Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida como Amelinha Teles, é coordenadora do Projeto de Promotoras Legais Populares e ativista dos movimentos feminista e de direitos humanos desde os anos 1970. É autora de diversos livros, entre eles ?O que são direitos humanos das mulheres? (Brasiliense, 2006); ?Breve História do Feminismo no Brasil? (Brasiliense, 1993) e ?O que é violência contra a mulher? (Brasiliense, 2002), em parceria com Mônica de Melo. Nesta entrevista, ela explica o que é o Projeto de Promotoras Legais Populares, como ele surgiu, quem o integra e como tem ajudado as mulheres a efetivar seus direitos.
O nome Promotoras Legais Populares é usado em diferentes países e significa mulheres que trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no combate diário à discriminação. As promotoras orientam, dão conselhos e promovem a função instrumental do Direito no dia a dia de outras mulheres.
Mobilizadores COEP – Em que contexto e com que objetivos surgiu o projeto Promotoras Legais Populares?
R. Foi num Seminário Latinoamericano do Cladem (Comitê de Defesa dos Direitos da Mulher), ocorrido em São Paulo, em 1992, onde foi apresentado o Projeto de Promotoras Legais Populares. Vivíamos um momento de conquistas importantes: em 1988, havia sido promulgada a Constituição Federal que garantia igualdade de direitos entre mulheres e homens e vivamos às vésperas da revisão constitucional. Por outro lado, começava, no plano internacional, a campanha: ?Sem as mulheres os direitos não são humanos?. No entanto, a igualdade conquistada estava, na maioria das vezes, apenas no papel. Nós, feministas, cantávamos nas ruas de São Paulo os seguintes versos: ?Se a igualdade de direitos, só se encontra no papel, nossa luta é pra valer, somos metade do céu.? Havia necessidade de informar as mulheres, de maneira ampla, e esclarecê-las sobre seus direitos e como usar esses mesmos direitos para resolver as questões do cotidiano e conquistar políticas públicas que assegurassem a plena cidadania. Tornar as mulheres empoderadas e capazes de serem formuladoras de políticas de efetivação de direitos. Foi assim que eu e Denise Dora (fundadora do Grupo Themis/RS) decidimos trazer o projeto para o Brasil, o que foi feito com muito sucesso. Tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo e em alguns outros estados brasileiros, o projeto se desenvolveu de forma organizada, mobilizadora e entusiástica.
Mobilizadores COEP – De que forma o projeto contribui para o acesso das mulheres à justiça? Qual é a situação desse acesso atualmente?
R. De diversas formas: o projeto facilita o acesso à justiça, seja pelo conhecimento dos direitos, seja por mais conhecimento dos serviços públicos e de organizações não-governamentais que favorecem encontrar caminhos de justiça, seja pelo encorajamento dado por todas as pessoas envolvidas no projeto. Mas, principalmente, pela mudança de atitude das mulheres que passam a se sentir mais confiantes e com maior auto-estima. Atualmente, o principal trabalho está voltado para implementação da Lei Maria da Penha, uma grande conquista legal.
As barreiras são muitas. Tem sido difícil o diálogo com responsáveis por serviços públicos, como delegacia de polícia, entre outros, que valorizam muito pouco ou quase nada a palavra da vítima. Também faltam equipamentos sociais que possam reduzir a sobrecarga das mulheres, tais como creche, casa abrigo e centros de referência, etc. É evidente que as desigualdades de gênero têm sido a grande dificuldade para compreender tanto a importância do projeto de Promotoras Legais Populares como a necessidade de se implementar políticas públicas de equidade de gênero.
Mobilizadores COEP – Como e onde projeto está sendo implantado? Qual é a metodologia de capacitação das Promotoras Legais Populares?
R. O Projeto se desenvolve em 20 municípios paulistas e nas capitais de São Paulo e do Amazonas. No estado de São Paulo, são 4 mil Promotoras Legais Populares formadas. A metodologia é dialógica, buscando a maior participação das integrantes. São realizadas palestras, oficinas, exibição de filmes, trabalhos de grupo, estudo de casos, visitas a delegacias de polícia, Defensoria Pública, hospital da mulher, centro de referência da mulher, Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Mobilizadores COEP – Qual é o perfil das Promotoras Legais Populares participantes deste projeto e que mudanças essa formação traz para a vida pessoal das mulheres?
R. De um modo geral, todas as mulheres são das camadas populares e da periferia. Muitas estudam e fazem o 3º grau em faculdades particulares, principalmente Serviço Social, mas há outras que são vendedoras ambulantes, faxineiras ou agentes de saúde. Muitas são mães e têm entre 30 a 40 anos, mas há também jovens de 16 anos e mulheres mais velhas, com 65 anos ou mais.
Mobilizadores COEP – Como é a atuação das Promotoras Legais Populares?
R. As Promotoras Legais Populares atuam em comunidades, sindicatos, escolas e, de um modo geral, elas informam as outras mulheres sobre os direitos e os serviços que devem ser procurados para efetivar seus direitos. Organizam manifestações para reivindicar direitos e participam de movimentos que possam fortalecer suas lutas. Elas enfrentam como maiores dificuldades a falta de políticas públicas eficientes e a falta de informações.
Mobilizadores COEP – A Lei Maria da Penha alterou essa atuação das Promotoras Legais Populares? De que forma?
R. Alterou tanto que houve até a necessidade de se fazer um desdobramento do projeto, organizando um curso somente sobre a Lei Maria da Penha. Trouxe um clima de maior ânimo para as mulheres lutarem por seus direitos e possibilitou o primeiro Encontro Nacional de Promotoras Legais Populares só para tratar da Lei Maria da Penha.
Mobilizadores COEP – Que resultados a experiência das Promotoras Legais Populares já alcançou? Quais são as principais demandas para o fortalecimento desta atuação?
R. São muitos os resultados bons, a começar pela revogação da portaria que proibia as mulheres de entrarem com calça cumprida no Supremo Tribunal Federal (STF). Isto ocorreu em 1996, no dia 16 de outubro, quando as primeiras turmas foram visitar o STF. O primeiro caso de reconhecimento do estupro no local de trabalho como acidente de trabalho foi devido às Promotoras Legais Populares. A criação do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Estado de São Paulo foi impulsionado pelas Promotoras Legais Populares que fizeram um abaixo-assinado com 2.200 assinaturas entregue ao Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP)
Mobilizadores COEP – Quem são os parceiros do projeto?
R. A iniciativa foi da União de Mulheres de São Paulo. As entidades parceiras são: Movimento do Ministério Público Democrático, Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Coletivo Feminista Dandara, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, algumas prefeituras municipais, organizações de mulheres, entre outras.
Saiba mais sobre o Projeto Promotoras Legais Populares visitando o site.
Entrevista concedida à: Danielle BittencourtEdição: Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.