O Monitoramento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil permitirá identificar quem são e onde estão os povos que têm o seu direito à alimentação violado no país, e o que pode ser feito para eliminar tal insegurança alimentar e nutricional, de forma a subsidiar as políticas voltadas para a temática.
Nesta entrevista, Carmem Priscila Bocchi, coordenadora da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), explica como funcionará o monitoramento e ressaltam a importância de a sociedade civil participar do controle social do processo de construção de políticas públicas ligadas ao tema.
Mobilizadores COEP – Quais os grupos populacionais quem ainda têm seu Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) violado no Brasil?
R.: Nos últimos anos, analisando a evolução dos indicadores relacionados à realização progressiva do DHAA no Brasil, percebe-se que, na maioria deles, o país apresentou avanços. No entanto, ainda persiste um quadro de insegurança alimentar e nutricional principalmente nas famílias em extrema pobreza e nos povos e comunidades tradicionais, como os indígenas e quilombolas, além das diferenças entre brancos e negros. Além disso, o rápido aumento da obesidade e doenças crônicas nas últimas décadas mostra que ainda existem dificuldades para que a população brasileira tenha uma alimentação adequada e saudável.
Mobilizadores COEP – Quais as principais causas desta insegurança ou vulnerabilidade alimentar?
R.: Entre novos e antigos determinantes, podemos citar as desigualdades de renda, raça e gênero, a concentração de terra, a concentração de terra, o uso de agrotóxicos acima dos limites permitidos, a liberação das sementes transgênicas, o aumento do consumo de alimentos ricos em sal, gordura e açúcar, entre outros.
Mobilizadores COEP – Em fevereiro de 2010, o direito à alimentação foi incluído entre os direitos sociais da Constituição Federal. Já é possível sentir alguma mudança?
R.: A partir do momento em que a alimentação tornou-se um direito constitucional, aumentou a responsabilidade do Estado em construir um rol de políticas públicas que dêem conta da realização deste direito, além de que ficou facilitada a exigência da sua realização por parte do poder judiciário e dos conselhos de política públicas.
Mobilizadores COEP – Por que a necessidade de monitorar o DHAA no país? De que forma este monitoramento pretende subsidiar políticas públicas para acabar com a insegurança alimentar no país?
R.: O monitoramento do DHAA permitirá identificar quem são os indivíduos/povos que têm o seu DHAA violado, onde se encontram, quantos são e por que estão em insegurança grave. O processo de monitoramento, a partir da análise de lacunas e desafios, também permitirá identificar o que pode ser feito para eliminar a insegurança alimentar e nutricional no país, de forma a subsidiar as políticas voltadas para esta temática.
Mobilizadores COEP – Que princípios vão nortear tal monitoramento?
R.: O Consea propõe que o monitoramento do DHAA tenha como princípios: a realização progressiva do DHAA; o foco nas populações vulneráveis e a não discriminação; a transparência e o irrestrito acesso aos dados e métodos adotados; o enfoque da universalização e da indivisibilidade dos direitos; a ampla participação social; a não regressão dos resultados positivos obtidos; a responsabilização dos setores que integram o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
Mobilizadores COEP – Que indicadores serão avaliados neste monitoramento e por quê?
R.: Os indicadores selecionados já existem no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), e esse processo de monitoramento deverá contribuir para o fortalecimento dos sistemas de informação existentes nos diversos setores que fazem parte do Sisan (Saúde, Abastecimento, Desenvolvimento Social, entre outros), mas que muitas vezes não estão organizados no contexto da segurança alimentar e nutricional.
Para facilitar a análise, o processo de monitoramento, como disposto no artigo 21 do Decreto 7.272/2010, agrupa os indicadores em sete dimensões (quadro 1), : 1) Produção de Alimentos, 2) Disponibilidade de alimentos, 3)Renda/Condições de Vida, 4) Acesso à alimentação, 5) Saúde e acesso a serviços de saúde, 6) Educação e 7)Políticas Públicas relacionadas a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).
