A coordenadora da Oxfam Internacional no Brasil, Kátia Maia, fala sobre o relatório “O Direto de Sobreviver”, lançado pela entidade em abril. O documento mostra que os eventos ou incidentes climáticos serão muito mais destrutivos e fatais para as pessoas que vivem na pobreza, e aponta a necessidade de se aumentar a ajuda humanitária para proteger as populações vulneráveis dos efeitos das mudanças climáticas.
A Oxfam elegeu trabalhar ao longo de 2009 com o tema mudanças climáticas e pobreza. Entre as diversas ações que vem promovendo, está o apoio à ao segundo eixo da pesquisa ?Mudanças Climáticas, Desigualdades Sociais e Populações Vulneráveis no Brasil: Construindo Capacidades?, que está sendo implementada por meio de uma parceria do COEP e do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG) com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CERESAN/UFRRJ). O segundo eixo da pesquisa vai verificar como as ações empresariais no campo da responsabilidade social e ambiental consideram a temática mudanças climáticas e pobreza.
Mobilizadores COEP – Por que a Oxfam escolheu trabalhar com o tema da relação entre mudanças climáticas e pobreza?
R.: Escolhemos trabalhar com este tema a partir da constatação de que as duas dimensões estão muito interligadas. No relatório “A redução do risco de desastres: revisão mundial”, de 2007, as Nações Unidas já indicavam que mais pessoas serão vulneráveis a desastres naturais devido à pobreza e ao local em que moram. A pobreza torna as pessoas sensivelmente mais vulneráveis às mudanças climáticas. Como a Oxfam sempre trabalhou no combate à pobreza e em ações de ajuda humanitária, percebemos que este era um tema que não poderíamos ignorar, tanto pela sua importância, quanto pela sua atualidade.
Mobilizadores COEP – De que forma os dois temas estão relacionados nos dias de hoje?
R.: A combinação de mudanças no clima com a situação de pobreza aumenta cada vez mais a vulnerabilidade das pessoas a desastres naturais. Essa combinação nos permite prever que haverá um acréscimo substancial no número de pessoas precisando de ajuda humanitária em um futuro próximo, como destaca o relatório “O Direto de Sobreviver”, lançado pela Oxfam em abril deste ano. E isso é preocupante. A combinação desses fatores é, em si, um desastre. O número crescente de eventos ou incidentes climáticos será muito mais destrutivo e fatal para as pessoas que vivem na pobreza. Por toda a Ásia, África e Américas, o intenso processo de expansão e urbanização observado em cidades como Jacarta, Lagos e Porto Príncipe, para não falar das capitais brasileiras, força pessoas a morar em áreas marginais sujeitas a enchentes e a outros desastres climáticos. Um dado da Federação da Cruz Vermelha demonstra isso: em média 23 pessoas morrem em desastres naturais nos países ricos, enquanto a média de mortes nos países em desenvolvimento é 40 vezes maior: 1.052 pessoas mortas.
Mobilizadores COEP – E no futuro? As mudanças climáticas tendem a aprofundar as condições de pobreza?
R.: Análises feitas no relatório da Oxfam revelam que, em apenas seis anos, o número de pessoas afetadas por crises climáticas deve aumentar 54%, de 250 milhões para 375 milhões. À medida que os números de desastres naturais aumentarem (e essa é a tendência), mais e mais pessoas passarão a viver em áreas impactadas por possíveis desastres, causando pobreza contínua e desigualdade, num ciclo vicioso. O número de pessoas mais vulneráveis tende a aumentar, primeiro, entre outros fatores, porque mais pessoas estarão vivendo em favelas urbanas, em terras precárias ou inseguras. Segundo, porque as áreas rurais ficarão mais pressionadas pela combinação de secas, densidade populacional e demanda crescente por carne e produtos derivados de leite nas economias emergentes, ocasionando um cenário de acesso insuficiente a alimentos.
Em terceiro lugar, as alterações no clima, a degradação ambiental e os conflitos podem causar desabrigados que são subtraídos de seus meios de vida, seus bens, suas famílias e suas relações sociais, tudo em que normalmente se apóiam. Algumas estimativas sugerem que, até 2050, um número próximo de 1 bilhão de pessoas serão forçadas a mudar de suas casas. Ainda pensando no futuro, a crise econômica global pode aumentar o desemprego e minar as redes de segurança social causando, em alguns países, um quadro de novas e maiores necessidades humanitárias.
Mobilizadores COEP – Que conseqüências esse cenário pode ter?
R.: Algumas dessas mudanças no clima vão aumentar as possibilidades e a ameaça de novos conflitos. Com isso, veremos mais pessoas refugiadas e, na esteira, haverá necessidade de mais ajuda humanitária. Um estudo de 2007, chamado “Um clima de conflito: os vínculos entre a mudança climática, a guerra e a paz”, da organização Alerta Internacional, aponta que 46 países enfrentarão riscos altos de conflitos violentos quando as mudanças climáticas exacerbarem as tradicionais ameaças de segurança. É verdade que, no geral, o número de conflitos caiu recentemente, mas poucas evidências indicam que essa tendência vá continuar. A ameaça de novas regras, a falência de precários acordos de paz, a exploração política sobre a pobreza e a desigualdade e o impacto desestabilizante das mudanças climáticas geram dúvidas se o número de conflitos continuará caindo. Todas essas ameaças podem criar novos e sérios desafios e, paralelamente, conflitos que já perduram há longo tempo podem gerar novas demandas humanitárias.
Mobilizadores COEP – O que precisaria ser feito para mudar este quadro? Qual o papel dos países pobres e dos países ricos neste contexto?
R.: Os países pobres podem tomar muitas medidas para fazer frente aos efeitos de tempestades e enchentes, desde que tenham vontade política. Bangladesh, Cuba e Moçambique investiram maciçamente em medidas de proteção para suas populações e estão perdendo menos vidas por causa de desastres naturais do que outros países igualmente pobres. Com uma ajuda adicional de nações ricas, países mais vulneráveis poderiam seguir esses exemplos. Os países ricos, por sua vez, teriam que incrementar e melhorar a ajuda humanitária, aumentando sua eficácia. Em 2006, os países desenvolvidos destinaram U$ 14,2 bilhões à ajuda humanitária. Mas Seriam necessário, no mínimo, U$ 25 bilhões anuais, o equivalente a U$ 50 dólares por pessoa, uma quantidade insuficiente, para cobrir todas as necessidades básicas dos afetados.
Para fazer frente a esse aumento no número de pessoas afetadas nos próximos anos, a Oxfam estima que os governos dos países ricos precisariam disponibilizar pelo menos US$ 50 bilhões por ano ? além de seus atuais orçamentos de ajuda humanitária ? para auxiliar as pessoas a se proteger das mudanças climáticas. Com esse objetivo em vista, será necessário desenvolver culturas tolerantes a secas ou enchentes, garantir uma melhor infra-estrutura, construir pontes e estradas em áreas sujeitas a enchentes ou fortalecer edificações para que não desmoronem diante de um número crescente de furacões e tempestades. Em paralelo, os países ricos devem liderar a mitigação do impacto das mudanças climáticas. Em função de suas responsabilidades pelas emissões de gases que causam efeito estufa e também por sua capacidade de aportar recursos, eles devem cortar suas emissões para que o aquecimento do planeta não ultrapasse a média de 2º C até o final do século.
Mobilizadores COEP – Que outros dados traz o relatório “O Direito a Sobreviver”, produzido pela Oxfam?
