Para Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no cerne da erradicação da miséria está a questão da alimentação. Neste sentido, o êxito do Plano Brasil Sem Miséria está intrinsicamente relacionado com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan) e a implantação do Plano Nacional de Segurança Alimentar (Plansan), apresentado em setembro de 2011, com oobjetivo deestimular a integração de governos e da sociedade civil no monitoramento e avaliação da segurança alimentar e nutricional no país.
O lançamento do plano fez parte da comemoração do aniversário de 5 anos da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). A lei institucionalizou a responsabilidade do poder público na promoção do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos, em qualidade e quantidade, e criou o Sisan.
Renato Maluf acrescenta que a participação social é fundamental na conceituação com que se trabalha a Segurança Alimentar e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil. Neste sentido, várias organizações sociais participaram da formulação do Plansan, por intermédio do Consea-Nacional, e a ideia é que participem também da formulação dos planos estaduais e municipaisde segurança alimentar.
Rede Mobilizadores – Quais os principais objetivos do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan)?
R.: O Plansan dá continuidade a uma das determinações da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Losan), que é a elaboração de um plano intersetorial e participativo que reúna e articule os programas e ações voltados à promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e ao direito humano à alimentação adequada e saudável.
Assim, seus objetivos gerais correspondem aos previstos na Lei Orgânica, que determina ao poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formular e implementar políticas, planos, programas e ações para assegurar o direito humano à alimentação adequada.
Sendo um plano de governo, sua elaboração foi de responsabilidade da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan)*1 que, no entanto, ouviu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), assim como a representação dos Conseas estaduais que participam do Conselho Nacional.
Rede Mobilizadores – Quais os maiores desafios do Plansan?
R.: O maior desafio é o de promover aos mais pobres o acesso às políticas públicas (entre as quais as de alimentação) e aos direitos de cidadania. Em especial a alguns grupos sociais, como a população em situação de rua, povos indígenas, segmentos das populações rurais das regiões Norte e Nordeste, além de algumas periferias urbanas. A reforma agrária e os direitos territoriais são condição de acesso à alimentação adequada para vários desses grupos.
É preciso também dar continuidade a programas como o 1 Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) *2, que promove o acesso à água de qualidade para consumo humano e também para a produção das famílias rurais do Semiárido.
Outro desafio é controlar o vertiginoso crescimento do sobrepeso e da obesidade da população, que se tornaram problema de saúde pública, requerendo ações intersetoriais, com destaque para a educação alimentar e a regulamentação da publicidade de alimentos.
Para além dos programas específicos, uma meta prioritária é o efetivo engajamento dos estados e municípios na construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan)*3 e na implantação do Plansan. Igualmente importante é a questão da evidente insuficiência do marco legal que rege a participação das organizações da sociedade civil nas políticas públicas.
Rede Mobilizadores – De que forma o Plansan vem corroborar a proposta do Brasil sem Miséria?
R.: Não há como definir a pobreza extrema (a miséria) e, portanto, não há como atuar sobre ela sem colocar os alimentos no centro das preocupações. Afinal, o acesso insuficiente a uma alimentação adequada e saudável é um dos principais determinantes dessa condição.
O mais que oportuno lançamento do Plano Brasil sem Miséria*4 – miséria esta uma mazela totalmente possível de ser erradicada da sociedade brasileira – tem uma ampla área de convergência com as ações previstas no Plansan. Mais do que isso, o êxito do Brasil Sem Miséria depende, em razoável medida, da capacidade de capitalizar a energia social mobilizada pela Estratégia Fome Zero e que está presente na construção do Sisan e na implantação do Plansan.
Governos podem muito e é claro que a revalorização do papel do estado esteve na base dos resultados já alcançados pelo Brasil no campo social; porém, governos não podem tudo, sendo muito difícil imaginar a erradicação da miséria sem decisiva participação social.
