[Publicado originalmente em 28 de julho de 2015]
A intolerância em relação à pessoa com deficiência é mais mascarada, menos agressiva do que em relação aos negros ou aos homossexuais, por exemplo. Ela muitas vezes se manifesta pela falta de paciência com o tempo e o ritmo dessas pessoas.
Nessa entrevista, Alexandre Magnavita Gaschi, advogado e cadeirante, e Alzira Brando, pedagoga e que tem paralisia cerebral, falam sobre sua percepção e suas experiências em relação à intolerância. Falam também sobre o que acham necessário para alcançarmos uma sociedade capaz de conviver com a diferença. Ambos são integrantes do projeto Coppe Inclusão, que prepara pessoas com deficiência para inclusão no mundo do trabalho. A Coppe é Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Rede Mobilizadores – Quais são os tipos mais comuns de intolerância com relação à pessoa com deficiência?
Alexandre: Nós não chegamos a perceber exatamente uma intolerância em relação a nossa condição, como acontece com os negros ou com os homossexuais, por exemplo. O que percebemos é uma discriminação mais velada, menos expressiva. Eu, por exemplo, nunca vivenciei nenhuma situação de intolerância. No entanto, acho que vivenciamos uma situação de intolerância cultural, pois não temos igualdade de oportunidades em relação à pessoa sem deficiência. Não contamos com uma cidade adaptada, não temos um transporte que nos atenda, não temos escolas nos três níveis preparadas para nos receber. Há uma negação dos direitos das pessoas com deficiência.
Alzira: No meu caso, eu percebo mais discriminação, ainda que mascarada. Eu tenho movimentos mais acentuados e posso esbarrar nas pessoas dentro do ônibus com minha mochila, por exemplo, e isso causa incômodo. Eu também falo muito devagar e as pessoas me atropelam, completando minhas frases. Isso é uma atitude de intolerância: não esperar o outro falar no tempo dele. A sociedade tem pressa e acha isso normal, quando não é. Eu percebo a intolerância comigo, por não me esperarem concluir as minhas ações no meu tempo. Costumo ouvir: “deixa eu te ajudar para ir mais rápido”.
Rede Mobilizadores – A discriminação varia conforme o tipo de deficiência? Quais os tipos de deficiência que mais geram mais discriminação e preconceito?
Alexandre: Creio que sim. Acho que ela (Alzira) sente muito mais do que eu. Há muita ansiedade, às vezes até de ajudar, mas que acaba atropelando o caminho natural das coisas. Mas, hoje, as pessoas estão em geral intolerantes com tudo. Veja o trânsito por exemplo.
Alzira: Eu sinto mais intolerância com pessoas com paralisia cerebral, com surdos, com pessoas com deficiência intelectual.
Rede Mobilizadores – Quais são hoje os principais meios de reprodução do preconceito e da intolerância em relação à pessoa com deficiência?
Alexandre: Acho que a internet, da forma com ela é utilizada, é o principal meio. Mas isso não é um problema da internet, e sim fruto da ausência de uma educação para a cidadania, para a convivência com a diferença. O resultado disso é uma internet mal usada, preconceituosa, intolerante. As pessoas se escondem atrás de um teclado e fazem o que querem, ignorando o resultado disso na vida dos demais.
Alzira: Eu acho que os livros didáticos e os livros infantis também são fontes de discriminação, pois quase nunca vemos crianças com deficiência sendo retratadas. Em geral, temos a reprodução do modelo de família “comercial de margarina”, na qual não há negros ou pessoas com deficiência.
Rede Mobilizadores – Que medidas julga serem necessárias para combater a intolerância e o preconceito contra as pessoas com deficiência?
Alexandre: A promoção de uma educação absolutamente inclusiva, com acessibilidade, professores preparados, apoio técnico.
Alzira: Acho que falta humanização da sociedade, aprender a olhar para o outro, ter calma, paciência. Precisamos reconstruir a cultura, promover uma nova educação, uma nova mentalidade. Por exemplo, eu estava subindo num ônibus e um homem colocou as mãos nas minhas nádegas para me colocar dentro do coletivo. É uma falta de respeito com uma mulher. Acho que nessa situação está implícito uma intolerância, uma falta de paciência de me esperar subir no ônibus, e também a percepção de que as pessoas com deficiência não tem sexualidade. A intolerância muitas vezes se traduz pela falta de paciência.
Rede Mobilizadores – O que uma educação para tolerância em relação às pessoas com deficiência deve contemplar prioritariamente?
Alzira: Creio que respeito pela diversidade, acesso à cidadania e a direitos.
Rede Mobilizadores – Quais os principais efeitos da intolerância e do preconceito na vida das pessoas com deficiência?
Alexandre: Negação de direitos, baixa autoestima e impotência.
Entrevista concedida a: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa
Parabéns aos dois por essa entrevista exemplar.
Eu como deficiente auditiva, me vi fazendo parte desse meio.
O que Alzira relatou e exatamente como penso e vejo.
As pessoas precisa acreditar na capacidade de cada um de nós deficientes.
Cada pessoa com deficiente tem limitação. Alguns precisa que tenha paciência em ensinar, falar e esperar o seu tempo.
Queremos respeito e reconhecimento.