Cecília Zanotti, uma das fundadoras do Projeto Bagagem, conta como tem implantado iniciativas de turismo comunitário em diversas localidades brasileiras, por meio de parcerias com ongs e as próprias comunidades. A iniciativa apóia a criação de roteiros turísticos que beneficiem prioritariamente as comunidades visitadas por meio da criação de alternativas de geração de renda e com participação direta da população local. Estimula também o desenvolvimento de projetos produtivos, culturais, ambientais e sociais nas comunidades.
Mobilizadores COEP – Quais as principais características do turismo de base comunitária? Que benefícios ele pode gerar para as comunidades envolvidas?
R. O turismo de base comunitária é um tipo de turismo que tem como objetivo principal beneficiar as comunidades visitadas. Participação, transparência, conservação e valorização do modo de vida local são alguns dos princípios que o norteiam. O Projeto Bagagem elaborou a seguinte lista de princípios para definir o tipo de turismo que incentiva e promove:
a) Turismo da comunidade ? a comunidade deve ser proprietária dos empreendimentos turísticos e gerenciar coletivamente a atividade;
b) Turismo para a comunidade ? a comunidade deve ser a principal beneficiária da atividade turística, que existe para o desenvolvimento e fortalecimento da Associação Comunitária;
c) Atração Principal = Modo de Vida – a principal atração turística é o modo de vida da comunidade, ou seja, sua forma de organização, os projetos sociais que faz parte, formas de mobilização comunitária, tradição cultural e atividades econômicas;
d) Partilha Cultural – as atividades são criadas para proporcionar intercâmbio cultural e aprendizagem aos visitantes. Não se trata de apresentações folclóricas da cultura popular e sim de atividades que fazem parte do cotidiano da comunidade que o turista vai experimentar. Estamos falando de reconhecer o valor dos mestres da cultura oral no turismo e proporcionar uma reflexão sobre a própria identidade no visitante;
e) Conservação ambiental – os roteiros respeitam as normas de conservação da região e procuram gerar o menor impacto possível no meio ambiente, contribuindo para o fortalecimento de projetos e ações de conservação ambiental na comunidade;
f) Transparência no uso dos recursos – comunidades e visitantes participam da distribuição justa dos recursos financeiros;
g) Parceria Social com Agências de Turismo – busca por envolver todos os elos da cadeia do turismo no benefício às comunidades.
Mobilizadores COEP – O que é o projeto Bagagem? O que motivou sua criação?
R. O Projeto Bagagem (PB) é uma organização não-governamental que visa contribuir para o desenvolvimento de comunidades no Brasil por meio do turismo comunitário. Sua principal estratégia é apoiar a criação de roteiros turísticos que beneficiem prioritariamente as comunidades visitadas através da geração de renda e participação direta da população local. A equipe do Projeto Bagagem identifica ongs que são referência no Brasil por seus projetos em diversas áreas e, em parceria com elas, constrói um roteiro de turismo e convivência que se torna fonte de renda para as comunidades e de aprendizagem para os participantes. Além disso, o Projeto Bagagem acompanha e apóia o processo de desenvolvimento do turismo nas comunidades, fortalecendo projetos produtivos, culturais, ambientais e sociais nas comunidades. Por meio do registro e sistematização das metodologias utilizadas em todas as suas ações, o Projeto Bagagem busca a criação de materiais de referência para inspirar novas ongs interessadas em trabalhar com turismo comunitário no Brasil e dialoga com ministérios e secretarias de governo para o fortalecimento dessa atividade no país. Por último, o Projeto Bagagem divulga os roteiros e forma grupos de visitantes que contribuem com o desenvolvimento da prática do turismo comunitário nas localidades.
Mobilizadores COEP ? Quando o projeto surgiu?
R. O Projeto Bagagem foi criado por mim e uma colega de faculdade, Mônica Barroso, em 2002, e formalizado como organização não-governamental em 2004. Formadas em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, em 1998, passamos a atuar profissionalmente no Terceiro Setor, em ongs financiadoras de projetos sociais. Conforme trabalhavámos, intensificava-se a inquietação de querer empreender uma iniciativa social própria que gerasse impacto positivo em comunidades no Brasil. Enquanto travávamos contato com diversas experiências sociais e ambientais inovadoras em todo o Brasil, através do nosso trabalho, percebemos que aquelas experiências eram desconhecidas da maioria das pessoas, no Brasil e no exterior. Ao mesmo tempo, o estreito contato com estas iniciativas demonstrou que, embora elas sejam extremamente eficientes em desenvolver soluções que de certo modo preenchem lacunas deixadas pelas políticas públicas, um desafio comum a todas elas é desenvolver alternativas sustentáveis de geração de renda para a população local. Daí a idéia de oferecer um serviço de turismo que possibilitasse a qualquer pessoa conhecer tais experiências e localidades de perto, tendo contato direto com a realidade local e com o ambiente natural, dentro ou no entorno de Unidades de Conservação, e, ao mesmo tempo, gerando renda às comunidades visitadas. Em 2002, foi lançado o primeiro roteiro, Amazônia Ribeirinha, em parceria com a ong Projeto Saúde e Alegria, na região da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós e da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns. Desde então, foram organizados 10 grupos de visitantes, com um total de 123 participantes, beneficiando sete comunidades. Em 2005, foi organizado o roteiro Ceará Mar e Sertão, em parceria com a Prainha do Canto Verde, reconhecida pela luta por tornar sustentável a pesca da lagosta no Brasil, e com a Fundação Casa Grande, localizada na Chapada do Araripe (Sertão do Cariri, no Ceará). Em 2006, foi lançado o roteiro Trilhas Griôs, em parceria com a ong Grãos de Luz e Griô, no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina (Bahia) e, em 2007, o roteiro Gurupá Terra das Águas, no estuário do Rio Amazonas. Atualmente, o Projeto Bagagem também está apoiando a estruturação dos roteiros Conexões Caiçaras no Paraná, em parceria com a Cooperguará Ecotur e Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação; o roteiro Baixada Maranhense, no Maranhão, em parceria com o Instituto Formação, e um roteiro no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, com a ong Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. Até 2006, a equipe era voluntária, mas, a partir de 2007, a conquista de financiadores como Fundação Kellogg, Ashoka Empreendedores Sociais e, ao vencermos o prêmio Supporting Entrepreneurs for Environmet and Development, o Projeto Bagagem conseguiu estruturar sua equipe e aumentar significativamente o impacto do seu trabalho. O Projeto Bagagem iniciou suas ações em 2002, formalizando-se como Associação, em 2004, e qualificando-se como OSCIP em 2007.
Mobilizadores COEP – Qual a área de atuação do projeto? Quais os critérios para criação dos roteiros turísticos?
R. Atualmente, fazem parte da Rede de Destinos do Projeto Bagagem os roteiros Amazônia Ribeirinha, em parceria com a ong Projeto Saúde e Alegria, de Santarém, no Pará; Gurupá Terra das Águas, em parceria com a FASE Gurupá, no Pará; e Trilhas Griôs, em parceria com a ong Grãos de Luz e Griô (www.graosdeluzegrio.org.br), de Lençóis, na Bahia. Estão em fase de construção os roteiros Conexões Caiçaras, em parceria com a Cooperguará Ecotur de Guaraqueçaba e com a SPVS (www.spvs.org.br), em Curitiba, no Paraná; um roteiro na Baixada Maranhense, em parceria com a ong Formação/CIP Jovem Cidadão (www.formacao.org.br), e um terceiro, no Vale do Jequitinhonha, em parceria com o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento/MG (www.cpcd.org.br).
Os critérios de criação dos roteiros desde o início do projeto são: identificação de uma ong local que atue com reconhecido impacto positivo na região; sustentabilidade e experiência anterior consolidada da ong para iniciar o trabalho com turismo comunitário (não defendemos o turismo como solução de geração de renda para qualquer comunidade); riqueza cultural de modos de vida tradicionais e identificação pela comunidade do turismo comunitário como área de interesse; e proximidade a unidades de conservação e/ou desenvolvimento de projetos que visem contribuir para a conservação dos recursos naturais. Um último critério é o interesse da ong parceira e das comunidades em iniciar a parceria. A confiança e proximidade da relação entre o Projeto Bagagem e o parceiro local passa a ser um critério determinante para a continuidade da parceria.
Mobilizadores COEP ? Por que não defendem o turismo como solução de geração de renda para qualquer comunidade? Quando a atividade é adequada?
R. Nós temos visto que ultimamente tem havido uma demanda muito grande de pessoas querendo trabalhar com turismo comunitário, porque como é um serviço que, praticamente, não precisa de um investimento financeiro para a comunidade receber as pessoas (você leva os turistas, faz uma atividade e depois esse turista vai embora) essa modalidade de turismo se torna uma estratégia relativamente fácil para gerar renda. Só que nós defendemos que para as comunidades trabalharem com turismo comunitário já devem ter processos de organização e organização comunitária, que pode ser cultural, ambiental, econômico etc. O principal não é o visitante fazer o turismo e pagar por isso. A gente acha que tem que ser um turismo que realmente vai gerar riqueza para a comunidade e essa riqueza tem que estar associada à mobilização e participação comunitária, porque se não pode gerar competitividade na comunidade. Uma família pode se apropriar da atividade e outra não, e, no fim, vai se repetir um modelo que o turismo comunitário não defende. Por isso, nós acompanhamos as atividades para ver que enfoque está sendo dado. Acho que um programa de geração e renda não deve começar com o turismo, a iniciativa deve começar com outras atividades de mobilização.
Mobilizadores COEP – Quais as principais características socioeconômicas e culturais das comunidades que fazem parte dos roteiros turísticos?
R. No roteiro Amazônia Ribeirinha, as comunidades são caboclas e ribeirinhas. Os moradores estão nas margens dos rios Tapajós e Arapiuns, no município de Santarém, no Pará. Além das belíssimas paisagens dessa peculiar região amazônica, com praias de areia brancas e os belos rios já citados, as comunidades têm uma organização comunitária de dar inveja a quem vive na cidade grande. Associações de moradores, conselhos intercomunitários, federação das unidades de conservação, grupos de jovens que trabalham com comunicação, grupos de mulheres artesãs são alguns dos exemplos. Além disso, neste roteiro é possível conhecer o Gran Circo Mocorongo de Saúde e Alegria, estratégia que o Projeto Saúde e Alegria criou com criatividade e inteligência para transmitir mensagens de cuidados com a saúde e higiene para diminuir a mortalidade infantil e prevenir doenças na região. No roteiro Trilhas Griôs, em parceria com o Grãos de Luz e Griô, as comunidades são afro-descendentes, uma delas quilombola, e o contexto é o interior bahiano, com a riqueza da cultura do samba de roda, forró pé de serra, mitos e histórias de vida relacionadas ao garimpo de diamantes, e o contato com os jovens, mestres e griôs, parteiras, artesãos, sanfoneiros, erveiras, garimpeiros, pais e mães de santo. Já nos roteiros Conexões Caiçaras, em parceria com a Cooperguará Ecotur, no município de Guaraqueçaba Paraná, e Gurupá Terra das Águas, em parceria com a Fase Gurupá e Casa Familiar Rural, as comunidades são caiçaras, com a cultura da pesca, dos tocadores de fandango, e ribeirinhas, em uma outra região amazônica, a região de várzea, no estuário do Rio Amazonas, município de Gurupá.
As comunidades são de baixa renda e com uma riqueza evidente – seja ela cultural ou do processo e da história de mobilização social e transformação que estão conseguindo implantar na sua região – que o visitante irá compartilhar. É importante que as comunidades sejam organizadas, tenham experiência em projetos comunitários em qualquer área. Trabalhar com turismo comunitário ou qualquer outra atividade econômica em comunidade desarticulada gera mais conflito do que solução.
Mobilizadores COEP – Como é a participação da comunidade? Em que etapas ela atua?
R. A programação dos roteiros e definição das atividades é feita com as comunidades, a partir do que os moradores identificam como riquezas a serem compartilhadas. A gestão do recurso e a definição dos preços não seguem uma regra única em todos os roteiros. No roteiro Amazônia Ribeirinha o lucro é dividido em três partes iguais, um terço para o Projeto Bagagem, um terço para o Projeto Saúde e Alegria e um terço para o Fundo Comunitário, que é investido em projetos elaborados pela Federação para estruturação do turismo nas comunidades.
Além do lucro, cada roteiro busca integrar a maior parcela possível de prestação de serviços e compras de produtos oferecidos pela própria comunidade. No roteiro Trilhas Griôs, pela maior facilidade de acesso e presença de uma pessoa do Bagagem na região, o envolvimento com as comunidades é mais freqüente e acontece por meio de reuniões mensais com a comunidade para elaboração de projetos conjuntos, decisões do investimento financeiro, definição de preços, divisão de benefícios, reflexão sobre os princípios, participação em cursos de manipulação de alimentos. Neste roteiro se destaca também a participação dos jovens da comunidade de Lençóis, integrantes do Grãos de Luz e Griô. Eles estão na liderança de todo o processo de estruturação do turismo comunitário na região, conduzem os visitantes, participam de eventos, são membros do conselho de turismo, fazem parte da Associação de Condutores de Visitantes de Lençóis, fazem curso de inglês, dão entrevistas, facilitam reuniões comunitárias. Atualmente, o Projeto Bagagem está em fase de planejamento com alguns parceiros para posterior busca de recursos, com o objetivo de expandir o modelo de integração dos jovens em outros roteiros.
