Desenvolver ações conjuntas para a promoção de cidades brasileiras sustentáveis. Essa é a intenção do acordo de cooperação técnica que vem sendo desenhado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O acordo visa produzir conteúdo técnico para atividades de capacitação, com diretrizes e orientações em sustentabilidade ambiental urbana.
Mas, o que define uma cidade sustentável? Quais os caminhos a serem seguidos para conquistar harmonia nos mais diversos setores que envolvem a sociedade? Esta é uma definição complexa e não apenas conceitual, que deve levar em conta realidades e necessidades locais na construção de cidades mais prósperas.
Com este foco, o Programa Brasil +20 visa fortalecer o planejamento e a gestão pública, especialmente a municipal, para sustentabilidade nas cidades, considerando seus impactos locais, regionais e nacionais. Nesta entrevista, o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU), do Ministério do Meio Ambiente, Ney Maranhão, esclarece o que vem sendo realizado para colocar em prática este conceito.
Rede Mobilizadores – O que são cidades sustentáveis? Quando surgiu esse conceito?
R.: Uma cidade sustentável é aquela que desenvolve um equilíbrio dinâmico entre o bem estar sociocultural, o desenvolvimento econômico e a qualidade do ambiente – natural ou construído – com o qual ela interage, estabelecendo-se, assim, um quadro desejável de condições que persistem no tempo.
O conceito gerador dessa discussão sobre cidades sustentáveis é o próprio conceito de “desenvolvimento sustentável” que foi apresentado no famoso Relatório Brundtland, em 1987, no qual afirmava-se ser este um “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. No entanto, essa definição não mostra caminhos claros para a construção de uma sociedade sustentável e, muito menos, para a construção de cidades sustentáveis. Dessa forma, a discussão a empreender não é apenas conceitual, mas também deve concentrar-se nos caminhos factíveis para que os municípios brasileiros atinjam patamares mais sustentáveis, a partir de suas próprias realidades e necessidades locais.
Pelo grau de complexidade inerente à vida urbana, o conceito de “cidade sustentável” demonstra ser abrangente e transversal, assente num conjunto de princípios base: (i) princípio da integração política (subsidiariedade e responsabilidade partilhada); (ii) princípio da reflexão ecossistêmica (cidade como sistema complexo); (iii) princípio de cooperação e parceria; e (iv) princípio da gestão urbana ambiental qualificada – planejamento e uso de instrumentos adequados, tendo em vista a integração, tornando o processo de formulação de políticas urbanas sustentáveis mais vasto, poderoso e ambicioso.
Um conjunto de critérios que se relacionam pode cumulativamente indicar a condição de sustentabilidade de uma cidade: habitabilidade; empregabilidade; conectividade; segurança; condição de saúde de seus habitantes; criatividade; atratividade e competitividade; mobilidade; acessibilidade; justiça e inclusão socioterritorial; compacidade; dinamicidade e diversidade econômica; diversidade de riqueza do patrimônio natural e cultural; e governança.
Rede Mobilizadores – Quais são os atores mais importantes para promover uma cidade sustentável? Qual o papel de cada um?
R.: Todos somos atores na construção da sustentabilidade urbana. Uma demonstração de alternativas factíveis para promoção de cidades sustentáveis afastará o “olhar fatalista” e estimulará a mudança de comportamento do indivíduo, do coletivo e das instituições, bem como contribuirá para o cidadão estabelecer outras perspectivas sobre a importância de uma inteligência institucional e do fortalecimento da gestão para que as cidades (poder público e sociedade) enfrentem com competência o grande desafio da busca pela sustentabilidade.
Rede Mobilizadores – O que é o acordo de cooperação técnica entre MCTI e MMA para promoção de cidades sustentáveis? Qual seu objetivo?
