Raquel Diniz, coordenadora de projetos de capacitação comunitária do Instituto Akatu, ONG criada em 15 de março ? Dia Mundial do Consumidor ? de 2001, mostra como o instituto trabalha para sensibilizar e mobilizar o consumidor brasileiro para que assuma seu papel de protagonista na construção da sustentabilidade, por meio do consumo consciente.
Mobilizadores COEP ? O que é consumo consciente?
R.: É consumir com consciência dos impactos causados pelo ato de consumo, impactos que podem ser negativos e positivos, levando em conta as dimensões individual, da sociedade, da economia e do meio ambiente.
Mobilizadores COEP – Quais são as empresas que mais negligenciam o meio ambiente no Brasil? Como os consumidores podem ter acesso ao nome dessas empresas socialmente irresponsáveis?
R.: O Instituto Akatu não costuma apontar empresas negativas, listas negras. Partimos sempre dos bons exemplos, de empresas e setores envolvidos na causa da sustentabilidade, que trabalham o consumo consciente. Valorizamos as empresas que estão fazendo, para que estas influenciem a concorrência saudável, a concorrência sustentável. Há diversos rankings. O Greenpeace, por exemplo, tem uma série de listas. Uma é voltada para eletroeletrônicos, com uma série de critérios e é bastante interessante para nortear a compra desses bens. Na verdade, há diversas maneiras de buscar informação. Uma delas é por meio do relatório socioambiental das empresas, divulgado em seus sites. As pessoas devem ler os relatórios. A própria mídia tem dado muita abertura a este tipo de notícia. A empresa que utiliza mão-de-obra infantil, por exemplo, corre o risco de ser denunciada a qualquer momento. O consumidor deve ficar atento às pautas ligadas a esse assunto.
Mobilizadores COEP – Numa sociedade em que a maioria da população tem baixo poder aquisitivo, podemos acreditar que os consumidores em geral vão punir as empresas na hora da compra, adquirindo apenas os produtos de empresas com práticas sociais e ambientais consideradas responsáveis, quando muitos desses produtos são mais caros?
R.: Na verdade, o grande desafio imposto à questão da sustentabilidade é como incluir bilhões de pessoas nesse modelo de produção e consumo que já se mostra insustentável. Hoje, de acordo com dados da Pegada Ecológica ? iniciativa que implementa programas e projetos socioambientais envolvendo o poder público, empresas e o terceiro setor, na busca de um meio ambiente ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável (www.pegadaecologica.siteonline.com.br/) ?, já consumimos 30% a mais de recursos do que a Terra é capaz de oferecer e de resíduos que pode absorver. Isso é um sinal de insustentabilidade para as futuras gerações. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem uma disparidade enorme entre países e mesmo dentro de um único país, como é o caso do Brasil, que tem grandes dimensões continentais e enormes desigualdades sociais. O IDH é um dos meios de se trabalhar o desenvolvimento, mas, muitas vezes, não mostra a questão da desigualdade. Hoje, pelo IDH, estamos até bem, somos considerados um país em desenvolvimento, mas sabemos a lacuna entre os 10% mais ricos, que detêm 50% da renda, e os 50% mais pobres, que têm apenas 10% da renda. Isso nos mostra a questão da insustentabilidade para as gerações atuais. Na verdade, pessoas que estão atingindo a classe C aumentaram seu poder de consumo, com mais facilidade a crédito etc. Então, como dizer a essa população que agora ela não pode consumir, pois temos que nos preocupar com a questão da sustentabilidade antes de consumir? É complicado. Este é o grande desafio. Como incluir este contingente populacional? Na equação da sustentabilidade, o aumento populacional e o aumento de consumo são bastante importantes. Nos últimos 40 anos, passamos de 3 bilhões a 6 bilhões de pessoas no mundo. Em relação ao consumo de bens de serviços domésticos, aumentou de 5 trilhões para 20 trilhões de dólares. Enquanto uma duplicou, a outra quadruplicou.
Mobilizadores COEP – Como agir, então, com relação a esta população?
R.: Não podemos restringir o consumo ao poder de compra. O consumo vai muito além da compra propriamente dita, envolve o planejamento a compra, o uso, até o descarte. Não importa se a população compra mais ou menos. Importa é que, ao consumir, ela pode fazer diferente. Por exemplo, uma comunidade no litoral norte do Ceará, que não tem muito contato com os bens de consumo, praticamente não compra, mas consome. Não pesca, não bebe água? Ela também pode ser consumidor consciente. Será que respeita os ciclos da própria natureza, será que pesca em momentos propícios? Será que na hora do descarte dos resíduos não polui o rio que a abastece de água? Há milhares de questões ligadas ao dia-a-dia que podem ser modificadas. O importante é que reflitamos sobre o nosso impacto de consumo, tentando maximizar os impactos positivos e minimizar os negativos. Parar para pensar nos nossos hábitos de consumo.
Mobilizadores COEP – Existem exemplos de empresas que estão sendo ou foram punidas pelos consumidores por suas práticas? Quais? Há dados sobre queda nas vendas ou redução do faturamento dessas empresas?
R.: O Akatu entrou, por exemplo, com uma representação no Ministério Público contra a Petrobras, por conta de o diesel que usa ter mais enxofre do que o permitido pela legislação, para que interrompesse a propaganda de responsabilidade social. Há casos emblemáticos, como o da Nike, que utilizava, na década de 90, mão-de-obra infantil na fabricação de bolas e sofreu o boicote de vários países, o que gerou uma baixa nas ações da empresa. Há também o caso da Shell, que já sofreu boicote quando quis afundar uma plataforma de petróleo, no Norte Asiático. Mas há casos positivos. A Braskem, quando lançou o plástico verde, derivado da cana-de-açúcar, e levou a público os resultados positivos desta iniciativa, obteve altas significativas em suas ações na Bolsa [de Valores] e, na mesma semana, duas concorrentes disseram que também iriam produzir o plástico verde. É importante ver a mobilização de empresas por meio do exemplo, da competição saudável.
Mobilizadores COEP ? Mas será que as ações da Braskem subiram por que, hoje em dia, quando se fala em trabalho voltado ao meio ambiente, agrega-se valor ao produto?
R.: O que regula o mercado são os desejos de uma determinada comunidade, seja ela internacional ou nacional. Se as ações ficaram mais valorizadas pelo valor agregado, é uma comunidade que em algum lugar no mundo incluiu este critério, que antigamente não era aceito como de valorização. Antigamente, preço e qualidade era o que dava força para alteração nas ações. Hoje, o critério valor agregado está sendo aceito, porque há uma necessidade de que se invista neste tipo de prática. Um exemplo que gosto de citar é a questão do rastreamento da carne bovina. Por que no mercado europeu só se consome carne de boi rastreada e, aqui no Brasil, a maior parte da carne rastreada é exportada? Por que não exigimos consumir carne rastreada aqui? Na época da vaca louca, quantos contratos internacionais foram quebrados, enquanto continuamos a consumir a mesma carne?! Por quê? Porque o consumidor brasileiro não está preocupado em saber se a carne veio de uma área de desmatamento etc.
Mobilizadores COEP ? A recente pesquisa do Akatu ?Responsabilidade social empresarial: a percepção dos brasileiros? apontou que a disposição de uma pessoa em punir ou premiar uma empresa por ela ser ou não socialmente responsável, está caindo. A que isso se deve?
R.: A pesquisa, disponível no site do Akatu (www.akatu.com.br/), apontou um certo descrédito do consumidor em relação às propagandas de responsabilidade social. A responsabilidade social é muito mais complexa do que uma ação pontual. Está muito mais ligada ao negócio. Uma empresa de alimentos será que está preocupada com sua cadeia produtiva ou só quer investir em projetos de terceiros? É preciso que repense seu modelo de produção e consumo, sob os aspectos da responsabilidade social. O que percebemos com a pesquisa é que o consumidor tem interesse no papel social das empresas, mas ainda não é ativo a ponto de influenciar a empresa em função de seu interesse. Há um gap entre o interesse na sustentabilidade e a tomada de atitude. Ele não busca estas informações e nem trabalha tanto com elas, punindo empresas socialmente irresponsável. Ele está engajado, mas seu comportamento tem uma outra leitura. Isso pode ser resultado do ceticismo do consumidor em relação às propagandas das empresas. Muita divulgação e pouco resultado real. É preciso que a empresa mostre que mudanças realizou e o que gerou de resultado. O Akatu tem parceiros que trabalham no varejo e estamos experimentando algumas práticas.
Mobilizadores COEP ? A sugestão de um dos participantes da Pesquisa Akatu sobre o comportamento social da empresa foi utilizar as embalagens e os pontos de venda como canais de informação ao consumidor. Você considera essa medida eficaz? De que maneiras as embalagens e pontos de venda poderiam informar o consumidor?
R.: É muito importante que, no momento da compra, o consumidor tenha informação à sua disposição sobre o que é um produto sustentável, que ações a empresa desenvolve, quem é essa empresa. O ponto de venda deve ser um local disseminador de informações fidedignas que mostrem critérios para que o consumidor perceba que tipo de benefícios tem ao consumir um determinado produto. As embalagens recicladas ou que podem ser recicladas também são importantes. Há embalagens em que você vê informações sobre origem do produto. A Natura, por exemplo, lançou uma tabela socialmente responsável, dizendo de onde vem o produto, se é de origem animal, vegetal, se tem refil. Incentivar a pessoa a comprar o refil e mostrar como e por quanto tempo é possível reaproveitá-lo é uma iniciativa responsável. Se um manual de eletroeletrônico mostra como postergar a vida útil do produto, isto também é importante. Há embalagens que hoje já utilizam o braile (sistema de escrita e leitura utilizado pelas pessoas cegas). Isto também é um grande diferencial.
Mobilizadores COEP – Em relação aos produtos orgânicos? Há algum tipo de controle em relação à sustentabilidade?
R.: Há milhões de certificações. Mas o fato de o produto ser orgânico, não quer dizer que seja necessariamente um produto sustentável. Ele pode ter usado mão-de-obra infantil em sua produção, ter contribuído para o aquecimento global, gastando muito combustível no transporte do alimento, utilizar uma embalagem não-adequada etc. Há vários aspectos que devem ser considerados na hora da compra, e se as embalagens trouxerem informações de valor, isso vai contribuir muito para o consumo destes produtos.
Mobilizadores COEP – Como as empresas parceiras do Akatu atuam na divulgação do consumo consciente entre seus funcionários, fornecedores e clientes?
R.: O Akatu tem mais de 80 empresas parceiras. Em algumas delas, o instituto desenvolve projetos de comunicação e educação. Todas as parceiras do Akatu podem disseminar informações e conteúdo do Akatu para seus clientes, funcionários. Há algumas empresas em que desenvolvemos projetos de longo prazo. As ações de comunicação são mais pontuais, falam mais com o público em geral. Já as iniciativas de educação, trabalham mais as relações com o consumidor, verificando por que é difícil mudar, como vencer os obstáculos da mudança. Quando trabalhamos com esse aspecto, levamos em conta o público (funcionários, estudantes etc.), fazemos diagnóstico, levantamos quais os aspectos da cultura daquela comunidade, quais características são importantes para que o trabalho fique mais legitimado. É um trabalho mais a longo prazo. Em geral, envolvemos os funcionários das empresas. Em nossa parceria com o Wall Mart, por exemplo, vamos formar mais de mil multiplicadores. Esses funcionários, voluntários, passam por capacitação de 20 horas e depois repassam, multiplicam conceitos e práticas para seus grupos, seja em lojas, centros de distribuição, escritórios. Também estamos trabalhando com os clientes do Wall Mart, nos pontos de venda, envolvendo os funcionários, pois eles são fundamentais. São eles que fazem a máquina da empresa funcionar, eles têm o contato com o dia-a-dia da empresa, com os fornecedores e clientes. Estamos efetivando, por exemplo, o uso da sacola ecológica retornável, a chamada ?eco bag?. Outro projeto é com os clientes do Tribanco, do grupo Martins. Trabalhamos com pequenos e médios varejistas. Estamos começando a desenvolver este trabalho e vai ter uma boa repercussão nacional, pois o banco está presente em todo o Brasil.
Mobilizadores COEP ? Este trabalho que desenvolvem com as empresas parceiras é o que chamam de ?pedagogia de sensibilização??
R.: Exato. Partimos da sensibilização para alcançarmos a mobilização para um consumo consciente, ou seja, focamos o problema existente e buscamos sensibilizar os indivíduos para a importância dos seus atos individuais de consumo, buscando informá-los sobre a inter-relação entre suas ações e seus efeitos, mostrando o impacto das ações cotidianas individuais de consumo e a importância das ações coletivas. Levantamos premissas ? capacidade de o indivíduo resolver problemas; interdependência dos problemas; impacto gerado por pequenas ações; capacidade de o indivíduo mobilizar outros; e o papel do exemplo na mudança do comportamento individual ? e em cima delas criamos a ?pedagogia da sensibilização?, composta por quatro seqüências pedagógicas: da relevância, da inderdependência, do cotidiano e da cidadania; e a ?pedagogia da exemplaridade?.
Mobilizadores COEP ? Fale-nos um pouco de cada uma destas seqüências pedagógicas.
