Aprofundar a discussão sobre novas formas de desenvolvimento para a Amazônia, procurando atingir um modelo sustentável. É o que pretende o Fórum Amazônia Sustentável. Saiba mais sobre esta coalizão intersetorial, que reúne organizações da sociedade civil e empresas, e seus principais desafios, nessa entrevista com Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), um dos signatários do Fórum.
Mobilizadores COEP – A Amazônia brasileira corresponde a 59% de todo o território nacional, abriga 12,2% da população do país, com mais de 180 etnias distintas, mas responde por apenas 8% do PIB. É senso comum que a Amazônia Brasileira vem sendo ameaçada por múltiplas formas de exploração insustentável. Você poderia citar alguns dos impactos decorrentes deste tipo de exploração tanto para a população local quanto para o país?
R.: O efeito mais visível da exploração insustentável é o desmatamento, que é a maior contribuição do Brasil para o agravamento da crise climática. O desmatamento afeta diretamente as populações tradicionais e indígenas que vivem dos recursos florestais. E, embora possa render ganhos imediatos aos diretamente envolvidos, a retirada da floresta de forma indiscriminada tem implicado declínio dos indicadores socioambientais no médio prazo. As atividades predatórias não trazem desenvolvimento para a região.
Mobilizadores COEP – Especialistas alertam que a Amazônia representa uma oportunidade única para que se atinja um modelo de desenvolvimento inovador e sustentável. Por que se faz tal afirmativa? Como atingir tal modelo? O que é preciso para alcançar o desenvolvimento sustentável da região?
R.: A Amazônia é a maior área de floresta tropical contínua do planeta, e mais de 60% de sua área estão no Brasil. Quer dizer, temos em nosso território uma floresta de valor ainda não estimado, mas cuja manutenção já sabemos que é fundamental para regular o clima do continente. Para aproveitar toda a riqueza da Amazônia precisamos investir muito mais em ciência e tecnologia, direcionando as pesquisas e políticas de desenvolvimento para o uso sustentável da floresta. Até agora o que temos feito é privilegiar um modelo de desenvolvimento no qual a floresta é um obstáculo a ser vencido, já que boa parte das atividades econômicas desenvolvidas na região depende da retirada da floresta para sua execução. Isso precisa mudar.
Mobilizadores COEP – Neste contexto, como surge o Fórum Amazônia Sustentável? Por quem é formado? O que pretendem seus signatários?
R.: O Fórum Amazônia Sustentável foi criado em setembro de 2007 por cerca de 70 organizações da sociedade civil e empresas, e surgiu do reconhecimento de que esse quadro precisa mudar na região, e de que é preciso um esforço coletivo de todos os que atuam na Amazônia para buscar a legalidade e a sustentabilidade. A iniciativa foi de um grupo de instituições com atuação na região, como o Projeto Saúde e Alegria, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) e o Instituto Socioambiental (ISA), lideradas pelo Instituto Ethos. Os signatários do Fórum comprometem-se com uma agenda de sustentabilidade. Em alguns casos, isso significa rever projetos e posturas institucionais, adequar sistemas produtivos, investir em novas modalidades de atuação. Pode implicar revisão de formas de relacionamento com comunidades locais, novos investimentos em tecnologias mais limpas e até o desenvolvimento de novas atividades econômicas que substituam outras consideradas insustentáveis. O Fórum pretende ser um espaço de diálogo e promoção dessa mudança.
Mobilizadores COEP – Como agirá esta coalizão intersetorial? Quais as linhas de ação prioritárias do Fórum? O que já foi implantado?
R.: O Fórum está em fase inicial de implantação. Nesse momento, estamos discutindo nossas modalidades de atuação e os mecanismos internos. A atuação do Fórum se dará por meio de grupos de trabalho sobre os temas prioritários, que são: mobilização da sociedade para o desenvolvimento da cultura da sustentabilidade e o controle social do mercado e das políticas públicas; fortalecimento do mercado de produtos e serviços sustentáveis; construção de compromissos de boas práticas produtivas; valorização do conhecimento tradicional e reconhecimento e garantia dos direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais; estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para a sustentabilidade; demanda de ações do Estado para ordenamento, regulação, fiscalização, monitoramento e proteção de direitos; proposição e demanda de políticas públicas de fomento e apoio ao desenvolvimento sustentável; e estímulo ao diálogo entre as organizações e redes dos países amazônicos.
Mobilizadores COEP – As empresas que têm seus negócios baseados na exploração dos recursos naturais regionais aderiram ao Fórum? Como essas empresas vêem sua responsabilidade socioambiental?
R.: Várias empresas, como a Natura, a Alcoa e a Vale do Rio Doce, que atuam na Amazônia com atividades baseadas em uso de recursos naturais, estão no Fórum. Isso já significa que elas reconhecem sua responsabilidade socioambiental para com a região. Algumas já vêm investindo em formas de melhorar suas práticas produtivas, outras encontram no Fórum as condições e o apoio para seguir esse caminho. Assumir sua responsabilidade socioambiental com a Amazônia implica mudanças de atitudes e práticas que fazem parte de culturas empresariais arraigadas. Significa inserir no planejamento outras variáveis que não apenas a expectativa de lucro; respeitar a diversidade sociocultural da região e adaptar estratégias para lidar com essa diversidade. É um processo complexo para o qual o Fórum pretende contribuir.
Mobilizadores COEP – Quais os principais desafios a serem enfrentados pelos participantes do Fórum?
R.: Acho que o principal desafio é superar os conflitos históricos e buscar o diálogo. O Fórum reúne um grupo muito diverso, com perspectivas distintas sobre a região. Há empresas para quem a Amazônia é a provedora de matéria-prima; há comunidades para quem a Amazônia é seu lar. Há os que vêem os rios como fonte de alimentos, outros como fonte de energia. Há os que a usam para lazer, e os que a usam para transporte. Nessas diferentes perspectivas, muitas vezes residem os conflitos. Construir uma compreensão comum sobre o que queremos para a Amazônia, e assumir claramente o que não queremos, é um enorme desafio.
Mobilizadores COEP – Como o Estado vem agindo em relação à Amazônia? Você acredita que as ações do Fórum podem complementar as do Estado? De que forma?
R.: O Estado é contraditório em relação à região. Por um lado, há um esforço de iniciativas de conservação e promoção do uso sustentável dos recursos naturais, promovidas principalmente pelo Ministério do Meio Ambiente. Por outro, há políticas que incentivam atividades extremamente impactantes, mas não estabelecem condicionantes socioambientais que possam minimizar os danos. É o caso da expansão desordenada da pecuária, a instalação de obras de infra-estrutura sem os devidos investimentos prévios e a atividade siderúrgica baseada no carvão de lenha nativa. O Estado brasileiro ainda não fez sua opção pela Amazônia. Essa decisão estratégica sobre o que queremos para a região deve ser tomada pela sociedade como um todo. Só o governo não vai ser capaz de resolver os dilemas da Amazônia. Por isso, iniciativas como o Fórum tem um papel relevante a cumprir, aprofundando a discussão sobre novas formas de desenvolvimento para a região, e ampliando a consciência sobre os dilemas e anseios da população da região.
Entrevista concedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.