Rubens Born, coordenador da ONG Vitae Civilis, faz um panorama da discussão atual sobre mudanças climáticas e diz o que pode ser feito no dia-a-dia para mudar a situação. A entrevista foi gravada em vídeo e já está disponível na CoepTeVê. Veja onde encontrar os vídeos ao final desta entrevista.
Mobilizadores COEP ? O que é o conceito de mudanças climáticas e quais os principais fatores associados a ele nos dias de hoje?
R. Tem a ver com alterações do sistema climático decorrentes de atividades humanas. Por exemplo: uso de combustíveis fósseis para transporte em indústrias; transformação de florestas em áreas agrícolas ou de pastagem para a pecuária etc. A mudança no uso do solo, a utilização de combustíveis fósseis ou mesmo de lenha (material vegetal) para produzir energia geram gases de efeito estufa, que estão se acumulando na atmosfera. Isso muda o regime de chuvas, a temperatura (o planeta está se aquecendo) e vai causando uma série de alterações no sistema climático.
Essas mudanças começaram a ser percebidas há algumas décadas e se avolumaram a partir da revolução industrial, iniciada no século XVIII, com a evolução da indústria, o surgimento do automóvel e o uso intensivo do petróleo. Com isso, aumentou bruscamente a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera. E a solução para isso dependerá de mudanças de hábitos dos seres humanos.
Mobilizadores COEP ?Quais os desafios neste cenário?
R. Há previsões de que vamos enfrentar efeitos catastróficos no clima daqui a algumas décadas, como secas em áreas que hoje têm chuvas suficientes; inundações, que vão gerar necessidade de mudar a agricultura e levar algumas lavouras a mudar de região; insegurança alimentar; mau abastecimento de água nas cidades; transporte insuficiente; pontos críticos na geração de energia.
Segundo cientistas, para evitar isso, precisamos cortar cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa nas próximas cinco ou seis décadas. E pelo menos 40% das reduções terão que vir dos países industrializados até o ano de 2020. Mas o Brasil, que é um dos países que mais emitem, também deverá cortar suas emissões. E vamos ter que nos adaptar a um planeta mais quente, com regiões em que chove mais e outras em que chove menos. Serão necessárias medidas de mitigação, ou seja, de diminuição das causas e adaptação aos efeitos.
Mobilizadores COEP ? Quais serão os impactos sentidos de maneira mais grave no Brasil, especificamente entre a população de baixa renda?
R. Os impactos atingirão a todos, mas vão chegar com mais gravidade às populações mais vulneráveis, ou seja, pessoas de baixa renda que têm mais dificuldade de lidar com consequências de fenômenos como as enchentes que ocorreram em Santa Catarina, no final de 2008, ou no Maranhão, no início de 2009. Ou grupos populacionais que têm mais dificuldade de mudar o tipo de atividade econômica serão muito afetados. Exemplo: uma família que faz agricultura de subsistência ou as pequenas propriedades de agricultura familiar não têm capital para investir em mudança de maquinário ou do tipo de cultura que fazem. Uma empresa do agronegócio consegue mudar, por exemplo, do Rio Grande do Sul para Goiás e passar a plantar soja, em vez do trigo que plantava antes, e continuar tendo lucro. Outro exemplo: as populações que estão na região litorânea, que podem sofrer impactos em função do aumento do nível do mar. Ou as que estão no Semiárido nordestino; ou as que estão nos estados em que haverá mudanças no regime de chuvas (ex: Rio Grande do Sul, Paraná); ou também as que estão na Amazônia, onde haverá alteração no perfil da cobertura florestal e, portanto, no regime de chuvas na própria Amazônia.
Mobilizadores COEP ? Como o Brasil está inserido no contexto mundial de combate às mudanças climáticas atualmente?
R. O Brasil tem um papel muito importante na questão. Primeiro, lamentavelmente, por ajudar a causar o problema, especialmente com a conversão de florestas em áreas agrícolas, pastagens para a pecuária ou em áreas urbanas. Cada vez que tiramos uma árvore da floresta nativa ou substituímos um pé de laranja ou de cacau por um cultivo de milho ou de soja, estamos mudando o chamado equilíbrio da conta de carbono, ou seja, o quanto de carbono está retido em vegetação e o quanto é liberado para a atmosfera. A expansão do desmatamento em função do argumento de que precisamos desmatar mais para aumentar a produtividade agrícola, seja para consumo ou exportação de alimentos, não se justifica, pois já foi provado que isso não é verdade.
Mobilizadores COEP ? Essa é a responsabilidade do Brasil no aumento das mudanças climáticas. E em termos de ação: o que o país tem feito?
R. Primeiro, o Brasil tem sido um país importante nas negociações internacionais (como foi nas negociações do Protocolo de Kyoto) e tem um papel-chave agora nas negociações rumo à Conferência do Clima, a ser realizada em Copenhagen, em dezembro de 2009, de onde espera-se que saia um grande acordo mundial para resolver a questão climática. Uma das respostas que o Brasil tem dado é o uso de etanol e biocombustíveis como forma de transição de um sistema de transporte que é intensivo no uso de combustíveis fósseis para um sistema de transporte sustentável, prática que ainda precisamos construir.
Mobilizadores COEP ? O que se pode esperar de resultados práticos da Conferência do Clima?
R. Precisamos que saiam decisões que determinem que governos, de forma diferente nos países industrializados e naqueles em desenvolvimento, tenham políticas reais para acelerar a transição para a sustentabilidade. Na Europa, já se estabeleceu que, até 2020, 20% da energia terá que vir de fontes renováveis (vento, solar, biocombustíveis etc.). Nos Estados Unidos, recentemente foi aprovada uma lei também colocando a meta de 20%. No Brasil, podemos ir além, considerando que hidrelétricas respondem por boa parte da produção de energia. Mas precisamos expandir ainda mais o uso de energia eólica e solar. Espera-se também que haja recursos para começar as medidas de adaptação. É uma responsabilidade dos países industrializados ajudar os países menos desenvolvidos a se adaptarem às mudanças climáticas.
A conferência está lidando com cinco temas importantes: um deles é a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa. Nessa questão, precisamos que todos os países assumam o compromisso de que vão reduzir de acordo com suas responsabilidades pelo que causaram até agora. Espera-se que os países industrializados tenham metas que apontem para uma redução de pelo menos 40% das emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2020. O acordo de Copenhagen vai definir as ações para um primeiro período: de 2012 a 2017. Mas a redução neste primeiro período tem que ser compatível com uma redução de 40% até 2020. Os países em desenvolvimento, em bloco, vão ter que começar a limitar suas emissões de gases de efeito estufa. Obviamente, o Brasil não pode ser igualado a Botsuana, um pequeno país pobre da África. Assim, fica claro que alguns países mais significativos entre as nações em desenvolvimentos terão que limitar e depois reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, para que os países mais pobres tenham algum espaço para ter desenvolvimento econômico. Certamente, Brasil, África do Sul, China, Cingapura, Coreia do Sul, Kuwait, Arábia Saudita, alguns países industrializados dos países em desenvolvimento terão que, até 2020, começar a reduzir suas emissões.
Outro assunto é a adaptação: esperamos que os países industrializados possam disponibilizar de U$ 60 a U$ 70 bilhões anualmente para um fundo internacional que vai financiar medidas de adaptação nos países em desenvolvimento. O terceiro tema que terá forte debate em Copenhagen é o acesso a tecnologias para o desenvolvimento sustentável e para uma sociedade de baixa emissão de gases que causam efeito estufa. A quarta questão tem a ver com o financiamento de todas as ações necessárias, especialmente nos países em desenvolvimento. Há uma responsabilidade e um compromisso legal e histórico dos países industrializados em ajudar a financiar as ações necessárias nos países em desenvolvimento. E o quinto tema forte em Copenhagen se refere a uma visão compartilhada. Ou seja: quais são as metas para o planeta em 2030, 2040, 2050, 2080? Todo esse esforço no curto prazo tem a ver com metas que a gente quer garantir para o planeta, pensando em equidade, dignidade, qualidade de vida para todo o planeta. Não podemos equacionar a questão das mudanças no clima à custa de injustiça, de violação aos direitos humanos. Esse é um tema muito delicado, pois trata sobre a quem atribuir responsabilidades. Quem tem mais responsabilidades pelas causas deve ter maior proporção de responsabilidade pelas soluções também.