R.: Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) estão atuando articuladamente na promoção de cidades mais sustentáveis, uma vez que na Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA está instalada uma estrutura institucional responsável pela gestão ambiental urbana, que acolheu em sua pauta o apoio ao fortalecimento institucional das gestões locais para melhoria da qualidade ambiental urbana.
No MCTI encontra-se instalada na Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, a estrutura institucional responsável pelo apoio ao desenvolvimento de tecnologias para cidades sustentáveis. Dessa forma, alinhando os olhares para promoção da sustentabilidade no ambiente urbano, foram articuladas as iniciativas para conferir sinergia às ações em desenvolvimento em ambas as pastas.
Assim sendo, os ministérios citados estão trabalhando conjuntamente para atender às demandas locais com vistas à melhoria da qualidade de vida nas cidades brasileiras utilizando o viés da sustentabilidade para tal.
Rede Mobilizadores – O que é o Programa Brasil+20 e quais são suas metas? Quais os Ministérios envolvidos neste trabalho?
R.: O Programa BRASIL+20 tem como objetivo geral fortalecer o planejamento e a gestão pública, especialmente a municipal, para sustentabilidade nas cidades considerando seus impactos locais, regionais e nacionais.
Entre outros, figuram como objetivos específicos do Programa:
? Conhecer a realidade ambiental urbana das cidades brasileiras para melhor estruturar estratégias que visem ao alcance da sustentabilidade;
? Constituir um sistema de informações sobre a qualidade ambiental urbana dos municípios brasileiros, incluindo bases cartográficas com informações especializadas, articulado a um sistema de monitoramento sobre as condições ambientais urbanas, capaz de subsidiar a tomada de decisão nas esferas municipal, estadual e federal;
? Propor um processo de planejamento ambiental que atenda às demandas atuais para desenvolvimento urbano local e regional sustentável;
? Promover a qualificação de quadros locais na gestão pública e nas instâncias colegiadas de controle social, para atuarem na governança da qualidade ambiental urbana, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
? Elaborar metas ambientais urbanas mensuráveis e alinhadas com mecanismos sustentáveis de conexão regional, nacional e global, assim como indicadores que permitam seu monitoramento.
Os seguintes ministérios já estão em articulação com a proposta do Programa: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Ministério da Saúde (MS); Ministério das Cidades (MCidades); Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP); Ministério da Educação (MEC); Ministério de Minas e Energia (MME); Ministério da Integração Nacional (MI).
Rede Mobilizadores – Houve algum estudo nas cidades brasileiras para se traçar o Programa? Como ele foi realizado?
R.: Um dos princípios do BRASIL+20 é que se contemple a diversidade ambiental urbana brasileira. Para tanto, torna-se necessário que as cidades sejam classificadas para que, a partir de uma amostragem representativa, se alcance o diálogo com tal diversidade. É com o conhecimento dessa realidade diversa que poderemos contribuir para a elaboração de marcos legais comprometidos com a sustentabilidade nas cidades.
A partir do conhecimento da realidade local, das alternativas técnicas e científicas e das condições políticas e sociais, consideramos possível a definição responsável e coerente de metas de qualidade ambiental urbana para o desenvolvimento sustentável a serem implementadas nos cinco ciclos de gestão municipal nos próximos vinte anos.
Rede Mobilizadores – Como o MMA pretende implantar o Programa nas cidades brasileiras? Qual será a metodologia aplicada e quantas cidades serão envolvidas neste processo?
R.: Para a implementação do Programa pensa-se em um arranjo institucional que contemple uma coordenação executiva das ações e iniciativas previstas além da validação de metas e acompanhamento dos resultados do BRASIL+20. E com a função de consolidar as ações, definir metas, acompanhar e avaliar os resultados de implementação e execução do BRASIL+20 deverá ser instituído um comitê gestor composto pelos parceiros que formalizaram apoio à iniciativa.
Rede Mobilizadores – E com relação aos desastres climáticos, como enchentes e deslizamentos. Quais os caminhos para o enfrentamento destas situações de emergência?
