Os automóveis, em especial os carros, são os maiores responsáveis pela poluição, pelo trânsito urbano e por acidentes, problemas diários enfrentados pelos moradores das grandes e médias cidades brasileiras.
Contudo, a realidade da maior parte da população no Brasil não é o transporte por meio dos carros. Estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), em 2011, revelou que a maioria da população do país utiliza transporte público, se locomove a pé ou de bicicleta: na região Sudeste, mais de 50% da população usa transporte público, ao passo que 25% se locomovem por carros.
Para Margareth Matiko Uemura, arquiteta, urbanista, professora de Projeto e Planejamento Urbano, da Universidade Bandeirantes, e integrante do Instituto Polis, uma eficiente política de mobilidade deve ser integrada à de planejamento urbano, adequando espaços públicos e infraestrutura disponível, proporcionando assim uma cidade organizada, equilibrada e com mais qualidade de vida para seus habitantes.
Mobilizadores COEP – O que quer dizer mobilidade urbana? O que este conceito envolve?
R.: Mobilidade urbana significa que o cidadão consiga se locomover com facilidade de casa para o trabalho, do trabalho para o lazer e para qualquer outro lugar com um percurso de tempo curto e de maneira adequada. Ou seja, que o poder público garanta a implantação de um sistema de transporte com diferentes modais (trens, metrô, ônibus, etc) que se interliguem e facilitem o acesso do cidadão à rede, reduzindo o tempo de deslocamento. Ter mobilidade urbana é dispor de ciclovias e de calçadas adequadas e confortáveis que garantam a circulação e acessibilidade a todos. Enfim, é ter alternativas para deixar o carro na garagem e ir ao trabalho a pé, de bicicleta ou com o transporte coletivo.
Mobilizadores COEP – O que é a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana? O que ela prevê?
R.: Segundo o Ministério das Cidades, “A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não-motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável”. Esta lei prevê a reunião das políticas de transporte e de circulação, integrada com a política de desenvolvimento urbano.
Mobilizadores COEP – As médias e grandes cidades brasileiras estão sofrendo com engarrafamentos, barulho e poluição gerados pelo excesso de carros nas ruas. O que os governantes podem fazer para mudar este quadro?
R.: Ter políticas adequadas de transporte público, além de construir uma regulação de uso e ocupação do solo que sejam adequadas à infraestrutura existente. É por isso que a política de mobilidade deve ser integrada a de desenvolvimento urbano. O que quer dizer isso? Se o poder público permite o adensamento [populacional] em áreas que não têm estrutura viária adequada, consequentemente provocará congestionamentos e problemas de deslocamentos na área. Assim como quando constrói um grande conjunto habitacional em áreas periféricas, onde o trabalhador tem que se deslocar para todas as suas atividades. Por outro lado, o adensamento é desejado em áreas em que a infraestrutura instalada está subutilizada como nas áreas centrais das capitais, onde há muito comércio e pouca população residente.
Mobilizadores COEP – Através dos anos tem ocorrido um aumento gradativo no tempo de viagem nos principais modais (ônibus, trem, metrô, barcas, etc). A que se deve isso? Quais as soluções possíveis?
R.: Isto se deve à expansão das cidades. A tendência é de espraiamento da ocupação urbana sem controle, ampliando as distâncias entre o trabalho e moradia, lazer, etc. Os governos por vezes são indutores deste crescimento pelo investimento em infraestrutura e pela promoção de conjuntos habitacionais periféricos ou por extensão de infraestrutura viária para áreas sem infraestrutura urbana (hospital, creche, escola, lazer, etc), como dito anteriormente.
Mobilizadores COEP – Na sua avaliação, qual o impacto da redução do IPI para carros novos, adotada pelo governo federal para estimular a economia, no trânsito das grandes cidades? Que medidas de planejamento urbano podem ser adotadas tendo em vista a ampliação do poder aquisitivo da população e o consequente crescimento das vendas de carros?
R.: A isenção do IPI para os carros é uma medida contraditória à Política de Mobilidade concebida pelo ministério. Não é uma medida que se agrega à política urbana. Não há cidade que se sustente com a proporção de carros por pessoa existente no Brasil. Você estimula o uso do automóvel, cria demandas para o deslocamento dos mesmos e amplia os custos para o poder público em um sistema viário, deslocando novamente os investimentos para atender ao transporte individual, em vez do transporte coletivo.
Mobilizadores COEP – Vemos claramente que as populações de mais baixa renda são as que mais sofrem com o transporte público, não apenas pelas maiores distâncias que costumam percorrer, mas pela qualidade dos modais e pelas condições do trânsito. O que pode ser feito para diminuir essa desigualdade social?
R.: A desigualdade social não será resolvida com programas urbanos. Mas o que poderia ser feito pelos governos é promover políticas de acesso à moradia em áreas com infrestrutura urbana de equipamentos públicos (escola, hospital, lazer, etc) e próximas a centros de trabalho. Isto já diminuiria o custo de deslocamentos.
Mobilizadores COEP – Cidades grandes e com trânsito intenso como Rio de Janeiro e São Paulo ficam quase paralisadas quando acontecem fortes chuvas, mesmo que de curta duração. Há soluções emergenciais possíveis para evitar esse caos urbano? Quais? É possível a adoção de medidas emergenciais pelas prefeituras? De que tipo?
R.: Quando falamos de política de mobilidade associada as demais políticas urbanas não estamos falando somente de regulação urbana (legislação), mas de todos os setoriais integrados (mobilidade, saneamento, habitação, etc). As medidas emergenciais são adotadas, mas o que desejamos são medidas estruturais (estudadas e com planejamento de longo prazo).
Mobilizadores COEP – A cidade do Rio de Janeiro vai sediar as Olimpíadas de 2016. Como acredita que deveria ser traçado um planejamento na área de mobilidade urbana que deixe um legado positivo para seus moradores? Você acredita que os governantes estão fazendo as melhores escolhas?
R.: Os investimentos públicos para as Olimpíadas são polêmicos. Em geral, sem especificar uma cidade ou outra, os investimentos dos megaeventos em infraestrutura deveriam ajudar a estruturar as cidades e atender à população moradora do local. No entanto, o que já está acontecendo é o despejo forçado em diversas situações e a expulsão das famílias.
Mobilizadores COEP – Como as cidades europeias conseguiram se planejar para ter uma mobilidade urbana eficiente? Poderia citar algum exemplo de sucesso e quais foram as escolhas neste processo?
R.: As cidades europeias, em geral, priorizaram ao longo dos séculos o transporte coletivo e não o individual. O metrô em Berlim e em Paris está estruturado com uma malha que atende a toda a cidade, com diversos acessos. A linha não é somente estendida, mas ela tem diversos acessos, não sobrecarregando uma ou outra. Além da priorização, as cidades européias não são comparáveis pelo número de moradores, e também pela estrutura urbana e viária que já é decorrente de uma regulação urbanística, que tem padrões de ocupação compatíveis com a infraestrutura instalada.
Mobilizadores COEP – Como envolver a população neste processo de mudança? Como os cidadãos podem cobrar dos governantes investimentos em transportes públicos de qualidade e exigir a acessebilidade urbana, especialmente das pessoas com deficiência?
R.: Como colocado anteriormente (Ela não disse isso anteriormente, por isso, cortei) É necessário que os Conselhos, Fóruns e Comitês de participação criados institucionalmente sejam respeitados e ampliados. Já existe legislação federal suficiente para garantir que se tenha uma política de mobilidade que garanta investimentos adequados, embora em muitos casos não seja uma questão de falta de instrumentos ou de legislação, mas sim de deslocamento de orçamento para outras áreas, ou uma situação pior quando atendem aos interesses privados e não aos coletivos.
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Entrevista para o Eixo Participação, Direitos e Cidadania
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo
Todo cidadão tem direito ao atendimento público de qualidade, faz-se necessário a implementação de política pública que vise a melhoria da infraestrutura de uma cidade e que venha a contemplar a todos que ali convivem, bem como os que vão visitar a cidade, respeitando a limitação de cada um e fornecendo melhores condições de vida.