Coordenada pela Associação Onça D’água de Apoio à Gestão e ao Manejo das Unidades de Conservação do Tocantins, a Rede Jalapão de Produtos Artesanais vem contribuindo para a geração de renda e melhoria da qualidade de vida das comunidades do entorno do Parque Estadual do Jalapão (PEJ), no município de Mateiros, no estado do Tocantins.
De acordo com a bióloga Beatriz Gonçalves, as famílias participantes da rede são capacitadas em técnicas extrativistas, entendendo a importância da preservação da biodiversidade local e colocando em prática ações menos impactantes ao meio ambiente. Além disso, aprendem sobre higienização e embalagem, gerando produtos de maior qualidade. São capacitadas também para adquirir insumos e comercializar sua produção.
As famílias participantes da rede produzem diversos gêneros alimentícios e produtos artesanais, a partir das plantas do Cerrado, como farinha de jatobá, óleo de buriti, óleo de pequi, cestos e esteiras.
Rede Mobilizadores ? Qual a abrangência do Parque Estadual do Jalapão (PEJ)?
R.: O Parque, criado em 2001, abrange uma área de 158 mil hectares, totalmente inseridos no município de Mateiros, Tocantins. Incluído no bioma Cerrado, o parque é uma das principais atrações turísticas do estado.
A região do Jalapão é uma Unidade de Conservação e localiza-se a leste do estado do Tocantins, com área total de 34 mil km², rica em biodiversidade.
Rede Mobilizadores – Quantas famílias, em média, moram no entorno do Parque? Qual a base de sua economia?
R.: Há 14 comunidades rurais vivendo no entorno do PEJ, sendo seis no município de São Félix do Tocantins, sete, em Mateiros, e uma, no município de Novo Acordo.
Estas comunidades têm como base de sua economia a pecuária de pequeno porte, de bovinos e muares, e a agricultura de subsistência. Dentre as atividades de produção agrícola desenvolvidas, destacam-se as pequenas ?roças de toco? (área de vegetação derrubada por machado), realizadas a partir da rotação de culturas, onde são plantados grãos. Destacam-se as culturas do milho, arroz, feijão e mandioca. Também se dedicam ao extrativismo.
Rede Mobilizadores ? Quais os principais problemas relacionados ao extrativismo no local?
R.: A inexistência de programas governamentais de extensão e assistência técnica para que haja um melhor aproveitamento dos recursos vegetais e a preservação dos recursos hídricos e do solo. Ou seja, a falta de orientação para que as comunidades troquem práticas impactantes por alternativas sustentáveis.
Rede Mobilizadores ? Neste sentido, quando foi criada a Rede Local de Uso Sustentado dos Recursos Naturais do Cerrado? Quais seus principais objetivos?
R.: A implantação do projeto ?Rede Local de Uso Sustentado dos Recursos Naturais do Cerrado?, aconteceu, em 2006, para apoiar as ações do Parque, na busca de alternativas de desenvolvimento sustentável para os moradores do seu entorno.
Rede Mobilizadores – E quanto à Rede Jalapão de Produtos Artesanais?
R.: A rede Jalapão de Produtos Artesanais surgiu, em 2006, como um desdobramento da Rede Local de Uso Sustentado dos Recursos Naturais do Cerrado. Sua proposta é estimular o uso sustentado dos recursos naturais do Cerrado, contribuindo para sua conservação, e propor alternativas de geração de renda para que as famílias do entorno do Parque tenham melhores condições de vida.
As famílias participantes da rede são capacitadas sobre técnicas de higienização e embalagem, práticas extrativistas e também sobre aquisição de insumos e comercialização dos produtos.
Rede Mobilizadores ? O que foi preciso para implantar a Rede?
R.: O envolvimento da equipe do PEJ com as famílias extrativistas do seu entorno e a captação de recursos realizada pela Associação Onça D?água, coordenadora da rede. Os recursos financeiros são provenientes do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais ? (PPPECOS), do Instituto Sociedade, População e Natureza ISPN/PNUD/GEF.
Rede Mobilizadores ? Quantos extrativistas participam da Rede? Quais os principais produtos e onde podem ser encontrados?
R.: A Rede concretizou uma etapa de capacitações e avaliações em junho de 2010, quando contava com as seis famílias que iniciaram o projeto e mais três famílias, totalizando a participação de 60 pessoas, entre lideranças e familiares.
