A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 está cercada de polêmicas. Alguns especialistas defendem que ela poderá ser um marco nas negociações envolvendo uma nova ordem mundial sobre o desenvolvimento sustentável e a economia verde. Outros alegam que poderá ser um fiasco e não resultar em avanços concretos no sentido da sustentabilidade socioambiental e econômica.
Uma das polêmicas, diz respeito à economia verde. A definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para economia verde é “aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Sustenta-se sobre três pilares: é pouco intensiva em carbono, é eficiente no uso dos recursos naturais e é socialmente inclusiva”.
No entanto, especialistas alegam que esse conceito é muito amplo e que corremos o risco de que seja apenas uma nova ‘roupagem’ para justificar interesses de grandes corporações internacionais, e que, na verdade, propõe uma ‘mercantilização’ dos recursos naturais e dos bens comuns.
Nesta entrevista, Gustavo Ferroni, especialista em Políticas do Instituto Vitae Civilis, fala sobre a Conferência, as polêmicas envolvendo o conceito de economia verde e justiça ambiental.
Mobilizadores Coep – O que é a Economia Verde proposta pela ONU?
R.: Temos que diferenciar as coisas. Primeiro é bom deixarmos claro que o termo economia verde já vinha sendo discutido, em especial pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), e por entidades da sociedade civil. Com a Rio+20 o termo ganhou grande destaque.
A definição do Pnuma para economia verde é “aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Sustenta-se sobre três pilares: é pouco intensiva em carbono, é eficiente no uso dos recursos naturais e é socialmente inclusiva”.
No documento chamado draft zero*1 – que reúne contribuições de diversos setores de diferentes países para formulação do documento oficial da Rio+20 – economia verde não está definida num texto curto e direto. Porém, podemos ter uma ideia de acordo com os parágrafos iniciais do documento que tratam do tema*2. Este texto está sendo negociado e alterado neste momento.
O Vitae Civilis, após longo processo de consulta à sociedade brasileira, chegou à seguinte definição:
Economia verde é o conjunto de atividades econômicas que resulta na melhoria do bem-estar humano com equidade e justiça social, ao mesmo tempo em que preserva e reconhece o valor inerente da Natureza, reduzindo significativamente os impactos e riscos sobre os recursos do ecossistema e a sociedade. Uma economia verde se caracteriza por instituições, instrumentos, atividades de produção e consumo e investimentos que, visando tais resultados, consideram os direitos humanos e os limites do planeta para o desenvolvimento sustentável.
Mobilizadores Coep – Quais os principais problemas relacionados a esta proposta de economia verde?
R.: Existem muitas controvérsias relacionadas ao termo economia verde. A primeira é a questão do reducionismo do termo, do risco de que se trate de apenas uma nova roupagem para uma discussão antiga. Outro problema está no risco de que o conceito fique centrado em questões de tecnologia e ecoeficiência, sem entrar em profundidade de questões políticas.
Outro problema é que a economia verde seja centrada em soluções de mercado para o desenvolvimento sustentável. Apesar de não podermos descartar o mercado e seus atores, claramente devemos ser céticos com a possibilidade de o mercado oferecer verdadeiras soluções para problemas relacionados ao desenvolvimento sustentável. Estes provavelmente são os principais riscos.
Mobilizadores Coep – Ainda que não seja o ideal, pode-se considerar um avanço o fato de a ONU propor a discussão sobre formas de diminuir o impacto ambiental e a pobreza?
R.: As discussões não são novas. Estamos – a sociedade em geral – falando nestes temas há muito tempo. Desde a Agenda 21*3 estes temas são trabalhados em consonância. O avanço na discussão ainda está “sob judice”*4. Precisamos ver como a questão será definida na Rio+20 para dizermos se houve avanço ou não.
A ideia, geral, de acelerarmos a transição para um outro modelo econômico é boa. Porém, dá margem para muitas interpretações, inclusive aquelas que não querem mudança de fato.
Mobilizadores Coep – Alguns economistas defendem que o crescimento atingido, principalmente nos países desenvolvidos, já é suficiente, e propõem a ‘prosperidade sem crescimento’, que significa mais qualidade de vida, de educação, de saúde, de cultura ecológica. Como isso funcionaria na prática? Há chance de os países desenvolvidos concordarem com essa proposta?
R.: Essa é uma proposta de mudança de paradigma que extrapola governos, ONU e instituições atuais. Ela é válida e importante. Mas para poder ser implementada, primeiro será necessário um grande grau de consciência e articulação da sociedade civil e da população em geral, principalmente. As mudanças dos atuais paradigmas de produção e consumo são essenciais neste caminho.
Mobilizadores Coep – Você acredita que a sociedade brasileira está preparada para adotar um novo padrão de produção e consumo? O que é preciso fazer para criar uma outra cultura social baseada em novos valores? Quais devem ser os primeiros passos?
R.: A sociedade brasileira vive uma situação diferente dos países desenvolvidos. Todas as pesquisas mostram que os consumidores têm alto grau de preocupação com a origem dos seus produtos, mas ao mesmo tempo, sua escolha é altamente definida pelo preço.
Isto não é ilegítimo, e com a mobilidade social*5 vista nos últimos tempos, muitos ainda estão buscando acesso a direitos, conforto e estabilidade. Porém, esta situação nos dá a oportunidade de trabalharmos estas questões de maneira diferente. A participação social nas políticas públicas e no controle social do setor privado é algo essencial.
Mobilizadores Coep – O que é justiça ambiental e o que é preciso para colocá-la em prática?
R.: O conceito de justiça ambiental surgiu para se contrapor políticas e noções que impunham aos países em desenvolvimento, os principais riscos ambientais das atividades insustentáveis. Isto ficou claro com conceitos como NIMBY (ou Not In My Back Yard)*6 e com o vazamento do Memorando Summers*7, do Banco Mundial.
Para atingi-la, precisamos de mudanças no sistema internacional, com uma estrutura institucional que permita o controle e enforcement [a influência e a pressão na implementação das políticas públicas] de regras. A convenção da Basiléia*8 foi um grande marco neste sentido.
Além disso, no âmbito subnacional, precisamos garantir que as populações mais vulneráveis não sejam aquelas que mais sofram com as consequências da degradação ambiental.
A injustiça ambiental é resultado claro da fraqueza institucional e da predominância de interesses privados sobre os interesses comuns. Neste sentido, além de uma estrutura institucional, precisamos de uma governança que permita a participação com deliberação da sociedade.
Mobilizadores Coep – Como uma economia pode ser eficiente no uso dos recursos ambientais e promover uma sociedade mais inclusiva?
R.: Nós temos trabalhado muito com a noção de que todas as ações e políticas deveriam ser implementadas tendo em vista os limites ambientais máximos e as garantias sociais mínimas. Um teto ambiental e um piso social. Neste sentido as chamadas “pool policies” podem representar um caminho importante. Seriam políticas que consideram uma quantidade de recursos que é comum.
Mobilizadores Coep – Qual seria a melhor forma de estimular o desenvolvimento sem levar ao colapso os recursos naturais? Qual seria a alternativa ao atual modelo econômico?
R.: Primeiro, teríamos que ter controle, estatal e social, sobre os grandes capitais. Seja no sistema financeiro, seja na operação das grandes corporações. Segundo, necessitaríamos de uma mudança nos padrões produtivos visando, inicialmente, a baixa intensidade de carbono e a preservação da biodiversidade. E, em conjunto, precisaríamos de definições de padrões de desenvolvimento e garantia de direitos mínimos. Os empregos devem migrar para atividades intensivas em mão de obra, porém de baixa intensidade de carbono.
Mobilizadores Coep – Além da economia verde, há outros temas polêmicos relacionados à Rio +20? Quais?
R.: A Rio + 20 está cercada de polêmicas e corre riscos de se tornar uma conferência conservadora que não traga avanços. A articulação de atores não estatais para influenciar a conferencia é um ponto essencial.
Uma das principais discussões na Rio+20 é sobre a governança do desenvolvimento sustentável no âmbito internacional. Em pauta está a transformação do Pnuma em um órgão com mais poder e relevância.
—————–
*1 – Draft Zero, Zero Draft ou Rascunho Zero é fruto de sugestões e contribuições de países, grupos regionais, organizações internacionais e da sociedade civil, a fim de elaborar o documento base para Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20, que será analisado e se tudo der certo aprovado pelos Estados-Membros da ONU durante o encontro. Acesse esse documento aqui.
*2 – Parágrafos do draft zero que tratam da Economia Verde:
25.We are convinced that a green economy in the context of sustainable development and poverty eradication should contribute to meeting key goals – in particular the priorities of poverty eradication, food security, sound water management, universal access to modern energy services, sustainable cities, management of oceans and improving resilience and disaster preparedness, as well as public health, human resource development and sustained, inclusive and equitable growth that generates employment . It should be based on the Rio principles, in particular the principle of common but differentiated responsibilities, and should be people-centred and inclusive, providing opportunities and benefits for all citizens and all countries.
26.We view the green economy as a means to achieve sustainable development, which must remain our overarching goal. We acknowledge that a green economy in the context of sustainable development and poverty eradication should protect and enhance the natural resource base, increase resource efficiency, promote sustainable consumption and production patterns, and move the world toward low-carbon development.
27.We underscore that green economy is not intended as a rigid set of rules but rather as a decision-making framework to foster integrated consideration of the three pillars of sustainable development in all relevant domains of public and private decision-making.
*3 A Agenda 21 Global é o principal resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio-92. É atualmente o documento mais abrangente e de maior alcance no que se refere às questões ambientais, contemplando em seus 40 capítulos e 4 seções temas que vão da biodiversidade, dos recursos hídricos e de infra-estrutura, aos problemas de educação, de habitação, entre outros. Por esta razão tem sido utilizada na discussão de políticas públicas em todo o mundo, tendo em vista a sua proposta de servir como um guia para o planejamento de ações locais que fomentem um processo de transição para a sustentabilidade.
Para ter acesso ao texto integral da Agenda 21, faça o download do arquivo aqui.
*4 Sob judice: Expressão latina que designa alguma coisa que ainda está
sob a apreciação judicial.
*5 Mobilidade social – é a passagem de um indivíduo ou de um grupo de um extrato ou de uma classe social para outra. Recentemente, isso aconteceu no Brasil com a melhoria das condições econômicas. Estima-se que, entre 2005 e 2011, mais de 40 milhões de brasileiros passaram a integrar a chamada classe C. Com isso, a classe média brasileira aumentou e hoje concentra mais de 50% da população.
*6 NIMBY é um acrônimo inglês, de Not In My Back Yard, que significa "não em meu quintal", em português.
*7 Memorando Summers – Em 1991, um memorando de circulação restrita aos quadros do Banco Mundial, de autoria de Lawrence Summers, então economista chefe do Banco, que acabou sendo publicado pelo Jornal The Economist, trazia a seguinte proposição: Cá entre nós, o Banco Mundial não deveria incentivar mais a migração de indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos?
*8 Convenção da Basiléia – um acordo que define a organização e o movimento de resíduos sólidos e líquidos perigosos. Ela permite a concessão prévia e explícita de importação e exportação dos resíduos autorizados entre os países de modo a evitar o tráfico ilícito. O Brasil ratificou a convenção em 1993 proibindo a importação e exportação de resíduos perigosos sem consentimento.
——————-
Entrevista para o Grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Pobreza
Concedida à: Flávia Machado
Revisada por: Eliane Araujo.
A Rio +20 é um caminho para ser retomado,mas,não é o único.Podemos discutir nas escolas,comunidade,centros de formação sobre a importância de reduzir a q lixo do
SOCIEDADE BRASILEIRA AINDA TEM POUCA INSTRUÇÃO
PARA ENTENDER.É PRECISO INVESTIR MUITO NA EDUCAÇÃO,SAÚDE,PARA O POVO PARTICIPAR DE FORMA MADURA E CONCIENTE.
MARIA ANGELA LAHMEYER