Nesta entrevista, o mobilizador Juan Plassaras do Fórum Paulista de Economia Solidáriafaz uma reflexão sobre o futuro dessa forma alternativa de produção e troca e fala sobre os objetivos e a agenda da 1ª Feira de Economia Solidária (TEIA).
Mobilizadores COEP – Conte-nos de seu interesse pela Economia Solidária e como você começou a trabalhar com a questão?
R: Tudo se iniciou no Parque do Carmo, na Zona Leste de São Paulo, quando comecei a utilizar os serviços do Telecentro local. Minha integração ao Conselho Gestor do Telecentro aconteceu de forma gradativa, pautada nas atividades de inclusão digital e cidadania. Esse grupo buscava implementar núcleos produtivos cooperativos com base num programa da Prefeitura, o que possibilitou o surgimento da cooperativa de artesãs do Centro de Educação Unificada do Céu de Aricanduva. Esse centro é um projeto da ex- Prefeita Marta Suplicy e prioriza um sistema de educação integral. Hoje, a cidade de São Paulo possui 25 destes centros. Outra experiência, oriunda do programa da Prefeitura, foi a de manutenção de computadores em Guaianases, um bairro no extremo Leste de São Paulo. Essa conquista foi contagiante para todos nós. Dois fatores foram altamente significativos para mim. O primeiro, quando começamos a desenvolver em parceria com uma pequena empresa da Vila Dalila, um bairro da Zona Norte, uma coleção feminina de Outono para o mercado dos Estados Unidos. Esse trabalho integrou pequenas oficinas do Parque do Carmo, Diadema, Guaianases, Carrão, Vila Maria e Aricanduva, foi um trabalho titânico, porém a cadeia produtiva funcionou e o produto teve um alto valor agregado, tanto na costura, na lavagem, como nos bordados. O grupo superou todas as barreiras técnicas e a coleção entrou no mercado americano. Nesta experiência aprendemos que o associativismo funciona quando temos um desafio e um objetivo válido. Tudo se desenvolveu como um consórcio produtivo, com base na confiança e no conhecimento das pessoas que coordenavam o projeto. Outro fato muito importante foi quando um representante da Prefeitura do Município de São Paulo lançou a idéia de integrar os jovens, que estavam associados ao Telecentro e ao Teleceus ? um projeto de inclusão digital da Prefeitura de São Paulo e da Companhia de Processamento de Dados do Município (PRODAM) ?, com a finalidade de formar cooperativas, utilizando o conhecimento do Software Livre. Por mudança no governo municipal, essa iniciativa não prosperou, porém foi assumida pelo Centro de Profissionalização do Adolescente de Padre Bello dos Santos (CPA). Demos inicio à CooperJovem, uma cooperativa de tecnologia da informação. O CPA é um Centro de Profissionalização do Adolescente que focaliza sua atenção na juventude de São Mateus, bairro da periferia de São Paulo onde o índice de desemprego e de vulnerabilidade juvenil é muito alto. Procuramos para assessoramento a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão (ANTEAG) e o projeto está funcionando como empreendimento. Como vocês podem perceber, apesar de ser um técnico, meu ingresso na Economia Solidária iniciou-se com os empreendimentos e com a necessidade de a comunidade se mobilizar para criar novas realidades. A vivência cooperativista, em todos os âmbitos, foi uma presença constante na minha vida, tanto nos grupos de habitação, como nos de produção agrícola e financeira. Atualmente, no CPA, realizo oficinas e laboratórios de empreendedorismo com jovens.
Mobilizadores COEP – Como você vê as perspectivas da Economia Solidária no Brasil?
