Dona Valdete da Silva Cordeiro (68 anos), líder comunitária do bairro Alto Vera Cruz ? situado na região leste de Belo Horizonte (MG) – e coordenadora do grupo cultural Meninas de Sinhá, nos conta o que a estimulou reunir outras mulheres, primeiro para bater papo, depois para produzir artesanato e hoje em dia para fazer apresentações de música e dança. Outras três integrantes do grupo participaram da entrevista e contaram como a convivência comunitária e a participação em atividades artesanais e artísticas mudaram suas vidas e as ajudaram a superar dificuldades como depressão, baixa auto-estima, timidez e problemas familiares. Criado em 1998, o grupo cultural ?Meninas de Sinhá? é formado por 36 mulheres, na faixa etária de 39 a 93 anos de idade, que difundem e ajudam a preservar antigas cantigas de roda, cirandas e brincadeiras infantis. O grupo foi um dos ganhadores do Prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura, em dezembro de 2007, ficando com o primeiro lugar na categoria Grupo Informal.
Mobilizadores COEP – Dona Valdete, o que a motivou criar um grupo de mulheres no Alto Vera Cruz? Fale-nos da sua história e de sua relação com essas mulheres.
R. Eu moro aqui [bairro Alto Vera Cruz] há 33 anos e sempre me preocupei com o bairro, que não tinha nada, nem água, nem luz. Logo me tornei líder comunitária e, preocupada principalmente com as mulheres, comecei a apoiá-las. As mulheres tomavam muitos remédios, especialmente antidepressivos. Comecei a conversar com elas e descobri que não eram doentes. O que elas precisavam era se conhecer e ter auto-estima. Cuidavam da família, mas não delas mesmas.
Mobilizadores COEP – Como se deu o início do grupo? Qual foi a proposta dos encontros?
R. Eu não tenho estudo, mas pensei que deveria fazer alguma coisa assim mesmo. Então veio uma sugestão: chamá-las para bater papo. No início elas não aceitavam o convite alegando que não tinham tempo. Mas foram aparecendo aos poucos ? uma, outra… Resolvi fazer trabalhos manuais ? fuxico, tapete. Arrumava carro emprestado para ir nas fábricas buscar retalhos. Mas isso não estava sendo suficiente. Até que encontrei um espaço que oferecia oficina de expressão corporal para idosos. Resolvi experimentar e senti que era isso que o grupo precisava. Conversei então com o diretor de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte na época e solicitei o trabalho da professora, que era paga pela prefeitura. Consegui que ela ficasse seis meses com nosso grupo, três vezes por semana. As mulheres começaram a melhorar, a largar os calmantes para dormir. Depois que essa professora foi embora, assumi eu mesma as aulas.
Um dia fomos convidadas para apresentar expressão corporal numa festa para duas mil pessoas. Ficamos com muito medo, mas fomos muito aplaudidas e a platéia ficou emocionada. Nos tornamos o primeiro grupo cultural de terceira idade. Desde então passamos a nos sentir artistas.
As sextas-feiras passaram a ser reservadas para as brincadeiras tradicionais que conhecíamos. E o grupo sempre pedia para brincar de roda. Vendo que esta iniciativa era muito solicitada, resolvemos formar um grupo de brincadeiras de roda. Um membro da Secretaria de Cultura que estava sempre presente ajudou gravando os cantos e fez uma apostila com os nomes das autoras das letras.
Inicialmente, com o início das brincadeiras de roda, foi sugerido para o grupo o nome ?Lar Feliz?, mas depois, sentindo que o nome não se adequava ao nosso novo contexto, de nos apresentarmos ?fora?, veio o nome ?Meninas de Sinhá?.
Surgiu também a idéia de fazer uma roupa para as apresentações. O mesmo rapaz da Secretaria de Cultura conseguiu panos e um figurinista da secretaria. Uma costureira do grupo confeccionou as roupas.
Mobilizadores COEP – Quantas pessoas integram o grupo e qual a faixa etária? Por que a participação é restrita às mulheres?
R. Somos 36 mulheres de 39 a 93 anos. Tentamos trazer os homens para o grupo, mas eles não aceitaram por machismo. Eles também são mais envergonhados.
Mobilizadores COEP – Como é o dia-a-dia do grupo? Quantas vezes se encontram para ensaiar e/ou se apresentar e que outras atividades fazem em conjunto?
R. Nas terças e quintas temos aula de expressão corporal, agora com uma nova professora, de Educação Física. Nas quartas-feiras temos aulas de percussão e nas sextas-feiras ensaiamos, pois depois da primeira festa a prefeitura passou a nos convidar para apresentações em conferências. A primeira apresentação do ?Meninas de Sinhá? foi no Centro Cultural da comunidade. Aí vieram os convites das escolas, das creches, dos asilos, das delegacias de mulheres e dos hospitais, inclusive psiquiátricos. Depois veio uma festa no Parque Municipal, quando então fizemos nossa primeira apresentação aberta ao público.