As famílias produzem gêneros alimentícios e produtos artesanais, a partir das plantas do Cerrado, com destaque para os seguintes produtos:
Farinha de jatobá ? da polpa do fruto de jatobá, extrai-se a farinha utilizada para fazer bolos, pães e biscoitos. É um produto rico em vitaminas, com alto teor de cálcio e fibras.
Doce de buriti ? doce contendo a polpa do fruto do buriti e açúcar. Produto de sabor agridoce, rico em vitaminas do tipo A.
Óleo de buriti ? óleo extraído da polpa do fruto do buriti, rico em vitamina A e caroteno. É bastante usado em casos de gripe e resfriado, devido a seu efeito expectorante.
Óleo de pequi ? óleo extraído da polpa do fruto do pequi, rico em vitamina A e caroteno. Também é bastante usado em casos de gripe e resfriado, devido a seu efeito expectorante. Além disso, é utilizado para o fabrico de sabonetes.
Castanha do pequi ? produzida a partir da torração da amêndoa retirada do caroço do fruto. É servida como tira-gosto.
Castanha do caju ? produzida a partir da torração da castanha do caju. É servida como alimento e tira-gosto.
Utilitários e ornamentos – a partir do talo, fibras e palha do buriti, são fabricadas várias peças artesanais e utilitários de uso comum no dia a dia dos povos do Cerrado, como peneiras, quibanes, cestos, esteiras e tapiti.
Os produtos da rede podem ser encontrados na casa das famílias produtoras, em exposição fixa no Centro de Capacitação e Educação Ambiental do Parque Estadual do Jalapão, no comércio e feiras locais. Além disso, são vendidos através da modalidade Compra Direta* do Programa de Aquisição de Alimentos, implementado pelo governo federal para apoiar o produtor rural.
Rede Mobilizadores ? Como a implantação da rede impactou na renda das famílias envolvidas?
R.: A organização da atividade extrativista representou uma significativa alternativa à geração de renda, como complementação aos ganhos vindos da atividade agrícola, o que se refletiu numa produção mais ordenada e de qualidade. Os ganhos por safra, para cada espécie trabalhada, giram em torno de dois a três salários mínimos.
Isso influenciou na melhoria da segurança alimentar e da qualidade de vida das famílias. Parte dos recursos obtidos foi aplicada em melhoria das moradias, como reboco das casas e troca de telhados. Também foram comprados equipamentos para o trabalho com os frutos, como ferramentas, vasilhames, freezer e embalagens. Uma das famílias adquiriu uma motocicleta, o que facilitou o deslocamento entra a zona rural e a sede do município e, portanto, a comercialização dos produtos.
Vale mencionar que, com a rede, os produtores criaram sua própria marca também.
Rede Mobilizadores – E quanto à conservação da biodiversidade do Parque?
R.: O objetivo básico de uma unidade de conservação é proteger a biodiversidade, em suas diversas formas. Entretanto, é notório que não se consegue implantar medidas para proteção da biodiversidade de forma isolada, sem envolvimento do entorno humano.
Dessa forma, o grande ganho para o parque foi exatamente o fortalecimento da parceria com as famílias extrativistas, que passaram a entender as possibilidades de uma nova prática sustentável de utilização dos recursos naturais.
Perceberam, por exemplo, que uma árvore de jatobá tem mais valor em pé, produzindo frutos que vão resultar em farinha, do que derrubada, de forma irregular, e que acaba desvalorizando a madeira por ser queimada de forma não planejada. O conhecimento sobre as diversas possibilidades de uso das espécies do Cerrado influenciou numa nova conduta em relação ao ambiente.
De qualquer forma, as práticas precisam ser monitoradas para que, ao longo do tempo, sua real influência sobre a conservação da biodiversidade da região seja avaliada.
Rede Mobilizadores ? Que dicas daria a outras comunidades extrativistas para melhorar sua renda e preservar a biodiversidade que as cerca?
R.: Para aquelas comunidades que se encontram no entorno de Unidades de Conservação, podemos ressaltar o quanto é importante a aproximação e o diálogo com os gestores das unidades.
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*A modalidade Compra Direta do Programa de Aquisição de Alimentos permite a aquisição de alimentos para distribuição ou para formação de estoques públicos. A operacionalização é de responsabilidade da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), de acordo com termo de cooperação firmado com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e Renda
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo