Há vinte anos, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92, reuniu 172 países que, pela primeira vez, discutiram problemas ligados à preservação ambiental e ao desenvolvimento sob uma perspectiva global.
Em junho de 2012, o Rio de Janeiro vai sediar outra conferência, a Rio+20. Mais do que um balanço da implementação dos compromissos assumidos em 1992, o encontro tentará avançar em uma proposta de desenvolvimento sustentável. No entanto, conceitos e até mesmo os temas escolhidos para serem debatidos na Rio+20 vêm provocando polêmica, especialmente a chamada economia verde.
Nesta entrevista, a secretária-executiva do COEP Nacional, Gleyse Peiter, fala sobre a importância da Rio+20 para o Brasil no contexto mundial, sobre os avançamos obtidos desde a Rio 92 e os desafios daqui para frente. Para ela, é tempo de agir e fazer acontecer, pois não há mais como esperar: o planeta tem pressa.
Mobilizadores Coep – O que é e qual a importância da Rio + 20 para o Brasil e para o mundo?
R.: A realização da Rio+20 e de todas as atividades paralelas que ocorrerão demonstram que existe uma preocupação real, pelo menos de alguns setores, com as questões que envolvem o modelo de desenvolvimento que existe hoje no mundo: a consciência da finitude dos recursos naturais do planeta, o reconhecimento de que mais de 1 bilhão de pessoas ainda sofrem de fome, que existe um caos climático e que o poder ainda se concentra nas mãos de poucos. Essas questões tão importantes certamente serão discutidas na Conferência e talvez este possa ser mais um passo na construção de um novo futuro. Para o Brasil, que hoje é uma referência no combate à pobreza, pode ser um momento de se firmar como um ator global de relevância, e ser líder na discussão sobre a erradicação da miséria no contexto do desenvolvimento sustentável, que é tema prioritário da Conferência.
Mobilizadores Coep – O que podemos esperar como resultados desse evento?
R.: Acho que o mais importante é que não haja retrocessos. Na Rio 92, foram assinados tratados importantes em relação às mudanças climáticas, à biodiversidade, à desertificação, gerando discussões específicas, ou seja, houve avanços inegáveis. Portanto, 20 anos depois não é possível que esteja tudo no mesmo nível ou que se volte à estaca zero e sejam iniciadas as mesmas discussões de anos atrás. Os países que naquela época não se comprometeram com os acordos devem agora rever suas posições e reconhecer que não há tempo mais para esperar ou para ficar anos a fio ainda discutindo pontos, colchetes e vírgulas dos textos. A Rio+20 pode ser um momento de deixar claro para todos que é hora de fazer acontecer.
Mobilizadores Coep – Na sua avaliação, quais os pontos mais controversos? Por quê?
R.: Os pontos controversos são as definições dos temas que serão discutidos, principalmente a chamada economia verde. Alguns acham que ela pode ser a grande resposta para todos os problemas, mas também pode significar apenas a mercantilização dos bens da natureza. Outro ponto importante é valorizar a discussão sobre as mudanças climáticas, considerando seus impactos nas populações mais vulneráveis. Embora seja um tema específico, tem uma dimensão transversal, por ser mais um agravante na situação de pobreza de pessoas afetadas por seus impactos. É um grave problema para muitos países, inclusive para o Brasil.
Mobilizadores Coep – Fala-se que talvez sejam anunciados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais vigorariam a partir de 2015, quando se encerram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Qual a importância desses novos objetivos?
R.: Os objetivos podem ser transformados em metas a serem alcançadas. É um ponto importante, pois dá concretude aos compromissos. Se uma nação se compromete com os ODS, terá que criar políticas públicas ou mecanismos que permitam o alcance das metas, que poderão ser monitoradas. Dependendo do alcance dos ODS, podem ser também sujeitos ao controle social, garantindo a participação da sociedade civil, dos conselhos e de outras instâncias na cobrança ao Estado por resultados.
Mobilizadores Coep – Em que pontos o Brasil avançou desde a Rio 92 e quais os principais desafios daqui para frente?
R.: Acho que o principal ponto foi na melhoria de seus indicadores sociais. Embora ainda tenhamos 16 milhões de pessoas na miséria, muito se evoluiu neste aspecto e também na agenda ambiental. Apesar da criação de políticas públicas que tratam de questões ambientais importantes, ainda continuamos com o desafio de crescer com uma matriz energética limpa, de reduzir o desmatamento, de desenvolver tecnologias que permitam crescimento para todos. Além disso, é preocupante que, às vésperas da Rio + 20, tenhamos aprovado na Câmara dos Deputados um Código Florestal tão retrógrado.
Mobilizadores Coep – As condições econômicas do Brasil melhoraram nos últimos anos e hoje convivemos com uma nova classe média, que tem consumindo cada vez mais. O que é necessário para frear o consumismo, especialmente em casos como o brasileiro, onde algumas pessoas somente agora estão tendo oportunidade de adquirir certos tipos de bens?
R.: Acho que é mais profundo que só frear o consumo. Tudo isso passa por uma questão de valores e cultura. Se ter mais, ostentar mais, gastar mais é o que tem maior valor numa sociedade, então vai ser difícil combater o consumo desenfreado. O COEP, como uma rede de mobilização já fez discussões sobre o consumo consciente e a valorização das pessoas. Minha experiência pessoal, após um ano sem comprar nada que não fosse absolutamente necessário, me mostrou que criamos necessidades que não existem de verdade, que são inventadas pela mídia. Mas, aqueles que entraram no mercado de consumo agora devem ter todo o direito de acessar aos bens que não tinham antes – é uma questão de justiça. Podemos aqui considerar os princípios da justiça ambiental e climática: a crise é responsabilidade de todos, porém com maior peso àqueles que historicamente foram responsáveis por sua origem.
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Entrevista para o Grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Pobreza
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.