Mobilizadores COEP ? O que é e qual o papel da Federação que você menciona?
R. A Federação é formada pelo conjunto das associações de moradores das comunidades participantes do roteiro Amazônia Ribeirinha e foi criada como uma solução para a utilização de forma democrática do fundo, resultante do repasse de parte dos recursos adquiridos com as atividades turísticas. A Federação tem a função de representá-las junto aos órgãos públicos e privados e também é ela quem formula os projetos de atividades de interesse das comunidades.
Mobilizadores COEP – O que são os Núcleos Jovens de Turismo de Base Comunitária?
R. São os grupos de jovens das ongs parceiras, criados em parceria com o Projeto Bagagem para que a implantação do processo de desenvolvimento do turismo na região aconteça com a liderança da juventude local. O primeiro acontece em Lençóis, junto com a ong Grãos de Luz e Griô. Outros dois já iniciaram as primeiras formações e três estão em processo de planejamento. A experiência com o Grãos de Luz e Griô foi interessante e aponta para uma estratégia que está se fortalecendo dentro do Bagagem, que é a formação de núcleos de jovens dentro das ONGs parceiras.
Mobilizadores COEP – Como é feita a gestão do turismo nas comunidades? Há capacitação dos moradores para o gerenciamento dos empreendimentos turísticos?
R. O Projeto se inicia de forma prática, com reuniões sobre o que é o turismo comunitário e seus princípios e com a decisão de querer ou não receber grupos de visitantes, de acordo com o modelo proposto. Em seguida, há a etapa de tomada de decisões na associação sobre o que entra no roteiro, quais e como serão conduzidas as atividades, como o dinheiro será destinado e dividido na comunidade, como a taxa comunitária beneficiará a comunidade, quem irá participar diretamente das atividades, se será paga diária ou não, qual é o valor justo da diária. Tudo isso é discutido na comunidade e ela decide juntamente com o parceiro local e com o Projeto Bagagem, as ações a serem tomadas. Em alguns momentos as decisões são tomadas pela comunidade sem a nossa interferência.
Como o Projeto Bagagem também atua na organização de grupos de visitantes, é durante as viagens que o modelo de gestão vai sendo construído, testado, avaliado e transformado. Após a criação de cada grupo, é realizado um relatório e incentivamos que seja feita avaliação em todas as comunidades participantes do roteiro. As ongs parceiras são envolvidas em todas as avaliações e ficam responsáveis por dividir com as comunidades os pontos levantados, bem como trazer ao Projeto Bagagem as demandas, críticas e avaliações das comunidades. A capacitação dos moradores para o gerenciamento de empreendimentos turísticos acontece depois de certo tempo de amadurecimento da atividade turística nas comunidades.
Nunca começamos o trabalho com investimento em infra-estrutura ou com apoio a famílias isoladas para empreenderem um serviço ou produto. Nos primeiros dois anos, há o recebimento dos grupos de turistas, fortalecimento das relações de confiança, consolidação da relação entre o Bagagem e a associação de moradores, com intermediação da ong local. Depois de uma certa caminhada é que começamos a analisar com a ong parceira e com a comunidade quais seriam outros serviços e produtos que poderiam ser agregados às principais atrações, que são as atividades de convivência. As discussões acontecem em torno de quais seriam os melhores modelos de hospedagem e alimentação para aquele local e como fazer isso de maneira a beneficiar a comunidade ou o máximo de pessoas que fazem parte da associação. Não adianta achar que o turismo vai beneficiar todo mundo, inclusive quem não participa, até porque a renda do turismo comunitário na maioria dos projetos do Brasil ainda é pouca. Esse é um dos desafios que quem quiser trabalhar com turismo comunitário vai encontrar. Estamos discutindo em rede também a maneira de aumentar a freqüência de turistas nos projetos, respeitando os princípios que estipulamos. Em 2009, essas discussões acontecerão em três momentos ao longo do ano com a participação das comunidades. Outro desafio é criar um modelo de comercialização que se sustente e que gere renda para as comunidades. Até agora, a comercialização aconteceu porque o Projeto Bagagem tem fontes de recurso externas para manter a organização e a pequena estrutura comercial. A renda das viagens não sustenta ainda o modelo comercial.