Mobilizadores COEP – Que características unem as ?Meninas de Sinhá? e tornaram possível que esse ideal se transformasse em um compromisso?
R. Sermos mulheres, sofrermos a discriminação pela velhice e pela cor. Nossos sentimentos por conta disso são comuns.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelo grupo desde o início? Como elas foram sendo superadas?
R. Tivemos muitos problemas com os maridos. O tempo delas, que antes era só pra família, passou a ser dividido com o grupo, o que causou impacto neles. Uma delas uma vez disse que se o namorado a proibisse de freqüentar o grupo, ela largava ele. Preferia o grupo. Foi essa postura e esse agradecimento pelo que estavam construindo que fez com que não desistissem e hoje os maridos gostam, assistem e até as estimulam a participar.
Agora temos outra dificuldade, que é falta de espaço para trabalhar com mais mulheres. O atual local de ensaio é emprestado pela associação comunitária e não sabemos até quando poderemos contar com ele.
Mobilizadores COEP – Que mudanças a criação do grupo causou na vida de vocês? E na comunidade?
R. Dorvalina Maria de Ribeiro (56 anos): ?Agradeço a Deus e à Valdete. O grupo é maravilhoso. Saí do fundo do poço. Era nervosa, brigava à toa. Até ganhei alta do psiquiatra. Minha psicóloga quis conhecer o grupo. Só tenho coisas boas pra falar. Sei lidar com meus problemas, sei conversar com minha família, sei passar coisas boas pra ela. Tenho amor profundo por todas as Meninas de Sinhá.?
Maria Geralda de Paula (69 anos): ?Eu era igual a um bicho do mato, só ficava em casa. Brigava todos os dias com meus filhos e netos, até que fui levada pro grupo. Tive medo que rissem de mim, mas fui estimulada. Minha auto-estima foi levantada e senti que era meu lugar. Passei a não querer ficar mais em casa, larguei o remédio e hoje brinco com meus netos?.
Efigênia Lopes (67 anos): ?Fiquei sabendo das aulas de expressão corporal e fui experimentar. Fui em alguns ensaios, mas no início não dei crédito pro grupo. Não pude freqüentar por causa do trabalho. Mas há oito anos voltei, vendo o progresso do grupo. Eu era muito tímida, envergonhada, tinha medo de morrer e achava meu cabelo feio. Agora não tenho complexos, sou muito mais alegre e a timidez diminuiu. Até escrevo músicas para o grupo.?
Mobilizadores COEP – O grupo já teve seu primeiro CD (?Tá caindo fulô?) lançado no ano passado. Em dezembro de 2007, o grupo também ganhou o prêmio Cultura Viva do Ministério da Cultura. Qual foi a repercussão dessas conquistas para o grupo?
R. Depois do prêmio, saíram notícias no rádio, no jornal. Ficamos metidas. As pessoas me perguntam como conseguimos chegar aonde chegamos. Não sei explicar, mas sinto que tudo que se faz por amor cresce.
Mobilizadores COEP – Que novas possibilidades e idéias não imaginadas inicialmente surgiram ao longo do tempo? A que se deveram essas novas perspectivas?
R. Formamos um grupo com nossas netinhas, as ?Netinhas de Sinhá?, de 7 a 11 anos, com o qual trabalhamos teatro, canto e dança. Os meninos também começaram a pedir pra serem ?Netinhos de Sinhá? e hoje eles formam um grupo de percussão que tem aulas através de projetos da prefeitura. Tudo isso foi fruto do nosso crescimento, que incentivou a comunidade.
Mobilizadores COEP – O grupo pretende expandir suas atividades de alguma forma?
R. Nossa principal idéia é trabalhar com as mulheres mais jovens, que estão freqüentando os centros de saúde cada vez mais cedo. Também continuamos com um projeto que iniciamos no ano passado, que tem por objetivo visitar o Vale do Jequitinhonha para compartilharmos nossa experiência. Não só cantamos aonde vamos, também damos palestras e ajudamos a formar novos grupos como o nosso. Já realizamos algumas visitas, mas ainda faltam outras.
Mobilizadores COEP – Que mensagem deixaria para as mulheres que ainda não descobriram seu próprio potencial?
R. Levante de manhã, olhe no espelho e diga: ?eu sou linda!?. Aí verá que é realmente linda. As pessoas precisam se amar mais.
Mais informações em http://www.myspace.com/meninasdesinha. Contato para shows pelo telefone (31) 3486-7848.
Entrevista concedida à: Larissa DolabellaEdição: Eliane Araújo e Danielle Bittencourt
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Parbens pela linda iniciativa.
Muito bom.