Um outro tipo de desenvolvimento, que concilie crescimento econômico, com prudência ecológica e justiça social, épossível e necessário. É isso o que nos mostra, nessa entrevista,o professor Ednaldo Michellon, do Departamento de Agronomia e doPrograma de Mestrado em Economia, da Universidade Estadual de Maringá.Segundo ele, asociedade tem que mudar para queo serseja mais importante que o ter.Mobilizadores COEP: O que te levou a estudar o tema Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável? R. A motivação para estudar Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável tem sido a preocupação constante com as reais possibilidades de construir outro modelo de desenvolvimento, que seja menos agressivo ao meio ambiente e sustentável do ponto de vista econômico, ecológico e social. Trabalhamos a questão do manejo integrado de solos e águas em microbacias hidrográficas, em nossa tese de doutorado ?Políticas públicas, mercado de terras e o meio ambiente: o caso do Paraná Rural?, defendida, em 2002, na Universidade de Campinas.Mobilizadores COEP – O que é o Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS)? Ele é possível? R. Diz-se que um processo ou atividade é sustentável quando tem a capacidade de se manter através do tempo. Este é o conceito de sustentabilidade adotado pela agricultura ecológica e pelo desenvolvimento rural sustentável. Pois, em tese, a natureza funciona em ciclos que garantem a sustentabilidade de todos os processos necessários à manutenção da vida. Entretanto, nos últimos séculos, o ser humano provocou alterações profundas no meio ambiente, colocando em risco a sobrevivência de muitas espécies, inclusive a sobrevivência da espécie humana. Todavia, as preocupações com o desenvolvimento sustentável são recentes, e vieram na esteira dos fóruns mundiais de ecodesenvolvimento. Até a RIO 92 eram duas as grandes posições quanto ao problema ambiental: a dos neomalthusianos e a dos cornucopianos. Os neomalthusianos são o pessoal do relatório do Clube de ROMA, que pregava o crescimento zero para não implodir o planeta Terra, na linha de Thomas Robert Malthus (1766 – 1834), e sua máxima era: A população cresce em progressão geométrica e a produção de alimentos cresce em progressão aritmética. Ou seja, existia a preocupação dos países em desenvolvimento que a questão ambiental pudesse prejudicar seu esforço de crescimento econômico. Os cornucopianos são aqueles que acreditam que a ciência e a tecnologia darão solução para todos os problemas ambientais, por isso, ficam ?deitados em berço esplêndido? baseados nessa profissão de fé. Daí serem chamados também de pessoal do Tecnocentrismo. Em outras palavras, esse é o desafio de nosso tempo: construir a sustentabilidade em todas as esferas da vida. E, nesse sentido, agroecologia é o novo paradigma que está sendo engendrado como necessário à manutenção da vida, e na promoção do desenvolvimento rural sustentável. Entretanto, o Paradigma Agroecológico não pode ser concebido apenas como interação de fatores eco-bio-físico-climáticos, pois não é possível separar o ser humano do mundo. Logo, estão presentes também os fatores socioeconômicos, políticos e culturais, isto é, o ser humano deve estar inserido com destaque no conceito de Agroecologia. Assim, o grande desafio do desenvolvimento sustentável é conciliar crescimento econômico, com prudência ecológica (solidariedade inter-gerações) e justiça social (solidariedade intra-gerações). Portanto a sociedade tem que mudar: o ser deve ser mais importante que o ter; o caráter deve ser mais importante que o carisma; e o relacional deve ser mais importante que o funcional. Por sua vez, a aplicação dos princípios da agroecologia, há pouco tempo atrás, era mais difícil de ser realizada. Mas, hoje, através do interesse das universidades e centros de pesquisa, é possível desenvolver o meio rural de forma sustentável, através de projetos em parcerias e pela capacitação dos profissionais nessa área. Mobilizadores COEP – Qual tem sido sua experiência na aplicação prática dos conceitos que mencionou?R. Tenho ministrado palestras e cursos de Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS e de Formação de Agentes de Desenvolvimento, entre outros, nos quais discutimos essas questões. Nestes cursos, ministro o módulo para responder à questão do atual estágio da arte, ou seja, do neolítico aos transgênicos, na perspectiva do Desenvolvimento Sustentável, com ênfase para o surgimento do moneycentrismo. Nos dois últimos anos tenho tido contato direto com grupos de agricultores, que estão procurando aperfeiçoamento na produção orgânica, através do projeto ?Parceiros Orgânicos do Noroeste do Paraná?, desenvolvido pela Fundação Maytenus, em parceria com as associações de produtores, UEM, Emater, Sebrae, Senar e outras instituições envolvidas no Pró-Amusep (Programa de desenvolvimento do território da Associação dos Municípios de Setentrião Paranaense), de cujo Comitê Gestor fazemos parte. Nas duas atividades, meu envolvimento é mais voltado para as questões teóricas do desenvolvimento. No caso dos agricultores, existe o trabalho aplicado à produção em si, mas que é exercido por outra parte da equipe. Mobilizadores COEP – Como podemos trabalhar a agricultura familiar voltada para a inclusão social?R. O governo Lula tem dado grande ênfase às políticas de inclusão social em geral, e em particular àquelas que estão no entorno da agricultura familiar. O Estado tem entendido o seu papel como formulador de políticas de inclusão social, e isso têm sido fundamental para esse momento novo do setor. O ponto principal dessa política é o Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), que hoje está incluindo no programa os quilombolas (já foram identificados mais de dois mil remanescentes), indígenas, ribeirinhos e outros grupos que estavam à margem do processo de produção. Em 1996, quando foi criado o Pronaf, o investimento era de R$ 200 milhões, e hoje, a estimativa é de investir R$ 10 bilhões. Além disso, pessoalmente é preciso se envolver nos projetos que contribuam para a implantação da Democracia Solidária como alternativa para a construção de uma sociedade mais sustentável que a atual (conceito que cunhamos em nosso livro ?O dinheiro e a natureza humana: como chegamos ao moneycentrismo??, que fala sobre o dinheiro e a natureza humana). Mobillizadores COEP – Em que aspectos as comunidades podem ser beneficiadas num desenvolvimento rural sustentável? R. Na sustentabilidade em sentido amplo, ou seja, na produção mais equilibrada e sem tantos sobressaltos, na saúde, na alimentação sem contaminação por toda sorte de resíduos químicos. Além disso, é preciso criar formas alternativas de comercialização para fugir das armadilhas do sistema de mercado presente na produção comercial que só visa o lucro pelo lucro, que é o caso dos grandes supermercados e dos atravessadores (pessoas ou empresas que compram os produtos dos agricultores por um preço baixo e vendem por preços altíssimos). É possível tentar reconstruir outros laços de companheirismo e amizade, como a formação de associações e cooperativas, para uma produção mais voltada para a vida e menos para o moneycentrismo.