Quadro 1 ? Indicadores da realização progressiva do DHAA ? proposta do ConseaDimensão/Indicador1. Produção de alimentos1.1.Produção de alimentos2. Disponibilidade de alimentos:2.1Disponibilidade interna para consumo humano2.2.Calorias disponíveis per capita em nível nacional.2.3 Volume comercializado de frutas, verduras e legumes, por produto3. Renda/Acesso e Gasto com alimentos3.1.% Gastos das famílias com alimentação total3.1.1.% de Gastos das famílias com alimentação no domicílio3.1.2.% de Gastos das famílias com alimentação fora do domicílio3.1.3. % de Aquisição não monetária de alimentos3.4 Índice de Gini da distribuição do rendimento mensal dos domicílios particulares permanentes, com rendimento.3.5 Renda domiciliar per capita3.6 Salário mínimo deflacionado pelo INPC alimentação e bebidas 3.7 Nível da ocupação na semana de referência das pessoas de 10 anos ou mais de idade.4. Acesso à Alimentação Adequada4.1.Consumo alimentar médio de macro e micronutrientes per capita4.1.1.Consumo alimentar médio de macro e micronutrientes no domicilio, per capita4.1.2.Consumo alimentar médio de macro e micronutrientes fora do domicilio, per capita4.2. % de macronutrientes no total de calorias na alimentação domiciliar4.3. Quantidades físicas per capita (em kg) adquiridas de alimentos para consumo no domicílio4.4. % de domicílios com insegurança alimentar no total de domicílios, por tipo de insegurança alimentar5. Saúde e acesso a serviços de saúde5.1.Índices antropométricos para todas as etapas do curso da vida5.1.1. Desnutrição em crianças menores de 5 anos (Indicador 4 da meta 2 dos ODM)5.1.2. Estado Nutricional das crianças menores de 5 anos participantes do Bolsa Família. 5.1.3. Estado Nutricional dos Adolescentes – 10 até 19 anos5.1.4. Estado Nutricional dos Adultos – 20 anos até 59 anos5.1.5. Estado Nutricional de Gestantes5.2. Baixo peso ao nascer5.3. Prevalência do Aleitamento Materno5.4.Acesso ao Pré-Natal5.5.Taxa de Mortalidade Infantil5.6.Prevalência da anemia ferropriva5.6.1.Monitoramento da Fortificação das Farinhas com ácido fólico e ferro5.7. Prevalência da hipovitaminose A5.8.1. Monitoramento do teor de iodo no sal5.9.Alimento seguro 5.9.1 Contaminação de alimentos por agrotóxicos – Porcentagem de amostras irregulares5.9.2 Monitoramento de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal5.10 Saneamento básico5.10.1 Percentual de domicílios atendidos por rede geral de abastecimento de água no total de domicílios particulares permanentes5.10.2 Percentual de domicílios atendidos por serviço de coleta de lixo no total de domicílios particulares permanentes5.10.3 Percentual de domicílios dotados de esgotamento sanitário por rede de esgoto ou fossa séptica no total de domicílios particulares permanentes.Água e Saneamento nas escolasNúmero de Escolas de Educação Básica que possuem (e não possuem) abastecimento de águaN.º de Escolas de Educação Básica que possui (e não) esgoto sanitário6. Educação6.1 Número médio de anos de estudos das pessoas de referência dos domicílios, de 10 anos ou mais de idade. Distribuição das pessoas de referência dos domicílios, 10 anos ou mais de idade, por grupos de anos de estudo.6.2. Taxa de analfabetismo de todas as pessoas de 15 anos e +6.3.Percentagem de crianças que não freqüentavam escola na população de 5 a 17 anos de idade
As políticas públicas a serem monitoradas também estariam relacionadas às dimensões anteriores:
