medicinais, produzidos pelos moradores da comunidade remanescente do quilombo Boa Vista do Itá, localizado no município de Santa Izabel (PA).
Mobilizadores COEP – Já existia a tradição do cultivo e uso de plantas medicinais nas comunidades participantes?
R. O cultivo de plantas medicinais é um dos elementos com que o projeto trabalha. Antes de implantá-lo aplicamos um questionário aos moradores, onde perguntamos, entre outras coisas, quais as principais doenças que ocorrem na comunidade e se eles fazem uso de plantas medicinais no tratamento. Procuramos implantar plantas que tenham componentes que possam auxiliar no tratamento das doenças levantadas no questionário. Com as capacitações, procuramos estimular o uso das plantas medicinais e ensinar a melhor forma de utilizá-las.
Nas comunidades de Pantanal e Paraíso Verde cerca de 30% dos moradores têm pelo menos uma planta medicinal no quintal. E os moradores têm como principal atividade econômica a prestação de serviços, de forma irregular, conhecida como ?bicos?. No caso dos comunitários da Boa Vista do Itá, a principal atividade é a produção de farinha de mandioca.
Mobilizadores COEP – Que tipo de capacitação a comunidade recebeu para o trabalho com as plantas medicinais e seus produtos?
R. Tanto os moradores do Quilombo Boa Vista do Itá como das comunidades Pantanal e Paraíso Verde receberam treinamentos sobre cultivo, conservação e manipulação de plantas medicinais, oferecidos por pesquisadores da Embrapa e parceiros. Também foram realizados, nas comunidades Pantanal e Paraíso Verde, cursos de meliponicultura, cultivo de plantas tropicais, compostagem, produção de verduras, fruticultura, entre outros.
Mobilizadores COEP – Porque a escolha da Associação Comunidade Pantanal/Paraíso Verde para a comercialização dos produtos em vez da própria comunidade produtora?
R. A oportunidade de distribuição e comercialização dos produtos se abriu graças à parceria da Embrapa Amazônia Oriental com o COEP-PA. A maioria das comunidades fica distante do principal centro consumidor, no nosso caso Belém. Os custos e a dificuldade com transporte são altos, inviabilizando a comercialização. Os produtos são transportados pelas instituições que são associadas ao COEP-PA, e que tenham uma rotina de viagem para os municípios onde estão localizadas as comunidades produtoras. As associações das comunidades Pantanal e Paraíso Verde estão localizadas em Belém, facilitando, assim, a comercialização.
Mobilizadores COEP – Qual o valor dos produtos comercializados e qual o percentual repassado a cada comunidade participante? Os participantes são orientados quanto à administração e emprego dos recursos?
R. No caso dos produtos à base de plantas medicinais (shampoo natural, pomada anti-inflamatória e creme anti-celulite) são usados dois tipos de óleo: o de copaíba e o de andiroba. O óleo de copaíba é extraído e engarrafado pela comunidade do município de Santarém e vendido a um valor de R$ 40,00 o litro. Já as sementes de andiroba são processadas pelos ribeirinhos da Ilha do Combú para extração do óleo, cujo litro é vendido a R$ 20,00. Os remanescentes do Quilombo de Boa Vista do Itá compram esses óleos e, a partir de um laboratório e de um horto registrado de plantas medicinais, instalado na comunidade, processam os três produtos artesanais à base de plantas medicinais. Os produtos são comercializados pelas associações de moradores das comunidades Pantanal e Paraíso Verde. De cada unidade vendida, shampoo natural (R$ 5,00), pomada anti-inflamatória (R$ 5,00) e o creme anti-celulite (R$ 10,00), as associações retêm R$ 0,50, valor a ser utilizado na compra de material para a escola e a creche que funcionam nas associações de moradores.
No caso das comunidades de Santarém, Ilha do Combú e Boa Vista do Itá, 50% do lucro líquido são repassados para as famílias que estão ligadas diretamente com as atividades de extração e processamento e os outros 50% são investidos em ações de melhoria nas comunidades.
Mobilizadores COEP – Já são perceptíveis mudanças nas comunidades envolvidas? De que tipo?
R. Com ações implementadas, as comunidades passaram a ter uma oportunidade de melhorar a alimentação e de vender seus produtos, não só a matéria-prima, mas também produtos e serviços com valor agregado. Estamos realizando um estudo de marketing para avaliar a possibilidade de implantação de pontos de vendas nas instituições parceiras e na Internet, com a criação de uma página onde os produtos e serviços serão oferecidos a outros mercados.
Mobilizadores COEP – É possível replicar o projeto em outras comunidades? O que é preciso para isso?
R. Mais duas unidades do Projeto Tecnologia Social estão sendo montadas para atender comunidades da região do Baixo Tocantins. A primeira no município de Abaetetuba, distrito de Beja, e a segunda em Moju, ambas no Pará. Está sendo elaborado um manual para auxiliar pessoas e instituições que pretendam replicar a metodologia e até mesmo, futuramente, fazer parte de uma possível rede, viabilizada a partir das ações do projeto.
Entrevista concedida à: Marize ChicanelEdição: Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.