R.: A questão dos desastres naturais está dividida entre vários setores do governo. Ao Ministério da Integração/Defesa Civil cabem as ações de resposta, assistência e elaboração de planos de contingência. À CPRM (Serviço Geológico do Brasil), ANA (Agência Nacional de Águas) e Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) competem as atividades de monitoramento, previsão e identificação de riscos. A prevenção de desastres naturais depende, em grande extensão, da ocupação do território, o que implica a necessidade de planejamento do uso do solo e de ações de proteção das áreas vulneráveis, como encostas e planícies de inundação.
O Programa Brasil+20 contém em seu bojo uma problematização da realidade ambiental urbana municipal para que, a partir de sua configuração, se identifiquem caminhos concretos para a prevenção dessas situações. Atendimento emergencial não é o foco de um Programa como este, que é de médio a longo prazo. Como o Programa detém um eixo específico para o cruzamento das informações disponíveis hoje, seja na área de pesquisa, na elaboração de projetos e até mesmo nas linhas de fomento existentes, acreditamos que tal fato contribuirá para a ampliação de mecanismos de respostas às mais diversas problemáticas da realidade local, sempre reforçando a ideia de planejamento de médio e longo prazo para que se promova a interrupção desses ciclos de tragédias nos municípios.
Rede Mobilizadores – São necessários altos investimentos em infraestrutura para viabilizar projetos nas grandes cidades ou com soluções simples podem-se obter bons resultados? Poderia citar exemplos práticos?
R.: A diversidade brasileira nos induz a responder que provavelmente ambas as opções são possíveis em função da dinâmica do problema a ser enfrentado e do contexto no qual ele se insere. O que é lugar comum nessa discussão é que para determinados temas existem iniciativas que provocam uma prática mais sustentável nesses contextos específicos. Alguns municípios desenvolveram sistemas articulados de ciclovias, isso seria o fomento a uma prática mais sustentável de mobilidade urbana. Outros municípios induziram padrões de uso racional de água e energia em prédios públicos, outra prática que também pode ser considerada mais sustentável em relação ao padrão anterior.
Rede Mobilizadores – Quais cidades no Brasil e no mundo podem ser citadas como exemplos? O que elas têm feito para conseguir alcançar o patamar de uma cidade sustentável?
R.: Como dito anteriormente, a profusão de conceitos sobre a sustentabilidade levou diversos atores a enunciarem iniciativas “sustentáveis” em suas práticas. Apenas recentemente, e ainda será objeto de ampla discussão no âmbito do Programa, está se atingindo uma proposta de sustentabilidade que vise oferecer caminhos factíveis para atuação dos tomadores de decisão.
Nesse ponto, é importante ressaltar o caráter relativo e não absoluto do conceito de sustentabilidade, sendo também adequado mencionar a trajetória percorrida pelas cidades para um contexto mais sustentável em relação aos seus padrões anteriores de produção, consumo e gestão. Assim sendo, os municípios brasileiros podem se tornar mais sustentáveis com a devida orientação e coordenada atuação entre as demandas da sociedade e a atuação governamental.
O MMA, em períodos anteriores, realizou duas edições de um prêmio que visa identificar onde estão algumas dessas práticas sustentáveis nacionalmente. Os links para acesso são:
http://www.mma.gov.br/estruturas/srhu_urbano/_publicacao/125_publicacao24022011050000.pdf
http://www.mma.gov.br/images/publicacoes/cidades_sustentaveis/geral/cartilha_premio_final_baixa.pdf
Também o Instituto São Paulo Sustentável, um importante parceiro nosso, possui um banco de boas práticas que será articulado à plataforma de informação do Programa:
http://www.cidadessustentaveis.org.br/boas-praticas
Dessa forma, estão dispostas, em diferentes contextos, práticas específicas que induzem uma mudança de determinados setores a caminhos mais sustentáveis de atuação.
Entrevista para o Eixo Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo