João Santiago começou bem cedo a lutar pela sobrevivência. Quando nasceu, em São Luis do Maranhão, não respirou por pouco mais de três minutos. Em decorrência, ele teve paralisia cerebral. Vinte e três anos depois, um aplicativo desenvolvido por João para indicar locais acessíveis a pessoas com deficiência ganhou visibilidade durante a Campus Party, evento de tecnologia que atrai anualmente jovens desenvolvedores e investidores de todo o mundo interessados em inovação, ciência, cultura e entretenimento digital.
Na entrevista, conheça mais a história deste jovem empreendedor, pai da Bruna, apaixonado por informática desde o maternal, professor de informática básica para a comunidade em uma associação, responsável por grupos de estudo de programação para os colegas de faculdade, e criador do aplicativo colaborativo “Dá Pra Ir?”.
Rede Mobilizadores – Como a tecnologia chegou à sua vida e onde já te levou?
R.: Desde o maternal eu era apaixonado por informática. Quando tinha 7 anos, a minha professora de informática me emprestou um livro de JavaScript, o que despertou minha paixão por programar. Eu ficava maravilhado em ver que um código que eu escrevia podia mudar a cor da tela, ou da letra…
Aos 14 anos comecei a trabalhar fazendo sites. Estou no 3º semestre de Ciência da Computação em Fortaleza, mas o que fiz aprendi só, pela internet. Para o meu Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade, tenho a ideia de abordar o empreendedorismo social na educação brasileira por meio da tecnologia, pois sempre quis ser professor, aliás, já sou, ensino informática básica para a comunidade em uma associação, e faço grupos de estudos de programação para os colegas de faculdade.
Rede Mobilizadores – Como surgiu a ideia de desenvolver o aplicativo “Dá pra ir”? Como funciona?
R.: A ideia para o aplicativo surgiu em uma noite quando fiquei com receio de ir a um bar com meus amigos, por temer não ter acesso à cadeira de rodas, banheiros acessíveis. Diante disso, pensei que muitos deficientes, talvez, não saiam de casa exatamente pelo mesmo motivo.
Pensei que um dia minha filha, Bruna, que tem 6 anos, pode virar deficiente também e não quero vê-la sendo excluída, caso aconteça isto.
Sempre gostei de saber das leis. Com o aval do preceito constitucional que assegura o “ir e vir”, comecei a pesquisar as leis que amparam os deficientes. Então, em novembro de 2014, comecei a fazer o aplicativo. Dedicava todas as minhas madrugadas, e não tinha nenhuma expectativa, pois não via o aplicativo como uma Startup [ideia inovadora, em qualquer ramo de atividade, que procura desenvolver um modelo de negócio escalável e repetível]. Nunca se fala de empreendedorismo na educação, seja no ensino médio ou na faculdade.
Então apresentei a ideia para amigos e para a minha coordenadora, Elidiane Martins, que “abriu” meus olhos e dedicou um tempo antes da aula para me ajudar a criar o modelo Canvas Lean [técnica que auxilia na definição e no refinamento ágil de um plano de negócios, seja para novas empresas ou para criação de novos produtos] para criarmos um plano de negócios.
O aplicativo funciona da seguinte forma: ele pega os locais próximos, que estão cadastrados no Foursquare e Google Places, e dá a oportunidade ao usuário de classificar o quão acessível o estabelecimento é, segundo padrões estabelecidos pela ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]. Estamos trabalhando vários outros recursos, como uma versão para deficientes visuais e outros, pois a ideia do aplicativo é mapear a acessibilidade para todos os tipos de deficiência.
Rede Mobilizadores – Como está a demanda de usuários do “Dá pra ir?”? Já tem patrocínio?
R.: O “Dá Pra Ir” já conta com mais de 700 downloads. Ainda não temos investimentos. No momento, estamos buscando aumentar o engajamento de nossos usuários.
Rede Mobilizadores – Como foi sua experiência na Campus Party e o que mudou a partir dessa vitrine de exposição de ideias inovadoras?
R.: A Campus Party foi um divisor de águas na minha vida, tanto profissional, como pessoal. Fui à Campus só com meu aplicativo ainda em testes e não publicado, estava bem desanimado pois não tinha uma equipe para me ajudar, como os outros participantes da Maratona de Negócios.
Foi ai que conheci duas pessoas que me abriram as portas, a Juliana Glasser, CEO da Carambola, uma empresa de criação de software; e o Guto Ferreira, CEO da Confia Micro Créditos. Ali mesmo combinamos que no outro dia iríamos lançar o aplicativo durante a palestra que o Guto daria. A Juliana engajou toda a equipe da Carambola para colocarmos o aplicativo – e o site – no ar, já no dia seguinte. Assim nasceu o www.daprair.com.br.
No meio do imenso trabalho que a competição exigia, a Juliana me convidou a trabalhar na Carambola, o que foi um grande acontecimento na minha vida pois já havia ido a várias entrevistas de emprego, e notava que era descartado por ser deficiente, pois está na lei que as empresas são obrigadas a contratar deficientes, mas dão preferência a deficientes “menos severos”, como surdos ou pessoas que não têm uma mão, acredito que por uma questão até de estética.
Rede Mobilizadores – Para você, o que precisa mudar realmente para que a acessibilidade à pessoa com deficiência aconteça na prática?
R.: Para termos um país acessível e que inclua o deficiente é necessário que a educação mude. Para uma criança, uma pessoa deficiente é só “diferente” e não um coitadinho ou doente, como muitos pais ensinam. É necessário, também que nossos governantes façam valer as leis que protegem o deficiente.
Rede Mobilizadores – O que te motiva? Quais são os seus próximos desafios, expectativas?
R.: O que me motiva é saber que, talvez, com minhas linhas de códigos agora eu possa mudar, muito além da cor da tela, a vida das pessoas que têm deficiências, e quem sabe mudar o mundo. E agora estou trabalhando com uma equipe que me ajuda muito.
Espero conseguir o engajamento de muitas pessoas para que possamos mapear os locais acessíveis, tornar o aplicativo acessível a todos os tipos de deficiência e, quem sabe, levar nosso aplicativo para fora do Brasil também.
E agora vou continuar desenvolvendo e empreendendo com muitas ideias que já tenho em protótipos.
Entrevista concedida à Sílvia Sousa
Editada por Eliane Araújo