A arquiteta e urbanista Carolina Herrmann Coelho de Souza é membro do Conselho Diretor do Núcleo Amigos da Terra (NAT) Brasil, ONG de Porto Alegre que participa da formulação e implementação de políticas públicas voltadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento de cidades. Nessa
entrevista, ela fala sobre os desafios enfrentados pelas cidades para
oferecer qualidade de vida aos seus habitantes e assegurar os direitos de todos à moradia, transporte, lazer. E afirma que o principal entrave ao desenvolvimento sustentável é a predominância do poder econômico em detrimento das questões sociais e ambientais.
Mobilizadores COEP – Quais são os principais desafios enfrentados pelas cidades nos dias de hoje?
R. As cidades enfrentam o desafio de conseguir equilibrar, no seu planejamento, as questões sociais, ambientais e econômicas. Estas questões são o tripé básico para a sustentabilidade. Mas, atualmente, é a pressão econômica que prevalece em detrimento das demais. A conseqüência disto são cidades mal estruturadas, com áreas extremamente ocupadas, causando tráfego intenso, sobrecarregamento às redes de infra-estrutura urbana, o que leva à necessidade de obras caras, construídas com dinheiro público; vazios urbanos; perda da qualidade de vida em função da massificação de edificações sem preocupação com a vizinhança, tirando-lhes o direito ao sol; entre outros.
Mobilizadores COEP – O que determina a sustentabilidade ambiental e social de uma cidade?
R. Levar em consideração a sustentabilidade ambiental e social no planejamento de uma cidade é o que falta hoje em dia. Isto significa pensar na cidade como um todo, vermos todas as relações que ela estabelece de forma conjunta e não isolada, ter a consciência de que cada ação determina algum impacto, e o que devemos fazer é com que este impacto seja o menor possível. Alguns exemplos de sustentabilidade ambiental e social em uma cidade podem ser: orientar a ocupação em áreas adequadas previamente determinadas; planejar as áreas de comércio e serviços de forma bem distribuída na cidade para que se proporcione o deslocamento em pequenas distâncias, podendo os destinos ser alcançadas a pé e de bicicleta, dando prioridade ao pedestre em vez do carro; valorizar a cultura e a memória dos habitantes e a interação entre a comunidade; preservar as características locais – isto significa que novas edificações devem levar em consideração o entorno existente, com alturas que permitam a passagem do sol aos vizinhos; valorizar também o comércio local, de rua e de pequena escala, pois isto proporciona a circulação das pessoas nas ruas, o que dá vida à cidade, além de diminuir a segregação social; manter os pavimentos permeáveis para evitar os alagamentos; preservar a arborização das vias e lotes, o que contribui para a qualidade do ar e para manutenção do microclima local, entre outras coisas.
Mobilizadores COEP – Que medidas as cidades deveriam adotar para conviver com o acelerado crescimento urbano e com a multiplicação de assentamentos irregulares, como favelas?
R. As cidades devem ter um planejamento de longo prazo, o que hoje não existe. Devemos pensar como será a cidade daqui a 30 ou 50 anos. Qual a cidade que queremos? Esta reflexão deve abranger todos os aspectos que configuram uma cidade e as demandas de seus habitantes. Sobre os assentamentos irregulares, as áreas que atualmente já estão construídas e consolidadas, desde que não estejam em áreas de risco, devem ser regularizadas e fornecidas às populações as infra-estruturas adequadas. Porém, a determinação de como será a sua expansão deve levar em conta os aspectos anteriormente abordados.
Mobilizadores COEP – Como conciliar as necessidades crescentes de moradia com a conservação ambiental, especialmente em locais como o Rio de Janeiro, onde as populações de baixa renda ocupam áreas de encosta?
R. A conservação ambiental não se resume à preservação da encosta de morro. A conservação ambiental está presente em todas as ações, desde a forma de deslocamento e consumo das pessoas, a fonte de energia utilizada, os materiais de construção escolhidos, as formas de uso e tratamento da água, etc… Áreas verdes preservadas são sim fundamentais, pois nos fornecem os recursos básicos para a nossa própria sobrevivência. Porém, se há uma ocupação irregular em encosta de morro, isto significa outros problemas associados, é uma conseqüência da falta de oferta de habitação acessível, má distribuição de renda, alta taxa de crescimento dessas populações, etc…,é um problema político, de governos e de planejamento urbano, portanto, a solução tem que se dar também nestas esferas.
Mobilizadores COEP – Qual deve ser o papel dos governos e dos cidadãos para promover o desenvolvimento sustentável de uma cidade?
R. O poder econômico age em prol do setor privado, portanto, o papel do governo deve ser o de assegurar os interesses públicos, assegurar que a voz dos cidadãos seja ouvida, assegurar que as questões ambientais e sociais sejam também levadas em consideração nas decisões. Para tanto, os cidadãos também têm o seu papel de reivindicar por isto, de fiscalizar as ações do governo, através da participação em coletivos, como ONGs, associações, cooperativas, etc…, e se mostrar presentes.
Mobilizadores COEP – Como está a adoção da Agenda 21 pelas cidades brasileiras?
R. A Agenda 21 ainda está muito distante de ser atingida. Além deste documento internacional, no Brasil temos o Estatuto da Cidade (lei federal n° 10.257/2001), que também aborda o desenvolvimento sustentável para cidades, e determina que a sua efetividade se dê em nível de Plano Diretor. Porém, os Planos Diretores de hoje ainda são muito burocráticos, complexos, o que dificulta a compreensão e a participação popular no processo, e não abordam a cidade de forma integrada. Ainda há muito a ser feito, e a comunidade deve exigir essas mudanças.
Mobilizadores COEP – Qual a proposta do Programa Sustentabilidade das Cidades? Quais as atividades realizadas? Poderia destacar alguns resultados?
R. O Programa Sustentabilidade das Cidades tem com objetivos gerais incentivar políticas públicas sustentáveis na cidade; evitar projetos de grande impacto ambiental; atingir conscientização no nível local; dar exemplos; além de participar de fóruns e conselhos afins. Nossa principal iniciativa, que mostra um exemplo positivo para as cidades, é o projeto da nova sede do NAT, desenvolvido para ser um centro de referência em arquitetura sustentável no meio urbano, que está disponível no site http://www.natbrasil.org.br/casa_nat/index1.html. Recentemente, participamos da iniciativa Cidades Solares, a qual propiciou que um projeto de lei, que incentiva o uso de coletores solares nas edificações para o aquecimento da água, fosse aprovado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e hoje está tramitando no Poder Executivo. Participamos também do Fórum de Entidades da Câmara de Vereadores que discute a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. Iniciamos um grupo de discussão sobre o tema “como viver bem na cidade”, discutindo principalmente questões de agricultura urbana, consumo e mobilidade. Essas discussões resultaram na formulação de um site que ainda está em construção (http://www.viverbemnacidade.org.br/), e tem por objetivo apresentar e trocar experiências.
Mobilizadores COEP – O que o Instituto considera como o(s) maior(es) desafio (s) para que o Brasil torne suas cidades sustentáveis?
R. O maior desafio é manter o equilíbrio entre as questões ambientais, sociais e econômicas. Conforme abordado anteriormente, o principal problema hoje em dia é a predominância do poder econômico em detrimento dos demais.
Mobilizadores COEP – Existem experiências bem sucedidas de desenvolvimento urbano sustentável?
R. Existem algumas iniciativas isoladas. No Brasil, a cidade de Curitiba é reconhecida internacionalmente por ter investido em transporte público mais seguro e eficiente, e por ter mantido o centro histórico, priorizando o pedestre. Algumas cidades proporcionam uma boa arborização urbana, outras têm programas de recuperação de áreas degradadas. Paris implementou um sistema de aluguel de bicicletas, na Alemanha há incentivos fiscais para o uso de energia solar, etc… Por outro lado, sabe-se de cidades, por exemplo nos Estados Unidos, em Portugal e aqui no Brasil, em que a comunidade tem que lutar para manter a cultura local de seus bairros tradicionais, lutar para evitar a invasão daqueles que vêem a cidade como uma mercadoria.
Entrevista concedida à: Marize Chicanel
Edição: Eliane Araujo
o que falta para nossos governantes fazrem algo de significativo a respeito do desenvolvimento sustentável?
qual região é mais apropriada para esse feito?