Izabel Maior, coordenadora da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Corde/SEDH/PR) fala, nessa entrevista, sobre os avanços nos direitos das pessoas com deficiência e sobre os desafios a serem enfrentados para buscar soluções de igualdade de oportunidades para todas as pessoas. De acordo com Izabel, há uma forte associação entre pobreza e deficiência, o que perpetua o ciclo da invisibilidade e da exclusão desse segmento da sociedade.
Mobilizadores COEP – O que é a Corde? Qual seu eixo central de atuação?
R.: A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) é a instância do Governo Federal com a responsabilidade de coordenar as ações governamentais na área das pessoas com deficiência. Desde sua criação , em 1989, esteve em vários órgãos e com status diferentes. Em 1995, passou a fazer parte da estrutura dos Direitos Humanos, o que lhe confere um grande diferencial com relação a outros países. No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Corde passou a ser parte do Gabinete do ministro, com grande autonomia e atuação reconhecida, tanto no âmbito governamental quanto no movimento social. Seu eixo central é a cidadania das pessoas com deficiência. Em seu dia-a-dia, a Corde presta assessoria ao ministro Paulo Vannuchi, analisa e propõe medidas legislativas e políticas públicas, coordena ações de governo, articula-se com estados, municípios e a sociedade civil organizada, trabalhando para isso em parceria com a rede de conselhos de direitos. Dá apoio a projetos de capacitação, estudos e pesquisas, publicações e informação sobre deficiência, tanto no âmbito de promoção e de defesa dos direitos quanto no da acessibilidade. A boa notícia para todos é o fato de a Corde vir a se tornar, este ano, uma subsecretaria da estrutura da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, como tem divulgado o ministro Paulo Vannuchi em todos os seus mais recentes pronunciamentos.
Mobilizadores COEP – Quais são hoje os principais desafios para a garantia dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil?
R.: Acredito que o maior desafio é combater a discriminação, mediante ações de sensibilização da sociedade e estratégias com foco específico. Assim, teremos campanhas de mídia de massa, previstas na Agenda Social lançada pelo Presidente em setembro de 2007. Cada vez mais, a pessoa com deficiência deve e precisa ser retratada por seu potencial humano e de cidadão e cidadã produtivos, engajados social e economicamente, para contribuir para o desenvolvimento do país. Quando se trata de públicos específicos como jornalistas e pessoas que influenciam a opinião pública, a estratégia é esclarecer, de forma qualitativa e quantitativa, quem são as 24,5 milhões de pessoas compõem esse grupo heterogêneo chamado de pessoas com deficiência. Há tipos diferentes de deficiência ou limitações funcionais, bem como graus diferenciados. O que mais importa é explicar que a deficiência não está na pessoa e sim na possibilidade que ela tem de interagir com o ambiente físico e interpessoal.
A sociedade determina quanto de limitação funcional cada pessoa vai enfrentar. Sociedades inclusivas agem de forma a valorizar a diversidade humana e buscar soluções de igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Ao atuar assim, sociedade e governo propiciam as condições de inserção social, situação oposta à segregação ainda existente. São palavras-chave para a o exercício dos Direitos Humanos pelas pessoas com deficiência, com dignidade e sem discriminação: acessibilidade por meio do desenho universal, transversalidade do tema nas políticas públicas, atendimento às especificidades de cada tipo de deficiência com serviços adequados e o cumprimento da legislação vigente, inclusive das ações afirmativas existentes no mundo do trabalho na esfera pública e no setor privado. Quando se fala de desafio, na verdade, estamos nos referindo ao respeito à diversidade humana, o que faz da deficiência um atributo e não um obstáculo definidor da vida, que ameaça a dignidade e a felicidade. E, completando, outro desafio é colocar as pessoas com deficiência nas discussões e definições de questões a elas relacionadas. São grandes desafios para todos.
Mobilizadores COEP – O país tem avançado na inclusão das pessoas com deficiência? Em caso positivo, que pontos apontaria?
R.: Nos últimos 30 anos principalmente, a pessoa com deficiência recebeu o nome de ? pessoa?, ganhou a posição de grupo minoritário a quem o Estado tem a obrigação de proteger e promover. O Ano Internacional, em 1981, e a Constituição de 1988 foram muitas conquistas no plano da legislação. Nos últimos 10 anos, as políticas vêm sendo implementadas e, embora o orçamento ainda não acompanhe a necessidade, ações nas esferas federal, estadual e municipal começam a reconhecer os direitos do segmento. Destaco a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a obrigatoriedade de intérpretes nas faculdades, inclusão digital para usuários cegos ou com baixa visão, a existência de coordenadorias e conselhos de direitos, concessão de órteses e próteses pelo SUS, educação inclusiva, acessibilidade entendida também como direito e a maior inserção das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho. Mas cabe destacar que muito há para ser feito, notadamente no interior e nas áreas de periferia e na zona rural.
Mobilizadores COEP – Qual o perfil socioeconômico das pessoas com deficiência no Brasil? Há uma relação entre deficiência e pobreza? Comente.
R.: A maioria das pessoas com deficiência é pobre, sendo que cerca de 70% vivem abaixo da linha da pobreza. Portanto há uma forte associação entre pobreza e deficiência, fazendo perpetuar-se o ciclo da invisibilidade e da exclusão. As pessoas de famílias pobres estão mais sujeitas a contrair doenças infecto-contagiosas, têm menos acesso ao pré-natal, à alimentação saudável e ao saneamento básico, bem como ao atendimento no parto e nos primeiros meses de vida. Todas estas situações são possíveis causas de deficiência. Quando há uma criança com deficiência, por exemplo, é comum que a mãe não possa trabalhar, reduzindo a renda familiar. Ainda nesse sentido, a deficiência tem custo de atendimento em casa e para comparecer ao atendimento de reabilitação. Se for uma pessoa adulta com deficiência, em razão de causas externas ou doenças crônicas, também surgirá a situação de agravamento da pobreza. É obrigação dos gestores públicos implementarem políticas sociais e programas que considerem que a prevenção das deficiências significa aumento da economia e, acima de tudo, é preciso respeitar a dignidade humana e os direitos de cada pessoa. Os programas de distribuição de renda e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) correspondem a medidas de enfrentamento da pobreza e do alto risco de deficiência.
Mobilizadores COEP – Há algum tipo de deficiência que impossibilite a pessoa de ser, de fato, incluída?
R.: Como mencionei anteriormente, deficiência é resultado da interação da pessoa com os fatores contextuais. A maioria das pessoas com deficiência é facilmente incluída quando a discriminação é substituída pela responsabilidade do Estado e da sociedade, com educação em Direitos Humanos e respeito à diversidade. As oportunidades precisam ser dadas de acordo com as necessidades de cada pessoa. Se um caso mais grave não permite que aquela pessoa tenha condições de independência, assim mesmo, ela deverá receber todo o apoio requerido para estar incluída socialmente.
Mobilizadores COEP – Que medidas visando aumentar a acessibilidade das pessoas com deficiência estão para ser implementadas?
R.: A Agenda Social de Inclusão das Pessoas com Deficiência, coordenada pela Secretaria Especial dos Diretos Humanos da Presidência da República, e lançada em setembro de 2007, corresponde às ações prioritárias apresentadas pelos ministérios da Saúde, Cidades, Educação, Trabalho, Desenvolvimento Social. São medidas de impacto na vida das pessoas e podem, no curto e médio prazo, alcançar resultados com o aporte, até 2010, de R$2,4 bilhões, além de linhas de financiamento e redução fiscal.
Mobilizadores COEP – Das 24,5 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, 33% são analfabetas ou têm apenas 3 anos de escolaridade. Diante de tal cenário, como incentivar a entrada e permanência dessas pessoas no ambiente escolar?
R.: A capacitação de professores da educação básica em educação especial e as salas de recursos multifuncionais para atender ao aluno com deficiência podem alterar progressivamente este diagnóstico. Atualmente, a inclusão educacional daqueles que recebem o Benefício de Prestação Continuada tem esta finalidade. A criança ou o jovem educando só permanece e progride se as condições da comunidade escolar forem capazes de responder às necessidades de cada aluno com deficiência. A escola acessível é condição essencial para a educação inclusiva.
Mobilizadores COEP – O governo criou um Grupo de Trabalho Interministerial para avaliar o modelo de classificação e valoração das deficiências utilizado no Brasil e definir a elaboração e adoção de um modelo único para todo o país. Qual o objetivo desse grupo e a importância da adoção desse modelo único?
R.: Atualmente uma pessoa tem de se submeter a uma avaliação para cada benefício ou direito que deseja acessar. As regras e critérios usados podem ser interpretados de forma diferente pelo profissional responsável pela avaliação, porque faltam escalas objetivas, com aspectos quantitativos e que considerem tanto os fatores pessoais quanto os contextuais. Vários países já adotaram modelos padronizados que servem para classificar o grau de limitação funcional da pessoa, orientando-a sobre que serviços ou produtos ela necessita, bem como em que situações ela terá direito a suportes personalizados, inclusive atendentes. O grupo de trabalho, coordenado pela Corde/SEDH, deverá analisar a situação atual e propor medidas para a elaboração de uma metodologia única a ser usada em todo o país, trazendo critérios justos de avaliação, considerando as peculiaridades da sociedade brasileira e as políticas existentes ou que venham a ser requeridas.
Mobilizadores COEP – O que falta para que o Brasil ratifique a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência? Que benefícios para o país esta ratificação vai trazer?
R.: O advento de um tratado de Direitos Humanos com especificidades para as pessoas com deficiência é uma mudança de muita responsabilidade interna e com relação à comunidade internacional, principalmente em relação às 650 milhões pessoas com deficiência existentes no mundo. Acreditamos que a Convenção contribuirá para a atualização das ações do Estado, fazendo com que as pessoas com deficiência estejam em todas as políticas sociais e de desenvolvimento. O Estado Brasileiro e a sociedade continuam sendo os responsáveis pela promoção, defesa e garantia dos Direitos Humanos dos cidadãos com deficiência. Também o Ministério Público, que desde a Lei n° 7.853/89, se incumbe dos direitos difusos e coletivos do segmento irá ter maior apoio legal para atuar em prol das pessoas com deficiência. A Convenção introduz a força de monitoramento internacional, por meio de um comitê da ONU para esta finalidade. Como o Brasil será signatário do Protocolo Facultativo, surgem outras possibilidades de denúncia se todas as instâncias nacionais falharem quanto à garantia dos Direitos Humanos de uma pessoa com deficiência. Em suma, o país poderá ser julgado na Corte Internacional de Direitos Humanos. Esperamos assistir à aprovação no Congresso, à sanção presidencial e à ratificação e depósito da Convenção na ONU o mais breve possível.O Brasil ser signatário desse tratado de Direitos Humanos, no ano dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é uma maneira especial de celebrar a dignidade humana. No final de setembro de 2007, a Mensagem Presidencial n° 711/2007 encaminhou a Convenção da ONU à Câmara, solicitando a sua tramitação com a equivalência de emenda constitucional. Assim, em fins de novembro de 2007, o Presidente da Câmara criou uma Comissão Especial para fazer tramitar a matéria em regime de urgência, já com o apoio dos líderes partidários. Estamos aguardando a retomada do ritmo dos trabalhos legislativos, após a aprovação do Orçamento de 2008, para conhecer todo o processo de tramitação e os componentes da comissão. A expectativa é grande, e esperamos que a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência instalada em 2007, com mais de 200 parlamentares, participe ativamente e traga seus pares, para que tenhamos três quintos de deputados nos dois turnos e igualmente o quorum qualificado nos dois turnos de votação no Senado Federal. Vamos procurar as lideranças e os parlamentares com o texto da Convenção comentado pela sociedade civil. As pessoas com deficiência, órgãos e instituições podem buscar mais informações sobre a Convenção, e a população pode contribuir apoiando a aprovação e conhecendo mais o tema. As informações encontram-se em diversos sites eletrônicos como no http://www.sedh.gov.br/ (na parte referente às pessoas com deficiência ? Corde) e no Legislativo http://www.camara.gov.br/. Também foi criada pela sociedade civil a página http://www.assinoinclusao.org.br/. Para aqueles que lêem em espanhol ou inglês, as notícias e documentos estão no portal da ONU, acessando diretamente www.un.org/esa/socdev/enable.Entrevista concedida à: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.