7. PolíticasDimensão 1e 2: Produção/Disponibilidade de Alimentos1. PRONAF2 – Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar3 – Garantia de Preços Mínimos/Formação de Estoques 4 – Pro-hort5 – Reforma Agrária6 – Agrobiodiversidade7 – Pesca e AquiculturaDimensão 3: Renda/Acesso e Gasto com Alimentos8 – Bolsa Família9 – Benefício de Prestação Continuada10 – Previdência Social (Benefícios Previdenciários) < ou = 1sm11- Salário MínimoDimensão 4: Acesso à Alimentação Adequada12. Programa Nacional de Alimentação Escolar13. Rede de equipamentos públicos de SAN13.1 – Distribuição de Alimentos a Grupos Específicos13.2 – Restaurantes Populares13.3 – Cozinhas Comunitárias13.4 – Bancos de Alimentos13.5 – Cisternas13.6 – Acesso à Água para Produção de Alimentos14. Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)Dimensão 5: Saúde e acesso a serviços de saúde15 – Suplementação de Ferro16 – Suplementação da Vitamina A17 – Promoção de Hábitos de Vida e de Alimentação Saudável para a Prevenção das Obesidades e das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis18 – Bolsa Família/Condicionalidade de Saúde19 – Saúde da Família20 – Agentes Comunitários de Saúde21 – Cobertura Vacinal no Primeiro Ano de VidaDimensão 6: Educação22 – Bolsa Família/Condicionalidade de Educação23- Combate ao Analfabetismo24 – Política de Educação BásicaDimensão 7: Populações Tradicionais25 – Comunidades Tradicionais26 – Regularização das terras quilombolas27 – Carteira Indígena28 – Regularização fundiária de terras indígenas
Mobilizadores COEP – Como será realizado o monitoramento no contexto do Sisan? O que já vem sendo feito neste sentido?R.: A Lei que instituiu o Sisan (Lei n°11.347/2006) dispõe sobre a necessidade da integração e a articulação dos diferentes níveis de governos e a sociedade civil na formulação e no monitoramento das políticas públicas que promovam a segurança alimentar e nutricional e o Decreto que a regulamentou (Decreto 7.272/2010) institui, no âmbito do Sisan um sistema de monitoramento e avaliação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o qual deverá ter instrumentos, metodologias e recursos capazes de aferir a realização progressiva do direito humano à alimentação adequada, bem como responsabiliza a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) por tornar públicas as informações relativas à segurança alimentar e nutricional da população brasileira.
Com base nestas determinações, o Consea elaborou uma proposta de sistema de monitoramento, conforme já apontado, e está prevista a publicação de um Relatório sobre a Realização do DHAA no Brasil no final de novembro deste ano.
Mobilizadores COEP – Como a sociedade civil vai participar deste monitoramento e qual a relevância de sua atuação para um efetivo controle social da SAN no país?
R.: A participação da sociedade civil é fundamental neste processo. Um adequado diagnóstico da situação de segurança alimentar e nutricional é um importante subsídio para a participação e o controle social nas políticas públicas ligadas ao tema.
É preciso que a sociedade civil fomente a realização de pesquisas periódicas sobre os diversos indicadores, com recortes de raça/cor/etnia e gênero, pois estas análises nem sempre ocorrem, e exigir a sua ampla divulgação. É importante também solicitar aos diversos setores a divulgação das pesquisas sobre o impacto dos programas e ações relacionados à temática.
Mobilizadores COEP – De que forma o COEP pode contribuir para este controle social?
R.: Sem dúvida, divulgando os indicadores sobre a realização do DHAA no país aos diversos atores sociais, setores de governo, estados e municípios, e apoiando o Consea na busca de avanços mais rápidos das políticas públicas nas diversas áreas que compõem a Segurança Alimentar e Nutricional.
Mais detalhes sobre o monitoramento da realização do DHAA no sítio do Consea (www.presidencia.gov.br/consea).
Entrevista do Grupo Combate à Fome e Segurança Alimentar
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo