Como uma das responsáveis pela pesquisa “A participação das mulheres na associação da comunidade A Ver-o-Mar e o desenvolvimento local”, Etienne Amorim Albino da Silva, mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), analisa a participação das mulheres dessa comunidade nas redes de relações que embasam o desenvolvimento da localidade. Na entrevista, Etienne comenta como o processo de fortalecimento das mulheres de A Ver-o-Mar tem esbarrado em valores patriarcais, que desvalorizam a participação feminina e dificultam a tomada de decisões, e ressalta a busca delas para serem notadas como ?sujeitos ativos? de suas vidas e da comunidade.
Mobilizadores COEP – Quais as principais características da comunidade A Ver-o-Mar e qual é sua principal atividade econômica?
R. A Ver-o-Mar é uma comunidade costeira do município de Sirinhaém, localizado a 76 quilômetros da capital e situado na zona sul do estado de Pernambuco. As principais atividades econômicas da comunidade estão ligadas à pesca no mar desenvolvida por homens, à pesca no mangue desenvolvida pelas mulheres, ao trabalho de vigia e de caseiro das casas de veraneio, ao emprego como empregada doméstica – atividade meramente feminina – e ao comércio em barracas na praia. Outras atividades que acrescentamos a essas são trabalhos como tratorista, pedreiro, produção de artesanato, produção de doces como a passa de caju, professora e merendeira. Há também a aqüicultura, que seria especificamente o cultivo de camarões e peixes em viveiros, mas esta atividade é desempenhada por grandes e pequenas empresas que se alojam na região. Os principais problemas encontrados na comunidade de A Ver-o-Mar foram revelados nas oficinas do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), uma das etapas do projeto de desenvolvimento local implantado na comunidade. Identificamos que há uma grande dificuldade na comercialização dos produtos desenvolvidos pela comunidade, como o pescado, o artesanato e os doces. Os/as participantes ressaltam que não conseguem uma linha de crédito acessível ao grupo e não possuem recursos financeiros disponíveis para a elaboração de produtos artesanais. No aspecto da infra-estrutura, visualizamos uma deficiência no número de moradias: no momento da pesquisa, a comunidade constava de 200 casas e, em cada casa, geralmente, residia mais de uma família. Como os terrenos disponíveis na região possuem valores altíssimos para a venda – o que não condiz com a realidade financeira dos/as moradores/as – este é um dos principais problemas encontrados na comunidade. Os/as participantes comentam ainda que não existe rede de saneamento básico, como também há deficiência de transporte alternativo. No que diz respeito ao meio ambiente, há no local a presença da pesca predatória com rede de camboa e utilização de água sanitária, o que é impróprio para a conservação do mangue. Os/as moradores também afirmam que está havendo o desmatamento do mangue para a construção de viveiros de camarão. Por fim, quanto à organização, muitos reclamam da falta de comunicação entre os associados da Associação de Pescadores e Moradores e ressaltam a existência de muitos conflitos, sendo visível a desunião entre os associados e as dificuldades em aceitar críticas.
Mobilizadores COEP ? Conte-nos um pouco sobre o projeto de desenvolvimento local que está sendo implantado na comunidade de A Ver-o-Mar. Quais são os principais objetivos?
R. Dentre as comunidades costeiras do litoral sul de Pernambuco, A Ver-o-Mar foi escolhida para participar de um projeto internacional de pesquisa sobre comunidades costeiras, financiado pelo Coast Community Health Network (CCHN) e pela Research Development Initiative (RDI), que envolve professores da Saint Mary´s University (Canadá), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade de Cienfuegos (Cuba) e Universidade de San Sebastián (Chile). Uma das professoras colaboradoras deste projeto aqui, em Pernambuco, desde 2004, é a professora Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão. Estes professores analisam e elaboram novos dados específicos sobre a situação das Comunidades Costeiras nos diferentes países envolvidos, com a intenção de conhecer o potencial local e o capital social. Um dos principais objetivos é refletir sobre a inclusão social e ajudar no processo de divulgação turística da região, além de continuar o debate sobre cidadania e sustentabilidade em A Ver-o-Mar. A partir deste projeto internacional, a professora Maria do Rosário mostrou o resultado de sua pesquisa nesta comunidade, um artigo e um acervo fotográfico aos alunos do Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, convidando-nos para participar como voluntários e pensar o que poderíamos fazer para tentar ajudar a comunidade. Diante deste fato, nos motivamos a realizar as oficinas de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), no intuito de fazer com que os/as moradores/as da localidade participassem conosco no levantamento de informações básicas como situação da infra-estrutura, organização, meio ambiente, produção, resgate da história da comunidade e na sistematização e avaliação de problemas e alternativas previamente levantados, através de critérios discutidos e propostos pelo grupo. As oficinas de DRP foram realizadas na comunidade pelos próprios alunos regulares da primeira turma deste mestrado, a partir de trabalhos em grupos e plenárias.
Mobilizadores COEP – Um dos objetivos principais dessa pesquisa foi analisar a eficácia da participação das mulheres da comunidade A Ver-o-Mar no desenvolvimento local. Como você analisa o impacto da participação feminina nesse processo?
R. Analisamos que a participação feminina no processo de desenvolvimento local desta comunidade é limitada quanto ao acesso ao poder por parte dessas mulheres nas tomadas de decisões nas esferas públicas e privadas. Notamos que as mulheres participam ativamente na associação da comunidade (existe uma ausência da participação dos homens), mas esta aparente conquista das mulheres na esfera pública está ligada aos valores patriarcais, pois os homens ressaltam que as mulheres participam porque elas têm mais tempo e eles não participam porque não têm tempo e não se interessam em realizar atividades comunitárias não remuneradas. Observamos, desta forma, uma incompreensão dos homens quanto à participação feminina nos rumos da associação devido ao sexismo, que torna invisível o trabalho doméstico feminino, desconsiderando-o como trabalho. É importante que as mulheres participem em grupos para poder adquirir o empoderamento, ou seja, acordarem politicamente, mudarem a maneira de pensar e agir, proporcionando o protagonismo local. Em A Ver-o-Mar, elas ainda estão construindo esse processo de empoderamento. Averiguamos um certo centralismo no que se refere ao governo municipal. As conquistas das mulheres ficam restritas ao que interessa à prefeitura, limitando a tomada de decisão no processo de desenvolvimento local. Ao poder municipal interessa muito mais se promover, ganhar credibilidade dos moradores e parecer que vem executando ações solicitadas pela população local. O processo de empoderamento destas mulheres está se dando por elas mesmas, a partir do seu querer mudar. Como elas notaram que a Associação de Pescadores e Moradores não conseguia trazer projetos voltados para o público feminino, decidiram se unir como um grupo de produção artesanal para implantar outra associação na comunidade, a Associação de Artesãs. Elas acreditam que com uma associação voltada ao público específico que são as mulheres, possam conseguir projetos e linhas de crédito para saírem da invisibilidade e serem notadas como ?sujeitos ativos? de suas vidas e da comunidade.
Mobilizadores COEP – Você aponta na pesquisa a ausência de homens nas reuniões da associação de moradores de A Ver-o-Mar. Isso se deu em função de a pesquisa estar embasada na perspectiva de gênero? É um exemplo isolado ou, pela experiência de vocês, acontece com freqüência?
R. Sim, se deu em função de a pesquisa estar embasada na perspectiva de gênero. Não é um exemplo isolado: é freqüente a ausência dos homens nos rumos da associação. Como já mencionei, eles afirmam que não têm tempo. Justamente nos horários das reuniões que fizemos na comunidade muitos estavam trabalhando. Mas, mesmo nas reuniões da associação, que acontecem no primeiro sábado de cada mês, há uma ausência dos homens. As mulheres têm assumido a liderança da associação, não por consciência crítica ou pelo real acesso ao poder, trata-se muito mais de uma imposição das desigualdades sociais.
Mobilizadores COEP – Que fatores, segundo sua pesquisa, mais impedem ou limitam o processo de desenvolvimento local?
R. Os fatores que mais impedem o desenvolvimento da comunidade de A Ver-o-Mar é a postura centralizadora, clientelista e patriarcalista, tanto do governo municipal quanto dos homens da localidade.
Mobilizadores COEP – Na pesquisa, vocês dizem: ?… notamos que os cidadãos que fazem parte do cenário (de desenvolvimento local) podem controlar a situação do poder local, saindo desta forma da passividade das ações do clientelismo e se estruturando como atores ativos do processo de desenvolvimento?. Quais formas você considera eficientes de estímulo à participação, especialmente das mulheres, no desenvolvimento local? Conhece iniciativas de empoderamento que têm surtido resultados positivos, transformadores?
R. Exercitando a participação – que é a real possibilidade de influir na tomada de decisão e ter acesso à informação e ao poder -, as mulheres empoderadas têm a capacidade de modificar suas próprias vidas e o que está a sua volta. Considero que estimulando a participação através de oficinas, reuniões, palestras, visitas de observação em outras comunidades que já estejam participando de processos de desenvolvimento, a comunidade em questão pode se mobilizar e se estimular para a busca do seu desenvolvimento, pois, visualizando que a sua realidade não é única no universo, os indivíduos passam a querer também a mudança social para a sua comunidade.
Cara Profa. Ms Etienne, parabéns por esse valioso trabalho. Oportunamente gostaria de compartilhar um trabalho que desenvolvi com 200 mulheres nas florestas de RO, em 2006. A capacitação em Planejamento Estratégico (metodologia adaptada das teorias de Administração e de métodos de Planejamento Participativo, desenvolvidos por mim) foi a ferramenta usada para o fortalecimento de líderes comunitárias e de ONG’s, sendo um sub-projeto de um Projeto de Empoderamento das Mulheres de RO. Foram 10 Oficinas que gerou um documento de mais de 500 laudas. A semente desse projeto iniciou-se em 2004.
Essa partilha é para me congratular com seu rico trabalho e de toda a equipe de docentes e discente. O empenho em estudar esse tema dentro do universo pesquisa é de grande importância para o desenvolvimento dessas comunidades.
Gostaria de oportunamente ter contato com esse projeto e trocarmos experiência.
Para tanto preciso de uma sugestão para lhe encontrar, já que aqui no fórum não temos acesso direto aos e-mail.
Parabéns mais uma vez e tenha certeza que sua presença na comunidade já traz uma luz no túnel, para que paulatinamente haja processos de mudanças.
Parabéns pela iniciativa de pesquisar essa realidade. A participação das mulheres dentro dos grupos sociais ainda é limitada devido a cultura machista, que acaba por barrar o desenvolvimento do potecial feminino.
Bacanérrimo o trabalho, mas nada estranho o preconceito. Vivemos há muitos séculos na cultura da lei do mais forte e quanto menor o grau de instrução e acesso à informações, mais grave é a tradição de submeter os mais fracos. A luta pela igualdade de direitos, na qual se insere o movimento de valorização da mulher esbarra nos costumes, hábitos e tradições, além de não interessar aqueles que usufruem do poder.
Por esta razão é da maior importância que as associações e iniciativas de construção de gestão participativa acolham e valorizem as mulheres, para que se reforce à cada dia a expressão da relevância de seus papéis e o significado do poder como fruto desta atitude.
Parabéns Etienne
A pesquisa da Etienne, com esse olhar para a perspectiva de gênero, é surpreendente.
É uma fotografia da realidade da vida de muitas mulheres por esse Brasil a fora.
Sabemos que o desenvolvimento local só acontece de dentro para fora, começando pela mudança interior de cada cidadão, de cada membro da comunidade.
Parabéns pela pesquisa.