Por último, a importância de se trabalhar em parceria com uma ong local está no fato de um projeto de turismo comunitário ser uma iniciativa de médio e longo prazo e, para que aconteça, é necessário ter apoio, diálogo, acompanhamento por alguns bons anos. O Projeto Bagagem ajuda as ongs a criarem a estrutura inicial de trabalho com turismo comunitário; capta recursos elaborando projetos conjuntamente; compartilha metodologias, participa dos processos de planejamento do turismo nas ongs parceiras, divulga os resultados e sucessos obtidos pelas comunidades, abre canais de divulgação na mídia, enfim, fortalece ainda mais o trabalho dessas ongs e ajuda para que elas comecem uma estratégia de trabalho com turismo que ganhe autonomia, novos parceiros e caminhe sozinha depois de um tempo.
Mobilizadores COEP – Você poderia relatar alguns resultados do projeto nas comunidades envolvidas?
R. Uma associação de moradores de uma comunidade caiçara, ribeirinha, sertaneja encontra dificuldades para criar uma fonte de renda que fortaleça a associação. Como no turismo comunitário há uma taxa que beneficia a associação, paga por cada visitante, isso possibilita, por exemplo, a compra de telhas para o galpão comunitário, reforma da capela, compra de passagens para transporte de parteiras fazerem cursos, manutenção do motor de energia elétrica da comunidade, compra de canoa, entre outros exemplos que a renda do turismo possibilitou realizar. Além disso, o reconhecimento do valor da própria cultura, orgulho e fortalecimento da associação são alguns dos resultados mais importantes. Por último, os intercâmbios com lideranças de outros projetos no Brasil, a percepção de que a mesma luta acontece no Norte, Nordeste e Sul do país amplia o horizonte dos limites da ação turística na comunidade para a visão de uma causa que busca valorizar pessoas, lugares e modos de vida que não estão integrados ao modelo convencional da indústria turística.
Mobilizadores COEP – O que leva os turistas a buscarem esse tipo de roteiro? Como é sua interação com as comunidades? O que em geral os turistas acham da experiência?
R. Pela experiência e análise dos questionários de avaliação dos visitantes, há alguns fatores principais que levam os turistas a buscarem esse tipo de viagem. Um deles é a oportunidade de interagir, compartilhar, de uma maneira que não seja apenas a compra de um serviço. A possibilidade de conviver com uma parteira, uma cirandeira, e aprender com elas, dificilmente aconteceria em outras oportunidades na vida de algumas pessoas. Ao mesmo tempo, fazer isso nas férias como atividade de lazer em uma região de rara beleza, onde é possível aprender com a cultura e com projetos de manejo sustentável que estão dando certo, interessa a muita gente. Por último, ao viajar, o participante acaba tornando-se parceiro dessas comunidades e projetos, e se sente assim. Essa relação de troca, partilha, convivência e aprendizagem é o que leva as pessoas a visitarem esses lugares. A interação se dá nos passeios, nas visitas às comunidades, nas gincanas culturais, nas rodas de conversa, no forró, nas oficinas de cestarias, nos passeios de canoa, nas trilhas na mata, nas refeições nas pousadas domiciliares, no circo onde visitantes e comunidade se apresentam. Essa interação acontece o tempo todo em outro ritmo, do jeito da comunidade. Em geral, as avaliações superam as expectativas iniciais.
Mobilizadores COEP – É possível atender comunidades que não estão na área de atuação do projeto? O que uma comunidade tem de fazer para se integrar ao projeto Bagagem?
R. Há muitas comunidades e ongs que entram em contato com o Projeto Bagagem buscando orientações para trabalhar com o turismo comunitário. Com uma estrutura muito pequena, tanto na equipe quanto administrativa, no momento não é possível aumentar o número de roteiros, justamente pelo desafio de implantar o que mencionamos nas questões anteriores. Porém, não ficamos satisfeitos em simplesmente dizer que não é possível dar apoio a essas demandas. A solução encontrada foi a elaboração de um projeto que irá gerar a Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário. Turisol é a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário, e o Projeto Bagagem junto com outros cinco projetos que também atuam na área do turismo comunitário (Saúde e Alegria, Rede Tucum, Acolhida na Colônia, ASPAC Silves e Grãos de Luz e Griô) decidiram publicar uma série de conteúdos que auxiliem comunidades e projetos a trabalharem com turismo comunitário. Gestão, formação de jovens, agroturismo, turismo comunitário e cultura oral e turismo comunitário e conservação são os temas de cada publicação. Esperamos com isso poder responder essa demanda e incentivar as reflexões sobre os impactos do turismo e os riscos e benefícios que ele pode gerar para a comunidade.
Entrevista concedida à: Marize ChicanelEdição: Eliane AraújoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.