Rede Mobilizadores – Como o lançamento do Plansan pretende contribuir para um maior controle social sobre as iniciativas voltadas à garantia da alimentação no Brasil? Neste sentido, de que forma a sociedade civil poderá contribuir?
R.: Como disse antes, o Plansan é intersetorial e participativo. A participação social é constitutiva da conceituação com que trabalhamos a Segurança Alimentar e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), e ela esteve presente já na formulação do plano por intermédio do Consea-Nacional. Os Conseas, nas três esferas de governo, constituem o principal espaço de participação e controle social do Plansan. Propõe-se que a formulação de planos estaduais e municipais conte, igualmente, com a participação das organizações sociais nessas esferas, com ativo papel dos respectivos Conseas.
Claro que os Conseas não são a única forma de participação da sociedade. Há vários programas em que as organizações da sociedade civil têm envolvimento direto e decisivo, como no já citado P1MC, na economia solidária e no próprio Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). É crucial, por exemplo, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) o bom funcionamento dos Conselhos de Alimentação Escolar. Outros exemplos poderiam ser citados nas áreas da saúde e dos povos indígenas, por exemplo.
Rede Mobilizadores – Houve mudanças no país no que se refere à segurança alimentar desde que o Sisan foi instituído?
R.: Houve muita mudança. A principal delas corresponde à irreversível colocação da segurança alimentar na agenda pública do país, ainda muito dependente de setores do Governo Federal e que precisa ser igualmente abraçada pelas demais esferas de governo. Outra mudança substantiva diz respeito ao crescente aprimoramento no funcionamento da Caisan, quer dizer, na coordenação intersetorial no âmbito do Governo Federal, com a correspondente melhoria no diálogo com a sociedade por meio do Consea-Nacional.
Em termos dos indicadores sociais e nutricionais, têm sido bastante difundidas as melhorias no tocante à desnutrição, ao lado da redução da pobreza. Entre os mais pobres, assistimosà redução das manifestações mais graves de insegurança alimentar.
Nada do que foi dito significa ignorar os conflitos presentes no seio da sociedade brasileira e, portanto, no interior dos governos. Eles são constitutivos da nossa sociedade. Mencionem-se, entre outros, o enfrentamento com o modelo de agricultura promovido pelo agronegócio (monocultor, de intensa mecanização e altamente consumidor de agrotóxicos) e a intensa batalha por conseguir a regulamentação da publicidade dos alimentos que sofre forte oposição das corporações e dos meios de comunicação.
A propósito, reside aí um dos principais papéis dos espaços de participação social: dar visibilidade aos conflitos sociais e às diferentes visões sobre como enfrentar mazelas como a fome e a miséria, bem como jogar luz sobre os setores sociais que, de um modo ou de outro, permanecem invisíveis às políticas públicas.
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*1 – A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) reúne 19 ministérios e, sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), promove a articulação e integração dos órgãos e entidades federais relacionados ao setor em todo país.
*2 – O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) é uma das ações do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA). Seu objetivo é beneficiar milhões de pessoas em toda região semiárida com água potável para beber e cozinhar, através das cisternas de placas. Juntas, elas formam uma infraestrutura descentralizada de abastecimento com capacidade para 16 bilhões de litros de água.
*3 – O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), instituído pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), é um sistema em construção, que tem como objetivo promover o direito humano à alimentação adequada em todo o território nacional. Trata-se de um sistema público, de gestão intersetorial e participativa, que possibilita a articulação entre os três níveis de governo para a implementação das políticas de segurança alimentar e nutricional.
*4 – O Plano Brasil Sem Miséria foi lançado, no dia 02 de junho de 2011, pela presidenta Dilma Rousseff, com o objetivo de retirar 16,2 milhões de brasileiros da extrema pobreza. O plano agrega transferência de renda, acesso a serviços públicos, nas áreas de educação, saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, e inclusão produtiva.Entrevista do Grupo Combate à Fome e Segurança AlimentarConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo