Somos 47.238 em 27 estados
e 1.874 municípios
  • Login
  • Seja um mobilizador
  • Contato
    • A A A
Busca avançada

Entrevistas

Participação, Direitos e Cidadania

Mulheres hoje são sujeitos de direitos, mas ainda lutam por autonomia

17 de março de 2014

A luta feminista tornou as mulheres sujeitos de direito, sem vínculo jurídico com pai ou marido, e permitiu a elas acesso ao estudo, voto, trabalho, vida social. Mas, as mulheres ainda têm diante de si o desafio de mudar práticas sociais para que seus direitos sejam efetivados, especialmente no que diz respeito à autonomia em relação aos seus corpos e ao combate à violência.

Isso é o que aponta, nesta entrevista, Cynthia Semíramis Machado Vianna. Advogada e doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, ela dedica-se, desde 2004, à educação e pesquisa em direitos humanos e combate a discriminações. Seu objeto de estudo são os direitos humanos das mulheres, destacando-se especialmente a história dos direitos das mulheres, controle jurídico da sexualidade feminina, violência contra mulheres, e atuação da mídia em relação a mulheres. Mantém o blog Cynthia Semíramis –
feminismos e direitos humanos, onde divulga diversos textos e reflexões sobre a luta das mulheres.

 

Rede Mobilizadores – No que se refere aos direitos das mulheres, em que pontos houve avanços e quais os principais desafios nos dias de hoje?

R.: Os avanços vieram, principalmente, em reconhecer mulheres como sujeitos de direito, sem precisarem estar vinculadas juridicamente a um pai ou marido. Assim, mulheres obtiveram diversos direitos relacionados à igualdade: estudo, voto, trabalho, vida social. Dois outros direitos importantes foram obtidos também: o divórcio e a guarda dos filhos. Os desafios hoje são efetivar as conquistas jurídicas (afinal, não basta a lei declarar a igualdade, é necessário modificar as práticas sociais para que os direitos sejam efetivados), impedindo desigualdade e discriminação.

Nesse sentido, se destacam a questão da autonomia do corpo (especialmente em relação ao direito ao aborto) e o combate à violência contra mulheres (que, sob certos aspectos, tem relação com o desrespeito à autonomia das mulheres, como nos casos de violência e morte por terem se recusado a continuar relacionamentos).

 

Rede Mobilizadores – Qual a diferença entre o movimento feminino e o movimento feminista? Quais as principais bandeiras do feminismo no Brasil hoje?

R.: O movimento feminista é um movimento político que questiona o status das mulheres na sociedade, procurando promover a igualdade de direitos em relação aos homens (que são o paradigma de direitos). Movimentos femininos, ou de mulheres, nem sempre têm essa preocupação de questionar e procurar obter a igualdade de gênero. Muitas vezes, dedicam-se a uma luta específica e circunstancial, como foi o caso das “fiscais do Sarney” na época da hiperinflação: elas questionavam os preços, mas não problematizavam questões estruturais que o movimento feminista aponta, como o status social exclusivamente das mulheres como cuidadoras e alimentadoras e o foco nas mulheres como fiscalizadoras da lei.

 

Rede Mobilizadores – Tem se dito que atualmente não há mais um feminismo, mas feminismos, ou seja, vários grupos com uma visão particular e estratégias próprias em busca de mais igualdade. Qual sua opinião sobre isso?

R.: A legislação trata homens e mulheres de forma genérica e universalista. Este é um problema, porque não existe “o homem” nem “a mulher”: existem pessoas com diversas características e que vivem situações que variam de acordo com idade, raça, etnia, classe social, orientação sexual, identidade de gênero, religião e outros marcadores de diferença. Não reconhecer essas diferenças faz com que se pense sempre num ser humano genérico branco, de classe média, cristão, heterossexual (o famoso “cidadão médio”), que invisibiliza e discrimina a grande gama de pessoas que não estão dentro desse padrão. Políticas públicas e leis devem ser pensadas para reconhecer essas diferenças e abordá-las de forma a não ampliar nem gerar discriminação. É nesse sentido que falamos de feminismos, pois torna visíveis questões importantes que atingem a vida das mulheres que não estão contempladas no ideal genérico de mulher.

 

Rede Mobilizadores – Mesmo depois de sete anos da edição da Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres persiste. Entre 2000 e 2010, 43,7 mil mulheres foram assassinadas no país. Quais os principais problemas em relação à aplicação da lei? Em que pontos o país precisa avançar para mudar esse quadro?

R.: Nenhuma nova lei, ou a previsão de penas altíssimas, por si só, fazem o milagre de inibir crimes. O que é importante é realmente aplicar a lei. Quanto mais a lei Maria da Penha for aplicada para punir agressores, mais homens – pois eles são a maioria dos agressores – terão receio de agredir, pois saberão que serão punidos. Mas pra isso é preciso modificar a cultura que considera mulheres como necessariamente subordinadas aos homens, o que resulta em uma equivocada política de tolerância às agressões e até à morte de mulheres. O que temos visto nestes anos de lei Maria da Penha é que há um grande receio do Judiciário em aplicar a lei, muitas vezes utilizando posicionamentos machistas (e inconstitucionais) para legitimar agressões, deixando a vítima de violência desamparada.

É necessário amparar juridicamente a vítima de violência familiar (inclusive por meio de serviços de advocacia e defensoria pública específicos para esse tipo de atendimento) e incentivar essa mulher a denunciar, pois há respaldo legal suficiente para resolver esses casos. É importante também, paralelamente, reforçar o atendimento psicológico às mulheres vítimas de violência e a seus familiares, inclusive aos agressores.

O atendimento psicológico auxilia a mulher a lidar com a pressão tanto para denunciar quanto para desculpar o agressor, além de se fortalecer para não se submeter a outros relacionamentos abusivos. Familiares são beneficiados pelo apoio psicológico para que não pressionem a vítima a tomar atitudes prejudiciais a si mesma, além de aprenderem a não ser coniventes com a violência. E agressores precisam de atendimento específico inclusive a Lei Maria da Penha prevê reeducação para agressores, e essa é uma parte da lei que deveria ser implementada com maior atenção) para que modifiquem seu comportamento e não façam novas vítimas em futuros relacionamentos.

A cultura machista precisa acabar, e nesse sentido, a lei Maria da Penha é um avanço fundamental para se visibilizar e discutir direitos das mulheres. A partir dessa lei se tornou muito mais fácil discutir violência doméstica em todas as esferas, e uma de suas consequências foi a capacitação de profissionais de segurança pública para melhor atenderem e encaminharem os casos de violência.

Mas não basta capacitar (e continuar capacitando) policiais. É necessário introduzir disciplinas sobre desigualdade de gênero nas faculdades de direito e cursos para a magistratura, advocacia e Ministério Público. E é necessário criticar o papel da mídia na perpetuação da desigualdade, seja mostrando violência doméstica sem crítica em novelas e noticiários, seja associando ciúme e ameaças do namorado a sentimentos românticos, em vez de caracterizar como violência. Deve-se pontuar também que a abordagem midiática tem sido “lei Maria da Penha é inútil”, quando é uma lei que, mesmo mal aplicada e com falhas, tem sido importantíssima para o combate à violência contra mulheres.

 

Rede Mobilizadores – As mulheres estão muito presentes nas campanhas publicitárias e muitas vezes são retratadas de forma machista e/ou fetichista. Tem sido feito algo para modificar isso? Quais medidas considera necessárias para valorizar e preservar a imagem da mulher?

R.: A mobilização social contra publicidade sexista é bem grande, especialmente com o impacto de redes sociais. Porém, tem se mostrado insuficiente porque anúncios discriminatórios continuam sendo propagados, especialmente os que reforçam papeis de gênero.

Uma medida importante seria capacitar publicitários para terem mais sensibilidade a questões de gênero e minorias. Outra medida seria reformular o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), pois sua estrutura atual facilita a lentidão na apuração de reclamações, o que mantém a publicidade discriminatória no ar e torna inócua qualquer medida punitiva do órgão.

 

Concedida a: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa

Compartilhar:
Imprimir: Imprimir

Conteúdo relacionado

  • Estão desmontando o Sistema de Segurança Alimentar, diz ex-presidente do Consea
  • Jovem moradora do Semiárido retrata em poesia sua relação com a água
  • Comunidade do semiárido alagoano se une para instalar internet
  • Comunidade de Barreiros (PB) se une para enfrentar efeitos da escassez de água
  • Interação entre universidades e organizações pode fortalecer comunidades
  • Formação de qualidade para o trabalho é desafio para jovens de periferias

Deixe um comentário Cancelar resposta

Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Comentários



Apoiadores


Realizador