Criado há 21 anos pelo professor, médico clínico-geral e mestre em Bioquímica, Munir Chamone, do Departamento de Bioquímica?Imunologia da Universidade Federal de Minas de Gerais (UFMG), o Pão Forte Educativo – mistura fortificada que é considerada uma simplificação bioquímica da cesta básica sob a forma de pó (farinha) – acabou se transformando num poderoso instrumento de combate à subalimentação em comunidades de baixa renda de Minas Gerais. Com esse tipo de alimentação, as crianças, antes desnutridas, debilitadas, fracas e com dificuldades para se alimentar, tornam-se alegres, resistentes a doenças e mais participativas nas atividades educacionais.
Mobilizadores COEP ? Que fatores podem levar à desnutrição?
R.: Obviamente é a falta da comida, e esta vai desde o prato vazio até o prato cheio, mas incompleto pela ausência de algum nutriente (por exemplo, vitaminas), ou um prato contendo só macarrão, inhoque e pão; que tem a farinha de trigo como principal ingrediente. Entretanto, essa é uma resposta que enfoca apenas o lado físico, porque a desinformação torna comum a ingestão do alimento acessório (guloseimas, etc), principalmente nas periferias das cidades onde o risco social é maior.
Um exemplo de informação disseminada através dos séculos e que permitiu a sobrevivência dos povos antigos é a combinação de um cereal com uma leguminosa. O que falta no cereal para preencher o espaço que fica entre o osso e a pele – ou seja, a carne – a leguminosa tem, e vice versa. Assim, sobreviveram os asiáticos com a mistura arroz e soja; os europeus, com o trigo e a lentilha; e os povos das Américas, com o milho e o feijão.
Com razão, os especialistas dizem que fazendo uso dessa informação e acrescentando o óleo ou a gordura (que fornecerá energia para o corpo, enquanto a mistura vegetal é aproveitada para formar carne), teremos a oportunidade de erradicar do mundo a desnutrição proteico-energética. Então, além do acesso à comida, devemos ter o acesso à informação intervencionista, sem complicar, com detalhes para os grupos em risco social. E a informação é necessária tanto para quem tem fome ou se alimenta errado, quanto para quem deseja ajudar a combatê-la.
Mobilizadores COEP ? O que caracteriza um quadro de desnutrição?
R.: Ledo engano de quem imagina que é a redução do peso e da altura. Eles são os mais fáceis de serem avaliados. Há ainda outros aspectos físicos tais como sinais de ?entrada? de calvície; crianças de etnia negra com cabelos arruivados; crianças descoradas; etc. Porem, o terrível é o comprometimento da atividade mental (mesmo transitória) que é pouco valorizada porque não se expõe fisicamente como o peso, os cabelos, etc. Uma criança que passa fome tem uma lentidão em seu raciocínio e, muitas vezes, por essa condição rotula-se a criança de preguiçosa e até de ?burra?. Aqui é bom lembrar que o comportamento tem uma base anatômica chamada cérebro que funciona à base de comida.
Mobilizadores COEP ? Que consequências a desnutrição pode ter?
R.: Uma delas é a anemia, que está associada às infecções porque – e aqui vai uma expressão popular – para o micróbio ?levar ferro?, o organismo necessita da presença do ferro. Ainda referente às infecções, o que termina em ?ite?, como sinusite, otite, faringite, pneumonite, enterite, etc, pode estar associado à falta de vitamina A porque esta protege a mucosa da infecção. Dessa forma, a vitamina A pode reduzir em 30% a mortalidade infantil, sem falar nas milhares de crianças que não iriam morrer, mas que teriam evitado infecções. Isso apenas comendo uma cenoura dia sim, dia não. O mais terrível é o comprometimento da atividade mental que é pouco valorizado porque não se expõe fisicamente como o peso, as infecções, etc.
Mobilizadores COEP ? Do que é composto o ?Pão Forte Educativo??
R.: É análogo a uma cesta básica em pó, contendo uma mistura de leguminosa diferente do feijão (soja), cereais (arroz, fubá e farinha), óleo e vitamina A. Tem ainda açúcar, sal, ferro e vitamina B12. O ferro é para combater a anemia, e a vitamina B12 é acrescentada pelo fato de aparecer em pouca quantidade nos alimentos de origem vegetal. O açúcar e o óleo estão dentro dos limites estabelecidos em lei (recente) para o consumo pelas crianças. Mas lembro que essa cesta básica em pó não é uma mistura especificamente destinada às crianças.
Mobilizadores COEP ? Como deve ser preparado e como deve ser usado o ?Pão Forte Educativo??
R.: Da mesma forma que um mingau de fubá é preparado. Adicionar a mistura em pó à água fria, mexer, levar ao fogo por 5 a 10 minutos, mexer e pronto. Qualquer um sabe qual o ?ponto? de cozimento e qual a ?grossura? do mingau. Dessa forma, se prepara em 10 minutos refeição para 20 crianças ao custo de apenas R$ 7,50, mais o que se economiza em custos para manter a infraestrutura de uma cozinha. Alguns fazem com leite ou leite mais água. Antigamente, era sob a forma de pão, mas com o aumento da demanda foi criado o mingau. Contudo, usando-se menos água e o forno, pode-se fazer um bolo ou pão. A mistura é apresentada nos sabores doce ou salgado, em embalagem de um quilo.