Sou fã de um consultor holandês chamado Lex Boss. Ele é dirigente do banco Triodos, focado no financiamento de iniciativas solidárias e escreveu, com base em sua experiência, o livro “Os doze dragões das iniciativas sociais”. Segundo Boss, existem “gargalos no inconsciente coletivo” que impedem a sadia evolução dos empreendimentos, tanto sociais quanto os de Economia Solidária. Os chamados “gargalos” são basicamente instalados dentro de nossas mentes e nos impedem de evoluir coletivamente. Como por exemplo: a desconfiança. Um estudo da Fundação para o Desenvolvimento da Unesp (Fundunesp) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), efetuados em 2005 nos bairros de Itaquera e Jardim Angela (Bairros situados no Leste e Sul de São Paulo, respectivamente), sobre o tema empreendedorismo formal e informal, indicam que 90% dos entrevistados, dos cerca de 300 pesquisados, não confiam em associações, sindicatos ou em outro tipo de núcleo coletivo ou cooperativo para organizar sua atividade produtiva ou comercial. Um outro “gargalo” que existe é a síndrome da carteira de trabalho. Considerada um símbolo de status social, a carteira de trabalho pesa no inconsciente coletivo. Herança da Consolidação das Leis de trabalho Getulistas, esse signo funciona ativamente no inconsciente coletivo, classificando as pessoas como cidadãos com “C” maiúsculo e o resto como cidadãos com “c” minúsculo. Esses são uns dos entraves da cultura empreendedora brasileira. Assim, o cidadão que se integra a um empreendimento coletivo toma esta iniciativa como se fosse um paliativo para matar sua fome imediata, e não como forma de vida.
Mobilizadores COEP ? Como é possível trabalhar essa questão?
A autogestão é uma forma de vida. A Economia Social soma novas regras ao mercado. Novos paradigmas, novas formas de negócios, novas moedas, novas formas de trocas de produtos e serviços. E o novo tem sempre uma resistência no corpo social brasileiro. É uma resistência que se tem de assumir. Temos dentro de nós antecedentes muito arcaicos de associativismo que temos que dar à luz novamente. Quando éramos habitantes das cavernas, o nosso alimento (animais e vegetais) estava ante nossos olhos durante a primavera e sumia durante o inverno. Aí se instalava a fome. Que animal ficava nos redondezas de nossa caverna? O mamute!!. Um enorme bicho, peludo e selvagem, difícil de caçar e derrotar. O que se fazia então? Trabalhávamos uma aliança com nossos vizinhos ou morríamos de fome? Desde as pinturas rupestres se testemunha que existia a associação de vários homens caçando animais, especialmente o mamute, que garantia alguns meses de comida para um grupo de pessoas. Será que ante a transformação das relações de trabalho, estamos diante de nosso “mamute sociológico?” Será que assumir os meios de produção nos exige uma profunda revisão de nossos conceitos de gestão pessoal e coletiva? Será que a Economia Solidária é parte de uma solução social, de um corpo social maltratado por fórmulas esgotadas de neoliberalismo econômico? Será que o Brasil poderá sobreviver produtivamente sem uma Economia Social forte, sadia e atuante? São reflexões que devem ser levantadas quando pensamos no futuro da Economia Solidária.
Mobilizadores COEP – Fale um pouco sobre os objetivos e a agenda do Fórum Paulista de Economia Solidária (FPES).
R: Em agosto de 2005, na III Plenária Paulista de Economia Solidária, realizada em Cajamar, escolheu-se 50 representantes de diferentes lugares e atividades do estado, associados ao tema de Economia Solidária, dando prioridade aos empreendimentos. Isto que dizer que o Fórum Paulista de Economia Solidária tem interesse na ampla participação dos grupos produtivos, em todos os âmbitos de decisão. Acreditamos que sem empreendimentos, a Economia Solidária no Brasil somente vai ficar no plano da utopia. Um segundo objetivo do Fórum Paulista é fortalecer as regionais, ou seja, os grupos municipais. Para isso, temos os resultados do mapeamento, efetuado no ano de 2005 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sobre o perfil dos empreendimentos nos estados. Essas informações são estratégicas para configurar uma pauta de ação, possibilitando a formação de uma rede, onde os empreendedores poderão trocar conhecimentos, produtos e serviços. Por exemplo, sabemos que o Rio Tietê, geograficamente, não só divide o estado de São Paulo, mas cria um vácuo de informações sobre os atores na Zona Sul da cidade, como por exemplo, o Vale da Ribeira. Um outro objetivo do Fórum Paulista, tal como de outros Fóruns estaduais, é coordenar as agendas nacionais com as regionais. A agenda do Fórum para este ano foi pautada em dezembro de 2005, criando grupos de trabalho que já estão funcionado, por exemplo, na área das comunicações, do qual participo. Nesse aspecto, tenho interesse em definir, tanto internamente, entre os atores de Economia Solidaria de São Paulo, como externamente, com o Fórum Nacional e Estaduais, questões estratégica e continuadas de acesso ao conhecimento. Penso que sem conhecimento nenhum empreendedor evoluirá na autogestão.