R.: O relatório diz que, em 2015, um nível sem precedentes de necessidades humanitárias pode superar a capacidade de ajuda internacional. Atualmente, 250 milhões de pessoas são afetadas por desastres naturais e, até 2015, esse número terá aumentando em aproximadamente 50%, chegando a 375 milhões de pessoas afetadas. O estudo adverte também que o atual sistema internacional de resposta humanitária será incapaz de fazer frente a estas novas crises, a menos que haja o investimento financeiro necessário e uma melhor destinação e gerência dos recursos. O texto menciona que uma proporção grande da ajuda humanitária é inadequada e se encontra mal orientada: é escassa, tardia ou de qualidade medíocre, e não se concentra nas necessidades concretas dos diferentes grupos afetados.
Ainda segundo o relatório, o mundo deve mudar a forma como presta assistência humanitária. Primeiro, para ajudar a construir a capacidade de resposta a desastres nos próprios países em desenvolvimento. Segundo, para torná-lo mais justo: o sistema internacional de ajuda humanitária deveria atuar rápida e imparcialmente depois de cada desastre, investindo fundos e esforço, de forma transparente, que correspondam aos níveis de necessidade que se está atendendo. Muitas vezes a ajuda humanitária é dada de acordo com critérios políticos ou com outras preferências, tornando-a injusta.
Mobilizadores COEP – Quais os principais objetivos de mobilização da Oxfam para esse ano?
R.: Queremos apoiar o trabalho que muitas organizações brasileiras vêm desenvolvendo, contribuindo para que dêem prioridade aos impactos humanos causados pelas mudanças climáticas. Acreditamos no protagonismo dos movimentos sociais e das ONGs no Brasil, nos processos de melhoria das condições de vida de grupos populacionais que se encontram em situação de pobreza. Além disso, estamos nos aproximando dos meios de comunicação para que aspectos econômicos, políticos e sociais relacionados com as mudanças climáticas recebam a necessária atenção e possam ser analisados com a devida complexidade que apresentam.
Estamos também empenhados para que esse conjunto de esforços que está em andamento no Brasil contribua para que os países cheguem a um acordo justo na reunião das Nações Unidas que será realizada, em dezembro próximo, em Copenhague, chamada de COP-15. Entre outras medidas, urge acordar que o aquecimento do planeta não passe de 2º C, do contrário as consequências para a humanidade serão dramáticas.
Mobilizadores COEP – Qual é a importância da parceria da Oxfam com o COEP?
R.: O COEP é um parceiro natural da Oxfam Internacional devido a seu histórico compromisso com o combate à fome e à miséria no Brasil. Entendemos que, hoje, mais do que nunca, o COEP tem o papel fundamental de promover o debate público sobre as perversas relações entre mudanças climáticas e pobreza no país. Mais do que isso: o COEP pode contribuir para a realização de ações concretas que minimizem os impactos da mudança do clima em populações vulneráveis.
Assim, por exemplo, o Comitê, ao contar entre seus associados com centenas de organizações – públicas e privadas ? localizadas em todas as regiões do país, pode influenciar o desenho e a implementação de políticas públicas, tanto locais como nacionais, que não somente ajudem a prestar assistência às populações afetadas pelas mudanças climáticas, como também ajudem a diminuir a emissão dos gases de efeito estufa que resultam no aquecimento global. Além disso, graças a capilaridade e a experiência impares adquiridas pelo Comitê ao longo de seus 16 anos de existência – por intermédio da Rede de Comunidades e da Rede de Mobilizadores -, muitas ações concretas podem ser empreendidas por todo o país. É no trabaho direto com as comunidades e com as pessoas que o COEP pode ajudar milhares daqueles que serão duramente atingidas por enchentes, secas ou outras catastrofes climáticas.
Entrevista concedida a: Maria Eduarda MattarEdição: Eliane AraujoFoto da chamada: Manifestante da Oxfam participa de protesto por justiça climática em evento da ONU em Bonn, Alemanha – Crédito: Judith Orland – Fonte: Oxfam/Flickr
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.