Nesta entrevista ao site Mobilizadores COEP, Eliana Athayde, vice-coordenadora executiva da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, fala sobre maioridade penal, medidas sócioeducativas e direitos de crianças e adolescentes.
Mobilizadores COEP – Existem estatísticas sobre o envolvimento (ou um possível aumento do número) de crianças e adolescentes com menos de 16 anos em crimes? Na sua opinião, quais são os principais fatores relacionados a esse envolvimento?R. As últimas estatísticas publicadas são mais gerais, e caracterizam um percentual de 0,2% do universo dos adolescentes que estão envolvidos em práticas infracionais, número esse que, evidentemente, não só não é expressivo, como não justifica esse alarde todo em torno do tema. Estamos falando de adolescentes, posto que as crianças são competência dos Conselhos Tutelares e estão fora de qualquer apreciação nesse sentido. Não foi possível ainda fazer uma relação para identificar se houve ou não aumento nessa incidência, uma vez que tal demandaria um marco referencial inicial. Deste percentual, a maioria dos adolescentes envolvidos com atos infracionais encontra?se na faixa etária compreendida entre 15 e 17 anos. Na minha opinião, o primeiro fator está na própria adolescência. Todos o fomos e sabemos o que isso significa: é tempo de mudanças profundas, de reconhecimentos novos, de coragem (mais temeridade) e covardia, de impulsos sem reflexão, de desejos e sonhos que quando se confrontam com a realidade produzem nos jovens as mais diversas reações. O segundo fator é a questão de classe, renda e etnia. Os atos infracionais praticados pelos adolescentes das classes média e alta são encaminhados à delegacia (quando para ali são encaminhados), acompanhados de respectivos advogados e ali mesmo liberados; enquanto os adolescentes das classes menos favorecidas são quase sempre maltratados, desrespeitados e com seus direitos violados. Quero dizer com isso que os adolescentes pobres já estão estigmatizados como ?criminosos? em potencial. Essa carga é histórica e se transmite de geração em geração. Acrescente?se a tudo isso a falta de educação, saúde, cultura, lazer, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária e profissionalização, somada aos fatores intrínsecos da personalidade, que se acrescem como fatores criminógenos, para completar o quadro formador do delito.Mobilizadores COEP – Em que argumentos estão baseados os discursos contra e a favor da redução da maioridade penal?R. Começo analisando os principais argumentos apostos aos discursos favoráveis à redução, que primam pela ênfase na capacidade de ?discernimento? existente nos adolescentes de 16 anos para entender as conseqüências de seus atos como a principal razão para que possam responder por esses atos. Lamento ter que dizer que esse é um argumento muito tolo, principalmente porque até as crianças sabem perfeitamente quando ?pisam na bola?, quando estão certos ou errados segundo os critérios dos adultos que, à evidência, nem sempre são os delas. Não se trata, portanto, de discernimento, mas de maturidade, e isso sim, nenhum deles tem nessa idade. Outro argumento é o de que a eles foi dado o direito de votar, para escolher os dirigentes do país, e se o podem fazer, podem também ser penalizados, já aí, por crimes eventualmente praticados. E quando a lei faculta o voto aos adolescentes já os diferencia do voto dos adultos, chama?os ao exercício da cidadania, faculta?lhes a participação política como forma de preparar sua adultidade se quiserem, e não os reconhece como adultos desde logo. Já na questão criminal, a pena será obrigatória, como se já fossem adultos. É bem diferente… Ninguém vai dizer que eles podem ser penalizados, se quiserem, não é? Acrescente?se ainda a questão da habilitação para dirigir automóveis, que lhes é negada aos 16 anos, devendo aguardar o advento da adultidade aos 18 anos. Tudo isso vem demonstrar o reconhecimento da falta de maturidade para o exercício pleno da cidadania, que estão em processo de formação e por isso mesmo necessitam de proteção especial que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente lhes é garantida pelas medidas sócioeducativas, quando por razões diversas, enveredem pela estrada tortuosa do ato infracional. Na perspectiva positiva, a maioridade penal aos 18 anos, que hoje se encontra incluída na Constituição cidadã como cláusula pétrea, e, portanto, não pode ser mudada a não ser por uma nova Constituinte, foi uma opção fundada nos princípios da Proteção Integral e está na normativa internacional que define criança, como a pessoa que se encontra na faixa etária de 0 a 18 anos. Ademais, quando se afirma que essa é uma opção do Movimento Social da Infância incorre-se em basilar equívoco, eis que a maioridade penal aos 18 anos já estava lá, no Código Penal de 1940 e, como afirmava o nosso grande jurista Nelson Hungria, é uma questão de política criminal na medida em que todos devem ser sensíveis ao entendimento de que a pena, que é sempre um mal, não é apropriada para jovens menores de 18 anos.Mobilizadores COEP – A redução da maioridade penal teria impacto no combate à violência?R. Nenhum impacto. É preciso tirar da cabeça que a violência só é praticada pelos ?menores de idade?, vale dizer por crianças e adolescentes. Gente, que é isso? Estamos falando de uma tremenda covardia principalmente considerando que eles são, como já constatado, as maiores vítimas dessa violência. O que leva esta sociedade a ?perseguir? esses adolescentes? Não será por acaso remorso? Medo da revolta dos injustiçados e excluídos? Que tal começar a cumprir com as obrigações sociais e o próprio Estatuto para ver se a situação não muda? É certo que a violência não vai acabar, já que existe desde que o mundo é mundo, mas minimizá?la é possível, especialmente com solidariedade e fraternidade, acabando com essa terrível ânsia de vingança, que é só o que se vê no país, de ponta a ponta.Mobilizadores COEP – O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adota a responsabilidade penal a partir dos 18 anos, que foi instituída pela Constituição de 1988. De uma forma geral, parece que a sociedade associa essa determinação à impunidade. Em que critérios está baseada esta disposição do ECA? O Estatuto deixa de responsabilizar os adolescentes que cometem crimes?R. Não foi o Estatuto quem instituiu a responsabilidade penal aos 18 anos. O Estatuto regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição Federal que foi fruto de uma Assembléia Nacional Constituinte, o que vale dizer que foi o entendimento da grande maioria da população brasileira. Poderia fazer um enorme discurso sobre o Sistema de Garantia de Direitos inserido no ECA que se apresenta em três vertentes: promoção, controle e responsabilização. Pois bem, esta se realiza tanto no que se refere às crianças e aos adolescentes vítimas, como aos adolescentes ?a quem se atribua a prática de ato infracional?, representado pelas medidas sócioeducativas a serem aplicadas pelo Poder Judiciário.Mobilizadores COEP – Quais são e como você avalia as medidas sócio-educativas propostas para a ressocialização de adolescentes em conflito com a lei? Como essas medidas vêm sendo executadas?R. As medidas sócioeducativas seriam, sem qualquer sombra de dúvida, a realização plena da política pública de responsabilização. Pena é que são executadas à imagem e semelhança do sistema penitenciário, para onde querem encaminhar os meninos e meninas de 16 anos, vale dizer, como um projeto falido e, dessa forma, evidentemente, não servem aos objetivos para que foram propostas. Entendemos, que se a proposta estatutária não é cumprida, não há como mudá?la. É preciso testar primeiro, mesmo depois de 16 anos de vigência.Mobilizadores COEP – Qual o papel das políticas públicas na defesa dos direitos de crianças e adolescentes?R. Crianças e Adolescentes não teriam necessidade de qualquer defesa, se existissem e fossem executadas políticas públicas eficientes e eficazes. O estatuto é uma lei de políticas públicas. Se os conselhos de direitos, aqueles que deliberam e controlam a execução das políticas públicas, cumprissem o seu papel não haveria necessidade dessa defesa. Os conselhos não cumprem porque têm um conceito distorcido de sua função. Na verdade, o conselho nacional [dos direitos da criança e do adolescente] delibera, mas os estaduais e os municipais não. Às vezes levam pautas que não têm a ver com resolução de políticas. Por outro lado, os conselhos tutelares, que têm o objetivo de instrumentalizar os conselhos dedireitos também não o fazem.
Somente com medidas efetivamente interessadas em melhorar as condições de vida dos nossos jovens serão capazes de minimizar os seus desvios de conduta. A Eliana deixa muito bem claro isso em sua fala. Temos que desvincular a idéia de que o jovem é o responsável pela onda de violência à qual atravessamos na medida em que é muito fácil notar que os jovens são sim as verdadeiras vítimas de um sistema que está falido em vários aspectos.
INFELIZMENTE, ESSES ADOLESCENTES SÃO VÍTIMAS DO SISTEMA SOCIAL A QUAL ESTÃO INSERIDOS. DEVE-SE ANALISAR TODO O CONTEXTO SOCIAL AONDE SE ENCONTRAM ESSES JOVENS. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO DIMINUIRÁ OS ÍNDICES DE VIOLÊNCIAS NO PAÍS. NO CAOS SOCIAL EM QUE SE ENCONTRA O BRASIL, NÃO DÁ PRA PENSAR QUE REDUZINDO A MAIORIDADE DESSES CRIANÇAS, O CONTEXTO SOCIAL SERÁ OUTRO. NÃO SE TERÁ QUALIDADE NO ENSINO, SAÚDE, MORADIA, NEM TÃO POUCO UMA FAMÍLIA QUE OS POSSA SUSTENTÁ DIGNAMENTE COM UM SALÁRIO DE MISÉRIA O QUAL POSSUIMOS. É UMA CADEIA DE FATORES QUE NÃO DEVEMOS NOS ESQUECER, ANTES DE DECIDIR TAL ATITUDE.
A questão é que instrumento utilizar para punir, pois até nos lares os menores sofrem “penas” que são socialmente aceitas pois têm objetivo de educar.
Relamente penso que o jovem é vítima do sistema. Entretanto, não podemos deixar de pensar em uma pena sócio educativa para o mesmo caso cometa algum delito. Penso que a escola em dois turnos, é uma forma eficaz de educar melhor os nossos jovens.
A qualificação dos membros dos conselhos e a estrutura financeira dos conselhos são pontos fundametais para se pensar na pratica deste conselho e analisar suas possibilidades.
A redução da idade penal e uma atitude de “criminalizar” uma juventude que ainda não teve suas potencialidades trabalhadas e o acesso a dignidade garantido.
Não concordo com a redução da maioridade penal. No meu entendimento isso é uma medida retaliativa; o objetivo de sua promulgação foi e será de interesse “daquela pequena parcela da sociedade” que se sente LESADA em seus interesses (que obviamente não são os mesmos dos “menores marginais”). Essa representação da nossa sociedade não está interessada em atuar nas CAUSAS do aumento da violência, mas, sim, em ANULAR as consequências, a qualquer preço. Quem paga esse preço? “Os mesmos”. É uma vergonha essa nossa representatividade social chamada Congresso Nacional.