A fotógrafa portuguesa Elisabete Maisão dos Santos percorreu diversos campos de refugiados na Europa, entre novembro de 2015 e janeiro de 2016. A ideia inicial era apenas fotografar cortes de cabelo feitos pela amiga Sabrina que participa com ela da iniciativa HairCultproject. Mas, logo ela se sentiu impelida e dar sua contribuição para ajudar os refugiados que enfrentavam condições bastante adversas em pleno inverno europeu.
Assim, os poucos dias inicialmente planejados estenderam-se por um período de três meses: um mês no campo de Calais, no norte da França, e dois meses percorrendo vários campos de refugiados, na Bélgica, Alemanha, Áustria, Eslovênia, Croácia, Sérvia e Macedônia, até que chegou a Lesbos, na Grécia, local de desembarque na Europa para milhares de refugiados.
De volta a Portugal, Elisabete decidiu fazer uma exposição das fotografias que documentam o drama vivido pelos refugiados e leiloar algumas fotos na tentativa de angariar recursos para retornar ao campo de Idomeni, na Grécia, onde milhares de refugiados se encontram bloqueados, em situações desumanas.
A mostra “Cartas para Refugiados” foi realizada, de 9 a 22 de abril, na Lx Factory, em Lisboa. Os visitantes foram convidados a deixar cartas para os refugiados, em forma de texto, desenho ou imagem.
Nessa entrevista, ela conta um pouco do que vivenciou e do impacto que lhe causou o drama de tantas pessoas, cujas histórias pode conhecer mais de perto.
Rede Mobilizadores – O que a motivou percorrer diversos campos de refugiados na Europa? Quanto tempo permaneceu e em que lugares esteve?
R.: Fui para Calais (no norte da França) no inicio de novembro de 2015, com uma amiga francesa, Sabrina, com que desenvolvo o projeto HairCultproject, que visa recolher cenas da cultura do cabelo a volta do mundo. Tivemos a ideia de ir para Calais, desta vez para oferecer cortes de cabelo aos refugiados.
Quando chegamos, conseguimos formar equipes de voluntários e refugiados, pois aqueles que eram cabeleireiros rapidamente se juntaram ao projeto. Passamos quatro dias oferecendo cortes de cabelos a todos os interessados no campo.
Durante esses dias, a minha tarefa foi só a de fotografar toda a ação, mas sentia-me pouco útil. Então, decidi ficar dois dias só como voluntária para a ONG L’auberge des Migrants e foi aí que tudo mudou. As perceber a ajuda que estas pessoas precisam diariamente, não consegui mais sair e acabei ficando um mês seguido no campo de Calais.
Eu via que as mesmas pessoas com quem havia passado os primeiros quatro dias, estavam agora na fila por duas ou três horas, pela manhã, para tomar uma ducha de 6 minutos, e numa fila semelhante, na parte da tarde, para adquirir um prato de comida. Ficou óbvio pra mim que não podia abandonar o barco. De repente nada era mais importante do que ajudar estas pessoas, e decidi ficar por tempo indeterminado ou até o dinheiro se esgotar. Fui convidada pela ONG para fotografar e passei um mês entre o trabalho voluntário e a produção de fotografias dentro do campo.
as mesmas pessoas com quem havia passado os primeiros quatro dias, estavam agora na fila por duas ou três horas, pela manhã, para tomar uma ducha de 6 minutos, e numa fila semelhante, na parte da tarde, para adquirir um prato de comida.
No final do mês, surgiu a ideia de visitar todos os campos de refugiados da Europa e fui numa van cheia de donativos, percorrendo todos os campos da Europa, onde me foi possível entrar, até chegar à ilha de Lesbos, na Grécia. Esta viagem durou dois meses.
Rede Mobilizadores – Que tipo de atividades desenvolveu como voluntária?
R.: No início, atuei na triagem de roupas e na distribuição de refeições, roupas e calçados. Com o decorrer do tempo, muitas vezes prestava ajuda mais localizada, pois as pessoas já me conheciam e pediam ajuda específica para diferentes situações.