Mobilizadores COEP ? Qual é a contribuição do ?Pão Forte Educativo? para a alimentação diária das crianças?
R.: Em nossa experiência, aquilo que a família tem em casa mais uma porção do Pão Forte têm sido suficiente para iniciar o processo de recuperação [nutricional]. Como o pão forte, o consumo de açúcar foi naturalmente reduzido, a ingestão de comida caiu à metade, e os pais compreenderam a importância de uma merenda mais saudável. Em uma colherada do mingau a criança ingere de uma só vez arroz, soja, fubá, farinha de trigo, óleo, açúcar, ferro e vitaminas. Aqui cabe dizer que onde é utilizado o Pão Forte, o consumo de alimentos é reduzido à metade, e a necessidade de comer muito desaparece.
Mobilizadores COEP ? Onde e por quem o ?Pão Forte Educativo? foi introduzido? De que forma?
R.: Inicialmente, em 1989, houve interesse acadêmico, mas depois fomos estimulados pelo comentário de uma mãe a uma enfermeira: ?meu filho come feijão quando cata na água do córrego que corre na vila?. Essa água era um esgoto a céu aberto, e isso superou o interesse acadêmico.
A partir de 1993, as ações previstas pelo Pão Forte Educativo em parceria com o Instituto de Cidadania dos Empregados (Indec) do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) foram desenvolvidas em creches, porque elas podem contribuir para políticas públicas de combate à exclusão social e não devem repetir internamente o que acontece nas casas das crianças.
Mas também há locais que podem ser ou já são núcleos comunitários irradiadores de ações que conquistaram o reconhecimento da população. Esses núcleos organizados com as famílias facilitam o alcance das idéias em programas de saúde e de comportamento social da população em geral. A ideia central é facilitar o que o núcleo comunitário vem fazendo e nunca ensinar o que eles já fazem. Somos visitantes e não tutores porque, se não fosse assim, seríamos ?laço? e não atuaríamos como uma rede social, conforme preconizado pelo COEP.
Quem financia o projeto é o Indec e envolvemos 20 mil pessoas, direta e indiretamente, representando um custo de menos de 1 real por pessoa ao mês.
Mobilizadores COEP ? Como foi a participação do COEP-MG no programa?
R.: Da convivência com o COEP-MG, ampliamos a ideia de parceria para envolver uma rede social, o que aumenta a responsabilidade não só em busca de resultados apenas numericamente mensuráveis. Na parceria até pode existir algum setor ou alguém superior em hierarquia, mas isso não acontece na rede social porque ela é homogênea. O COEP-MG lançou o Programa de Avaliação Nutricional Infantil (PANI) que é uma versão do Pão Forte Educativo nas comunidades onde atua.
Mobilizadores COEP ? Que resultados foram obtidos pelo projeto?
R.: No que se refere à noção de segurança alimentar, o comum a referência à questão da oferta ou do acesso ao alimento. Mas e a insegurança alimentar induzida pela desinformação no adulto? Mais ainda, e a insegurança vinda do comportamento da criança crescendo em ambiente hostil com pouca comida?
Cabe ainda dizer que em local onde foi utilizado o Pão Forte, a cobertura vacinal se eleva, os pais participam, a diarréia desaparece, as crianças ficam mais ativas, etc. Socialmente, um fator de segurança alimentar é a contribuição do técnico do projeto em mostrar que o desenvolvimento da comunidade está essencialmente ligado às oportunidades que podem ser oferecidas à população. As oportunidades incluem direitos sociais básicos como alimentação, saúde, creche, lazer, educação, pré-natal, etc.
Mobilizadores COEP ? Como é o processo de implantação do programa nas comunidades?
R.: Primeiro alguém do local deve se interessar, depois vem o contato com a liderança comunitária. As iniciativas em ação social iniciam pela alimentação, mas com vistas ao desenvolvimento comunitário porque cada local de atuação equivale a uma oficina social como referência para os moradores do entorno em risco social. Por ser uma oficina social este tem sempre uma ação concreta para realizar, ou seja, a ação deve ser intervencionista. E não poderia ser de outro modo porque isso faz parte da estratégia do COEP que insere em seu nome a expressão ?pela vida? e também é inerente ao Indec-BDMG que é formado por funcionários de um banco público que tem a palavra desenvolvimento inserida no nome.
Mobilizadores COEP ? Comunidades de todo o Brasil podem ter acesso ao ?Pão Forte Educativo?? Como?
R.: Sim. Pão Forte Educativo (31) 3397-3423 e 3397-0826, (paoforteeducativo@ig.com.br); INDEC-BDMG: (31) 3219-8165, (indec@bdmg.mg.gov.br), http://www.indec.org.br; COEP-MG: (31) 3218-3600 coepmg@coepbrasil.org.br, http://www.coepbrasil.org.br/coepmg; COEP CONTAGEM: (31) 3331-1789; (coepcontagem@coepbrasil.org.br); http://www.coepbrasil.org.br/coepcontagem.Entrevista do Grupo Combate à Fome e Segurança AlimentarConcedida a: Rafael MedeirosEditada por: Eliane Araujo