Em maio, cinco jovens moradores da Rocinha, comunidade de baixa renda situada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, abriram a primeira fábrica de vassouras de garrafas PET da capital fluminense. O objetivo é gerar empregos na própria comunidade e aproveitar o que se chama de lixo para dar origem a novos produtos, evitando o descarte inadequado e suas consequências para o meio ambiente e para a qualidade de vida da população.
Nesta fase inicial, serão produzidas 100 vassouras que serão submetidas a uma avaliação de qualidade por parte dos moradores da comunidade. Para obter a matéria prima necessária à produção, os jovens sensibilizaram os moradores e já conseguiram a adesão de 250 famílias que se comprometeram a doar garrafas pet para o projeto.
Nesta entrevista, Michelle Estevan de Macedo e Juliana Martins Ferreira, participantes do projeto, falam sobre a iniciativa e suas expectativas e a de seus parceiros.
Mobilizadores COEP – O que o descarte incorreto de garrafas PET, entre outros resíduos, acarreta, em termos de problemas ambientais, de saúde etc. em sua comunidade?
R.: Boa parte do lixo gerado na comunidade da Rocinha se acumula nas vias públicas. As garrafas pet, principalmente, são encontradas em bueiros e valas, contribuindo para a proliferação de ratos e insetos transmissores de doenças, e dificultando o escoamento da água no período de chuvas. Isso causa dano ao sistema de drenagem de águas pluviais e inúmeros prejuízos à sociedade. De acordo com a Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb), são produzidas 120 toneladas de lixo diariamente; e parte dele é jogado em áreas de risco, dificultando a coleta.
Mobilizadores COEP – Quando e como surgiu a ideia do Estação Rociclagem? Quais seus principais objetivos?
R.: O projeto iniciou-se na Rocinha com a ajuda da ONG Agencia Redes para Juventude, um projeto que transforma ideias de jovens da comunidade em projetos de intervenção no território. Cada aluno com uma ideia era orientado por mediadores, que o ajudava a colocar no papel o projeto, que posteriormente era enviado para avaliação de uma banca. Nosso grupo focou o lixo e, em especial, a garrafa pet, pois grande parte delas são descartadas em valas, provocando o entupimento de bueiros e têm sido encontradas em grande quantidade na Praia de São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro.
Por isso, surgiu a ideia de reaproveitar esta matéria prima (embalagens de refrigerante) e transformá-las em algo diferente. Descobrimos que podíamos fazer vassouras e, em seguida, estávamos à procura de conhecimento, viajando para conhecer fábricas e lendo sobre o assunto. Cada descoberta era válida para nos ajudar a decidir qual produto seria ideal. Assim, o projeto foi amadurecendo e vimos a necessidade em nomeá-lo: Estação Rociclagem, junção entre Rocinha e Reciclagem. Nosso objetivo é transformar este lixo em matéria prima para produção de cerdas para vassouras, ajudando, assim, a diminuir o impacto das garrafas na Rocinha, além de gerar renda para os moradores. É um projeto socioambiental que mostra a importância da separação do lixo e se preocupa em diminuir o impacto gerado pelos resíduos, por menor que seja.
Mobilizadores COEP – Que tipo de capacitação receberam ou recebem para implementar a iniciativa? Quais as instituições parceiras neste processo?
R.: Recebemos capacitação da Agencia Redes para Juventude para transformar a ideia em projeto. Ao longo do curso, passamos por bancas de avaliação e, na última, o projeto ganhou R$10 mil como incentivo para implantação. Além disso, visitamos uma faculdade em Campos de Goytacazes, RJ, para aprimorar nosso produto. Atualmente, contamos com o apoio da Petrobras e do Sebrae.
Mobilizadores COEP – Em que fase do projeto estão? Quando a fábrica será inaugurada?
R.: Estamos numa fase intermediária, faltando a compra de algumas máquinas para produção. A fábrica foi inaugurada no dia 26 de maio, mas falta maquinário para a produção iniciar. A sede, cedida provisoriamente por um artista plástico, se encontra em um lugar estratégico, próximo a uma das principais lixeiras da Rocinha.
Mobilizadores COEP – Qual a meta inicial de produção? Onde as vassouras serão comercializadas? Qual o diferencial destas vassouras?
R.: Com o intuito em melhorar a qualidade do produto, inicialmente iremos fabricar 100 vassouras e as distribuiremos entre moradores e comerciantes locais, que serão questionados sobre sua eficiência. O grande diferencial é que a vassoura dura de 6 a 10 vezes mais que a de piaçava.
Mobilizadores COEP – Quais os maiores desafios que vocês estão encontrando? Como estão sendo superados?
R.: O maior desafio até agora tem sido encontrar um espaço para trabalhar. Como dito anteriormente, conseguimos um espaço provisório cedido por Tio Lino, um artista plástico, que tem nos apoiado e estamos acreditando que conseguiremos o nosso.
Mobilizadores COEP – A comunidade está disposta a ajudar? Como vem sendo feita esta mobilização?
R.: Sim, fizemos um trabalho de porta em porta, e todos gostaram e apoiaram. Fizemos um cadastro de 250 moradores que se ofereceram para separar as pets em suas casas e doá-las para o projeto, porque elas acreditam nessa iniciativa.
Mobilizadores COEP – O que representa para uma comunidade grande, como a Rocinha, um projeto como o Estação Rociclagem?
R.: Representa o inicio de uma nova visão ambiental. É uma iniciativa pensada por jovens da comunidade, e isso mostra que os moradores estão preocupados com o lugar em que vivem e que, de modo criativo, criam soluções ambientais, tornando-se empreendedores socioambientais.
Mobilizadores COEP – Que dicas daria a outras comunidades interessadas em desenvolver projetos comunitários sustentáveis? Qual o papel dos jovens em iniciativas como esta?
R.: Acreditamos que, por meio desta iniciativa, o jovem torna-se um sujeito social, como diz Paulo Freire; um agente transformador da sociedade em que vive. Para comunidades que queiram ser mais atuantes na área de sustentabilidade, considero importante estudar sua região, analisar os problemas que afetam a sociedade e tentar solucioná-los de forma criativa. Além disso, a busca de conhecimento, dentro e fora da comunidade, possibilita uma participação mais ativa, mostrando o potencial sustentável destes locais. Ações individuais como esta podem inspirar não só outras comunidades, mas também o governo.
Entrevista para o Eixo Erradicação da Miséria
Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo
Excelente entrevista, parabéns aos jovens empreendedores que estão preocupados com o meio ambiente e com a saúde da população.