A preocupação mundial com os efeitos das mudanças climáticas na economia e na sociedade tem aumentado consideravelmente nos últimos anos e se reflete não só no cotidiano das pessoas, nas comunidades, mas também no comportamento empresarial.Pressionadas pela mobilização social e pela inserção desse tema na agenda do comércio internacional, as empresas no Brasil vêm alterando processos e equipamentos de modo a contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Nesse sentido, diversos avanços no país têm sido evidenciados em pesquisas e publicações recentes. No entanto, pouco se sabe sobre o que as empresas têm feito para proteger as comunidades mais vulneráveis dos impactos das mudanças e variações climáticas.Anna Peliano, coordenadora de Responsabilidade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi a responsável pelo subprojeto Empresas da pesquisa ?Mudanças Climáticas, Desigualdades Sociais e Populações Vulneráveis no Brasil: Construindo Capacidades?, coordenada pelo COEP no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC). O estudo constitui-se num primeiro retrato que permite visualizar se, e como, empresas públicas e privadas atuam com o propósito de promover adaptação de comunidades vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.O estudo foi realizado com 18 empresas de grande porte, com sede no Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF) e São Paulo (SP). Entre as empresas selecionadas, nove são privadas e as outras nove foram selecionadas entre as associadas ao COEP Nacional, sendo sete públicas e duas organizações empresariais sem fins lucrativos.
Mobilizadores COEP – Qual é a pesquisa realizada e seu objetivo?R.: A pesquisa, que resultou na publicação do livro ?Mudanças Climáticas e Pobreza: novos desafios para a ação social das empresas?, teve como foco a elaboração de um primeiro retrato que permitiu visualizar se, e como, empresas públicas e privadas atuam com o propósito de promover a adaptação de comunidades vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. O objetivo é analisar como as grandes empresas com atuação na área de sustentabilidade social e ambiental relacionam mudanças climáticas e comunidades vulneráveis, a partir do perfil de atuação destas empresas, dos recursos destinados aos projetos e das dificuldades encontradas.A pesquisa de campo traz informações sobre as seguintes questões:- a percepção do setor empresarial sobre as mudanças climáticas e seus impactos sobre os diferentes grupos populacionais;- o que as empresas estão fazendo voluntariamente para reduzir os efeitos das variações climáticas sobre as populações mais vulneráveis; – a forma como as empresas se estruturam internamente para desenvolver ações sociais destinadas ao enfrentamento das variações climáticas e o perfil dessa atuação; – os resultados percebidos; – e, por fim, as dificuldades enfrentadas e perspectivas de ação para um futuro próximo. Mobilizadores COEP ? Por que o interesse em trabalhar com o tema mudanças climáticas e pobreza?R.: A preocupação mundial com os efeitos das mudanças climáticas na economia e na sociedade tem aumentado consideravelmente nos últimos anos e se reflete no comportamento empresarial. Pressionados pela mobilização social e pela inserção desse tema na agenda do comércio internacional, as empresas no Brasil vêm alterando processos e equipamentos de modo a contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Nesse sentido, diversos avanços no país têm sido evidenciados em pesquisas e publicações recentes.Entretanto, enquanto ações de mitigação têm sido cada vez mais divulgadas internamente, pouco se sabe sobre o que as empresas têm feito para proteger as comunidades mais vulneráveis dos impactos das mudanças e das variações climáticas. E sabemos que são exatamente esses populações as mais atingidas pelos eventos climáticos extremos. As ações de adaptação permanecem praticamente desconhecidas do grande público e, portanto, é para elas que se dirige a atenção do nosso estudo. Mobilizadores COEP – Como foi realizada a pesquisa? Qual foi a amostra?R.: A pesquisa foi feita em 18 organizações empresariais de grande porte, das quais nove são empresas privadas, sete são empresas públicas e duas organizações empresariais sem fins lucrativos, situadas em regiões diferentes do país. As empresas públicas e as organizações sem fins lucrativos são associadas ao COEP Nacional. A seleção das organizações entrevistadas foi realizada a partir de consultas à Secretaria Executiva do COEP Nacional, a endereços eletrônicos relacionados à temática ambiental e de sustentabilidade empresarial e a premiações de práticas ambientais. Apesar de não ter havido o intuito de construir uma amostra representativa do universo de empresas que atuam no setor, procuramos abranger, na seleção das empresas a serem entrevistadas, organizações públicas e privadas, nacionais e multinacionais e de setores econômicos distintos, de forma a captar a maior variedade de situações possíveis dentro dos limites de tempo e de recursos deste estudo.No total, foram realizadas 19 entrevistas presenciais, no período de maio a dezembro de 2010, com a participação de 51 colaboradores dessas empresas, com diferentes perfis profissionais, que ocupam cargos de diretor, gerente, analista, assessor, técnico e especialista. Esses profissionais atuam predominantemente nas áreas de responsabilidade social ou ambiental, inclusive de mudanças climáticas. A diversidade dos entrevistados permitiu obter perspectivas diferentes, mas, ainda assim, os pontos de vista expressados refletem a opinião dos quadros dirigentes, e não a do conjunto dos atores envolvidos nas ações sociais e ambientais das empresas.Mobilizadores COEP ? Quais as principais ações realizadas pelas empresas?R.: No tocante à abrangência da atuação das empresas, foram consideradas as ações desenvolvidas no âmbito interno das organizações, como reutilização de água, reciclagem e gestão ambiental; as ações e práticas que se estendem a públicos externos, como clientes, fornecedores e à sociedade em geral, como mobilização para causas ambientais e plantio de árvores fora dos domínios da empresa; e também, as ações e práticas socioambientais que se destinam a comunidades pobres, como por exemplo, apoio a cooperativas de catadores de lixo e a atividades educacionais em escolas de periferia. No entanto, o objeto desta pesquisa concentrou-se nas ações e práticas socioambientais que se destinam a determinadas comunidades, garantindo a distinção daquilo que é feito especificamente para as comunidades mais pobres. No que se refere às ações voltadas para a comunidade, as mais praticadas pelas empresas referem-se àquelas que têm em comum geração de renda para os mais pobres (94%). Ações que promovem a reciclagem também foram muito citadas (83%) e duas ações classificadas como de adaptação, foram citadas por 78% das empresas pesquisadas. São elas: ações emergenciais em eventos climáticos extremos e ações voltadas para a segurança alimentar.
Mobilizadores COEP – Quais os resultados obtidos na pesquisa? Houve algum dado ou elemento que surpreendeu?R.: A grande surpresa que nós tivemos foi que nenhuma das empresas analisadas nesta pesquisa trabalha com a perspectiva de mudanças climáticas e pobreza, apesar de todas elas terem projetos e investimentos voltados para as áreas sociais e ambientais.Se no âmbito interno, as empresas estão bem desenvolvidas em relação às ações de mitigação, no âmbito da comunidade, a atuação está muito mais no bojo de projetos desenvolvidos com outros objetivos. Há muitas ações de reciclagem, cooperativas de catadores, apoio à pequena agricultura, mas elas têm origem em projetos de geração de renda. Dificilmente as ações foram concebidas associando mudanças climáticas e pobreza, apesar de as empresas reconhecerem que é importante tratar o tema. Mobilizadores COEP ? Então as empresas reconhecem que as mudanças climáticas são um desafio a ser enfrentado?R.: A percepção dos entrevistados nesta pesquisa é a de que o ser humano tem contribuído para os impactos negativos das mudanças climáticas. É também generalizada a compreensão de que todos serão afetados pelas mudanças climáticas, ainda que de forma diferenciada. Os mais pobres serão os mais prejudicados e os eventos climáticos extremos se inserem e agravam o círculo vicioso da pobreza. Daí a sensação captada nas entrevistas de que algo precisa ser feito para enfrentar os desafios que os impactos dessas mudanças acarretam.Nesse sentido, a gente também pode observar que as ações de mitigação já são bem conhecidas e predominam entre aquelas medidas adotadas internamente pelas empresas com o objetivo de reduzir a emissão dos gases que contribuem para o efeito estufa. Já as ações voltadas para a adaptação das comunidades mais vulneráveis são menos frequentes e geralmente aparecem mescladas a outras ações. Por exemplo, a retirada de pessoas de áreas que estão sendo inundadas é vista apenas como uma ação humanitária e, no entanto, é uma medida de adaptação concorrente. Da mesma forma, os projetos de reciclagem, ou que apóiam catadores de lixo, são predominantemente tratados como apenas de geração de renda, em que pesem sua relevância para a adaptação às mudanças climáticas.
Mobilizadores COEP ? Como podemos intensificar o diálogo sobre mudanças climáticas e ações de adaptação a comunidades pobres?R.: Informando, criando mobilização, incentivando o engajamento das empresas nas ações socioambientais, fortalecendo laços de parceria, promovendo capacitação técnica, e ampliando a participação do COEP no Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas.——————–Entrevista para o Grupo Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e PobrezaConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araujo.