R.: A ?pedagogia da relevância? pressupõe que as pessoas geralmente não conseguem entender qual a relevância de seu ato de consumo, nem que ele está ligado a uma atitude individual, cotidiana. A ?pedagogia da interdependência? pressupõe que a mudança no ato de consumo individual depende de a pessoa entender a questão da interdependência dos atos de consumo. Por exemplo, quando eu desperdiço água, mesmo que possa comprar um caminhão pipa, afeto quem não tem condições de comprar água do caminhão. Essa pessoa vai ingerir água de má qualidade e hoje sabemos que 70% das internações são derivadas da ingestão de água de má qualidade, o que gera um grande ônus para o sistema público de saúde. E quem paga por isso? Todo mundo, pois todos pagamos impostos. Para cada ação existe uma reação, e de alguma forma, todos somos afetados. A ?pedagogia do cotidiano? parte do pressuposto de que o fato de o indivíduo entender a relevância de seu ato de consumo e a questão da interdependência não é suficiente para gerar mudanças, pois há uma tendência de acreditar que ?uma andorinha não faz verão?, ou seja, que um ato individual é pouco para solucionar problemas. Por meio de cálculo de impactos, mostramos o contrário. Pequenas atitudes trazem resultados. Já a ?pedagogia da cidadania? pressupõe que um indivíduo é capaz de mobilizar outros em direção a mudanças em seus hábitos de consumo. Embora cada ato individual de consumo tenha sua relevância, o consumo coletivo tem um alto impacto na economia, na sociedade e no meio ambiente.
Mobilizadores COEP – E quanto à ?pedagogia da exemplaridade??
R.: Parte do pressuposto de que existem indivíduos que estão agindo de forma consciente em seu consumo e, desta forma, outros podem ser impulsionados, pelo exemplo, a fazer ações semelhantes. Exemplos individuais podem contaminar grupos cada vez maiores.
Mobilizadores COEP – É possível conciliar comércio justo, sustentabilidade e crescimento econômico?
R.: Eu acho que o comércio justo mostra que é possível gerar riqueza de valor, laços de consumo, capital social. Promove intercâmbio entre pequenos e médios produtores. É um grande exemplo de como trabalhar o crescimento econômico atrelado à sustentabilidade. Porque se só tivermos o econômico, o saldo será negativo, não se vai para lugar nenhum. É fundamental que o tripé da sustentabilidade ? conceito que considera que o resultado de uma organização deve ser mensurado em três dimensões: ambiental, econômica e social, de forma indissociável ? seja respeitado.
Mobilizadores COEP – O que se espera das empresas na atualidade? Qual seu papel para a construção de uma sociedade mais ética e responsável?
R.: O papel das empresas é fundamental. Tenho um dado antigo (de 2002), mas bastante relevante. Das 100 maiores economias do mundo, 29 são empresas. Acredito que hoje seja maior que isso. Citando o Wal-Mart, por exemplo,o faturamento anual no mundo da empresa, hoje, é pouco menos de um quarto do PIB brasileiro. Então a gente vê o poder de mobilização de recursos. Só no Brasil são mais de 70 mil funcionários. Então você imagina o impacto de uma empresa que lida diariamente com mais de um milhão de pessoas, levando em conta funcionários, familiares, fornecedores, consumidores, a sociedade.Entrevista concedida à: Marize Chicanel e Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Referente ao assunto achei interessante a abordagem do consumo consciente que vai além da restrição do consumo, trazendo a preocupação com o descarte. Então, qual o enfoque a ser adotado para fortalecer as campanhas e ações de consicentização da população frente ao consumo responsável?
Excelente entrevista, mostrando exemplos das empresas que já se preocupam com o meio ambiente. Só nos resta a população também fazer a defesa do meio ambiente e ter o cuidado de repassarem para os nossos filhos, netos e bisnetos.
Olá, gostei bastante da entrevista. Fiquei pensando: se não há um limite para o crescimento econômico, como esperar que haja ele seja sustentável? Alguns países em desenvolvimento disseram que não podem parar seu crescimento econômico, pois é preciso garantir para as suas respectivas populações os mesmos benefícios que os países desenvolvidos oferecem às suas. E enquanto isso, os países já desenvolvidos também querem continuar crescendo, pois se vêem ameaçados pelo crescimento dos países emergentes (China, Brasil, etc.). Por essa lógica, fica implícito que ninguém quer parar de crescer economicamente, então, como esperar sustentabilidade econômica, ambiental e social, se crescer economicamente, hoje, é sinônimo de produção/consumo? Isso quer dizer que, cada vez mais, haverá produtos que ficam obsoletos em períodos cada vez mais curtos, como é o caso do celular, da moda, móveis, etc.
Bom dia! Lendo o artigo, que gostei muito.
Assim deixo uma pergunta no ar: Será que NÓS(PAI/MÃE/INDEPENDENTE DA CONDIÇÃO FAMILIAR) sabemos passar para os nossos filhos o que é hábitos de consumo e como transformá-los em consumo consciente, ou deixamos tudo para as escolas da vida resolver?
Grata, Nara