Mobilizadores COEP ? O cenário é positivo? Caminha-se para este acordo?
R. Em Copenhagen, os ambientalistas esperam decisões que representarão pelo menos 40% de corte nas emissões de gases de efeito estufa nos países industrializados. Ações recentes, tanto na Europa, quanto nos EUA, não apontam para essa expectativa dos ambientalistas. O pacote da União Europeia, lançado no final de 2008, apresentou como meta para 2020 uso de 20% de energia renovável e corte de 20% das emissões. Os ambientalistas e cientistas consideram que isso é insuficiente e que seria necessário reduzir as emissões em 40% em 2020, para chegar a 60% de corte em 2050. Quanto menor for o corte agora, pior será para o planeta depois de 2020. Ou seja, o que os países industrializados não fizerem agora vai ter consequências ruins para os países em desenvolvimento.
Mobilizadores COEP ? O Plano Nacional de Mudanças Climáticas foi lançado em dezembro de 2008 e traz uma série de anúncios para tentar combater o problema no Brasil. Quais são os desafios para a implementação do plano e como pode ser fortalecida a participação social nesse processo?
R. O plano é um instrumento de planejamento que deveria permitir aos gestores públicos e ao setor privado saber onde devem colocar esforços, dinheiro, investimentos; que tipos de ações devem ser feitas para garantir que os objetivos do plano sejam alcançados. Ou seja, permitir o desenvolvimento sustentável do país, com baixa emissão de carbono. O plano dá bastante atenção para a questão do desmatamento e sinaliza algumas metas ou desejos na área de eficiência energética, entre outras coisas. Podemos usar uma comparação e dizer que o plano é um copo com água, mas não se pode dizer se ele está meio cheio ou meio vazio. É um conjunto de desejos, mas até agora o governo federal não sinalizou se haverá recursos para a efetiva implementação do plano. Precisamos que nossos parlamentares, quando forem aprovar orçamentos anuais, e os governantes, quando forem compor o orçamento anual, considerem o Plano Nacional de Mudanças Climáticas e também os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, tudo que tem a ver com sustentabilidade. Mas até agora não vimos alocação efetiva de recursos para implementação do plano.
O plano nacional vai funcionar se houver também planos estaduais e municipais. Ou seja: se, em qualquer esfera do Brasil, tivermos comunidades, prefeituras, órgãos estaduais, órgãos federais, todos engajados em torno do desenvolvimento sustentável, isto é, que protege a integridade do ambiente.
Mobilizadores COEP ? Que mudanças imediatas precisariam ser feitas nas cidades e no campo para tentar mitigar?
R. As mudanças no uso do solo e o desmatamento representam de 55% a 70% das emissões brasileiras de CO2 (dióxido de carbono). Cerca de 20%, 23% das emissões brasileiras têm a ver com combustíveis: carvão, gasolina, óleo diesel, petróleo. Para diminuir as causas, mudar as fontes de energia e de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera e lidar com as consequências das mudanças climáticas, precisamos diminuir nosso impacto no ambiente, mudando o consumo e a produção. E para isso podemos usar o conceito de pegada ecológica*. Tudo que a gente consome como alimento, como energia, como vestuário etc. vem da natureza. É retirado, ou modificado, ou cultivado, ou criado pelo ser humano. Ou seja, precisamos utilizar os recursos que tiramos da natureza com mais eficiência.
Teremos que mudar políticas públicas e hábitos de produção e consumo: melhorar técnicas, diminuir desperdício na produção, no transporte e no consumo de alimentos. Diminuir o desperdício de água no banho e de energia, ao trocar lâmpada incandescente por econômica; reciclar lixo; restaurar áreas que foram degradadas, em qualquer bioma (Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado), em qualquer região do país. Restaurar e fazer plantio de árvores em áreas urbanas e rurais, usar menos agrotóxicos e praticar mais a agroecologia, usar mais transporte público e menos o carro (para emitir menos CO2). A mera substituição de gasolina por etanol nos veículos não é uma solução definitiva; é uma transição para uma sociedade que emite menos carbono. Mas o que precisamos mesmo é de mais transporte público e cada vez depender menos do transporte individual.
Devemos ainda exigir que o poder público tenha políticas eficientes e efetivas que diminuam a pegada ecológica da sociedade brasileira, ou seja, que seja mais eficiente no uso dos recursos naturais e que comece a preservar mais e a restaurar o que foi degradado. E precisamos também olhar para o que chamamos de pegada de carbono: quanto que cada família, cada residência consome de recursos naturais e, portanto, quanto pode mudar nos seus hábitos de consumo.
Mobilizadores COEP ? Em termos de políticas públicas, é possível citar exemplos que poderiam ser implementadas sem muito esforço, tanto nos municípios, quanto nos estados?
R. No que se refere à questão da água: em muitos municípios, não há hidrômetros, ou seja, um medidor de consumo de água. É muito importante que as companhias de água e saneamento facilitem a instalação de hidrômetros, pois está provado no mundo todo que isso diminui o desperdício. Assim, por um lado, é bom para o bolso das pessoas; por outro, é bom também para a sociedade e para o meio ambiente, pois significa não ter que explorar novos mananciais de água e causar menor impacto no ambiente. Na questão de energia, especialmente no Sul e no Sudeste do Brasil, usa-se intensamente água quente para tomar banho. Portanto, usa-se muita energia. É possível mudar códigos de obras dos municípios para garantir que, em vez de instalar chuveiros elétricos, as construtoras possam começar a instalar equipamentos que usam energia solar para aquecer a água, poupando energia elétrica ou de gás em vários dias do ano.
Se o planeta se aquecer em média 2 graus Celsius ao longo das próximas décadas, no Nordeste as temperaturas poderão ser de 4 a 6 graus maiores do que são hoje, em média. Isso significa que, para andar nas ruas, as pessoas precisarão de sombra. E, se quisermos ter sombra em 2040, precisa-se começar a plantar árvore agora, porque elas demoram de 20 a 30 anos para crescer. Para plantar árvore agora, as prefeituras precisam começar campanhas de conservação, e até de transformação da calçada, da via pública. Tem espaço para prefeituras e vereadores mudarem a legislação para permitir aos cidadãos e cidadãs que eventualmente quebrem calçadas [para plantar árvores].
Precisamos de grandes campanhas que ajudem não só a urbanização dentro das cidades, mas no entorno, para garantir que tenhamos água suficiente daqui a 20, 30 anos. Se a temperatura aumenta, os mananciais podem, ainda mais com o desmatamento, se perder. Precisamos de um grande esforço de restauração dos serviços ambientais para garantir que tenhamos água, conforto térmico e, inclusive, alimentos, que possamos produzir, junto com o esforço de restauração de ecossistemas, com técnicas como agroecologia e composição da paisagem.
Podemos também, inclusive por opção individual, mudar práticas de consumo, começar a fazer reciclagem de garrafas de refrigerantes e embalagens de leite, juntando tudo, por exemplo, em uma escola da comunidade a fim de construir equipamentos de baixo custo para aquecimento solar de água [o Mobilizadores COEP fez uma entrevista com o inventor desta técnica, José Alcino Alano, publicada aqui]. Esses são pequenos exemplos do que pode ser feito para poupar os recursos naturais ou para usar de forma mais eficiente, seja a água, seja a energia, seja o que vem da floresta e da agricultura.
* A Pegada Ecológica foi criada para calcular o quanto de recursos da natureza utilizamos para sustentar nosso estilo de vida. Assim, por meio de um simples cálculo, podemos saber se nossa forma de viver está de acordo com a capacidade do planeta em oferecer, renovar seus recursos e absover os resíduos que geramos.Vídeo da entrevista com Rubens Born – parte 1Vídeo da entrevista com Rubens Born – parte 2Vídeo da entrevista com Rubens Born – parte 3
Entrevista concedida a: Maria Eduarda MattarEdição: Eliane Araújo
Boa noite todas as noites a todos.
Parabéns pela escolha do mestre Rubens Born.
Existe condição dos Srs. eviarem para o meu e-mail o “Vídeo da entrevista do Mestre – parte 2?, pois eu não consegui abrir e não assisti.
Sobre as opiniões e considerações, já estão em cada parte dos vídeos 1 e 3 do Mestre Rubens Born; se possível também gostaria de ter comentários de minhas opiniões de todos os participantes, de importante iniciativa e tema para discurção.