O trabalho nunca para, pois chegam a toda a hora pedidos de ajuda. Equipes de voluntários ficam no armazém organizando os donativos de roupas, calçados, tendas e sacos-cama, etc, enquanto outras equipes fazem a distribuição no campo. Uma outra equipe de construção prepara as estruturas para construir os abrigos de madeira, que substituem as tendas.
No campo, as pessoas estão desesperadas por chegar à Inglaterra e tentam todos os dias formas de atravessar o canal, seja em caminhões, de barco ou trem. A polícia responde com gás lacrimogêneo, o que cria um ambiente de conflito constante.
Rede Mobilizadores – Quais as condições dos campos que visitou e quais as maiores dificuldades vividas pelos refugiados, especialmente mulheres e crianças?
R.: As condições eram terríveis. As pessoas viviam em tendas, em cima de lama, pois no inverno chove muito, principalmente no norte de França. Toda a viagem deles é muito difícil. Era inverno e em muitos países as temperaturas eram de -10ºC, com muita neve. As famílias tinham de carregar as crianças e as trouxas que traziam para se aquecerem na viagem. A higiene era mínima, poucas eram as vezes que tinham acesso a um banho. A comida também era muito limitada, em muitos campos tinham acesso apenas a um lanche frio.
a higiene era mínima, poucas eram as vezes que tinham acesso a um banho. A comida também era muito limitada, em muitos campos tinham acesso apenas a um lanche frio.
O campo de Calais tem vida própria. Apesar de todos os dias chegarem pessoas que ficam em tendas, outros chegaram há meses ou anos e começaram a construir uma pequena comunidade. Uns abriram restaurantes, outros mercadinhos, outros salões de cabeleireiros. Os voluntários chegam com escolas, livrarias, centros de criação artística. O lugar cresce e se transforma a cada dia e juntos arrumam formas de sobrevivência e autossustentabilidade.
Rede Mobilizadores – O que mais a impactou nessa experiência?
R.: Impactou-me toda esta situação estar acontecendo na Europa em 2016. Impacta-me e revolta que a Europa não esteja a ser mais humana e competente nesta situação. Estão a ser gastos milhares de euros fechando fronteiras entre os países que podiam ser gastos a acolher estas pessoas. Impactou-me ver tantos olhares perdidos, de pessoas que fogem da guerra nos seus países, a procura de segurança, e encontram uma situação desastrosa na Europa.
Impacta-me e revolta que a Europa não esteja a ser mais humana e competente nesta situação. Estão a ser gastos milhares de euros fechando fronteiras entre os países que podiam ser gastos a acolher estas pessoas.
No dia 13 de novembro, acordamos com notícias sobre o atentado em Paris e também sobre um incêndio no campo que, de imediato, foi associado erradamente com os atentados. Para nós voluntários ficou claro que a situação iria piorar, com culpabilizações injustas, na tentativa de associar terrorismo com refugiados, quando sabíamos que o incêndio no campo fora devido a uma simples vela que caiu. Este capítulo foi o que me fez desenvolver o projeto “em solidariedade com as famílias das vitimas”, para que as pessoas entendam que os refugiados têm sofrido um drama tão grande ou pior que os parisienses sofreram em Paris.
No início de dezembro, iniciei a viagem para conhecer o trajeto que os refugiados fazem até chegarem à Alemanha, França e outros países do norte da Europa. Começamos em Dunkerke, no norte da França, onde as condições conseguem ser piores do que em Calais. As tendas estavam literalmente em cima da lama, com muito lixo a volta e ratazanas mortas. Pouca era a ajuda que chegava e a polícia tentava impedir essa pouca ajuda. No entanto, havia um ambiente mais familiar, com poucas nacionalidades, a maior parte do Curdisquistão, o que facilita o entendimento e comunicação, e faz com que as pessoas se sintam mais seguras.