Mobilizadores COEP – Sabemos que você vem participando da organização de um evento sobre Cultura Popular e Economia Solidária que será realizado de 6 a 9 de abril no prédio da Bienal do Ibirapuera em São Paulo. Gostaríamos de saber quais são os objetivos deste evento e quais são as atividades programadas?
R: O foco do evento TEIA é o de possibilitar a visibilidade pública de dois grandes projetos brasileiros de inclusão produtiva. Primeiro, o Ministério da Cultura (MINC) através da Cultura Viva, tem o objetivo de reunir os “Pontos de Cultura” que estão funcionando em todos os estados da União. Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) através da SENAES, vai expor, em uma feira nacional, parte das atividades efetuadas por empreendimentos considerados de Economia Solidária no Brasil. Uma das questões mais importantes do evento é ganhar um espaço na mídia para expor a cultura popular através de linhas de trabalho que funcionaram silenciosamente ou foram consideradas “exóticas” pelos meios de comunicação corporativa. Por exemplo: quantos empreendimentos existetes no Brasil são considerados um marco auto-gestionário ou de economia solidária? Sabemos por cifras primárias que existem mais de quinze mil empreendimentos, um universo que, sociologicamente falando, não pode ser ignorado. E o que eles fazem? Uma coisa bem simples: incluem socialmente, e de forma coletiva, grupos que assumem a produção de produtos e serviços nos mais variados itens industriais, desde o artesanato até a exploração de minério de carvão. Isto é tão valioso que merece ser mostrado permanentemente na mídia. O evento tem essa finalidade. Também tem atividades anexas de grande importância como a Plenária preparatória para a I Conferência Nacional de Economia Solidária (que tem o objetivo de formar o Conselho Nacional de Economia Solidária). Até o momento, estão programadas na área de Economia Solidária as seguintes atividades:
· Oficina de orientação para a realização de feiras (estaduais e municipais ou micro-regionais) de Economia Solidária;
· Lançamento da Campanha “Economia Solidária: outra economia acontece”, com vídeos, cartazes, folders, CDs e cartilhas;
· Lançamento do Atlas da Economia Solidária – Seminário do Mapeamento Nacional;
· Lançamento do Calendário Nacional de Feiras 2006;
· Audiência Pública do Comércio Justo;
· Plenária de Preparação da Conferência (estamos negociando um auditório maior);
· Desfiles (a definir, mas há indicativos de: Justa Trama; Calçados Ecológicos; Biojóias; etc…)
· Oficina de Biojóias;
· Seminário destinados a Gestores Públicos sobre Economia Solidária (organizado pela Rede de Gestores de ES);
· Oficinas sobre Consumo Responsável; Moedas Sociais; e ocupação do espaço público com Economia Solidária;
· Moeda Social: há a possibilidade de que, durante a feira, circule internamente uma moeda social. A proposta está sendo elaborada pela Articulação Nacional de Grupos e Feiras de Trocas Solidárias.
Mobilizadores Coep – Como podemos fazer para participar deste evento?
R: Para participar vocês devem entrar em contato com os coordenadores da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) que estão em São Paulo por meio do telefone: (11) 3179-3602. Falar com Miguel ou Cristiane. Ou pelo os e-mails: miguelste1@yahoo.com.br ou cris_santos26@yahoo.com.br