De lá, seguimos para Bruxelas, onde os refugiados são recebidos de forma mais organizada e raramente dormem na rua. Grupos de voluntários distribuem comida através de grandes organizações ou ações independentes. Visitamos um centro de acolhida, com aulas de línguas, distribuição de roupa e comida. No final do dia, os refugiados são encaminhados para casas de acolhida, centros ou igrejas para dormir.
A Alemanha é o país que está recebendo mais e melhor os refugiados, mas foi difícil termos contato com eles. São recebidos em centros de acolhida, pavilhões de escolas improvisados etc. Os locais são lotados de seguranças.
Em Lesbos (Grécia) existem vários campos, com muitos voluntários e organizações não governamentais competentes que desenvolvem um trabalho extraordinário no acolhida. No campo de Moria, o maior de Lesbos, conhecemos um grupo de refugiados do Afganistão e viajamos com eles para Atenas.
A viagem dos refugiados de Lesbos para Atenas é o inicio do apartheid que os refugiados vão viver na Europa. Na entrada do barco, os europeus têm prioridade em relação a eles e dentro do barco têm áreas separadas. Tínhamos exatamente o mesmo tipo de bilhete que um grupo de afegãos, mas fomos dirigidos para uma área separada tipo “vip”. O tratamento era também totalmente diferenciado. A tripulação do barco dava a desculpa de que tínhamos bilhetes diferentes, mas nós sabíamos que havíamos comprado bilhetes iguais. Recusamos essa separação e voltamos para a área comum, confrontando a tripulação do barco, dizendo que xenofobia é ilegal na Europa. Fomos os únicos europeus nesta área, obviamente notados por todos, que vieram aos poucos pedir conselhos e ajuda para a ainda desconhecida aventura na Europa. São muitas as histórias e totalmente diferentes.
A viagem dos refugiados de Lesbos para Atenas é o inicio do apartheid que os refugiados vão viver na Europa.
Pelo lado positivo, me impactou a vontade dos voluntários que desistiram dos seus trabalhos para se dedicarem a esta causa. Impactou-me a generosidade incrível do povo grego na ajuda a estas pessoas. E também a relação dos refugiados e voluntários. Depois desta experiência saímos todos com muitos amigos.
Rede Mobilizadores – Naquilo que pode perceber, como é a relação dos moradores locais com os refugiados? Como a maior parte das pessoas reage?
R.: Depende: na França os locais não se envolviam, estavam revoltados por haver um campo com 6 mil refugiados às suas portas. Na Grécia, a ajuda dos locais é tremenda, muitos acolhem famílias em casa e prestam ajuda diária no campo ou sempre que podem.
Rede Mobilizadores – Como o público de Portugal reagiu à exposição “Cartas para Refugiados”? Quais foram seus objetivos com essa mostra?
R.: O meu objetivo foi angariar fundos para voltar à Grécia, para voluntariar no campo de Idomeni, onde a fronteira foi fechada e milhares de refugiados ficaram bloqueados sem conseguir seguir viagem. A mostra “Cartas para Refugiados” teve excelente aceitação por parte de pessoas que se interessam pelo tema. Porém, muitos são os que pensam que é um assunto que não lhes diz respeito, infelizmente. Mas o balanço foi positivo, consegui angariar o suficiente para voltar e ficar mais um mês a voluntariar neste campo.
Para ler parte do diário de viagem de Elisabete Maisão, clique aqui.
Para doações:
PT50 – 0033 – 0000 – 45438038249 – 05
BIC / SWIFT: BCOMPTPL
Indicar na transferência: REFUGEES (nome de que está a doar)
Todas as fotos publicadas nessa entrevista são de Elisabete Maisão, feitas nos campos de refugiados em que esteve.
Entrevista concedida a: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa
quero parabenizar a todos que de uma forma ou de outra dói um pouco do que sabe para que precisa, e neste casa da Elizabeth não foi diferente, pelo fato dela se sentir útil a quem precisava se todos tivesse essa intenção,esse interesse de ajudar nosso mudo seria muito mas digno das pessoas que nele habita.