Nesta entrevista, o engenheiro agrônomo Fábio Cidrin Gama Alves, coordenador do Programa de Educação para Sociedades Sustentáveis do WWF-Brasil, explica como pesquisa encomendada ao Ibope sobre entendimento dos brasileiros a respeito dos resíduos sólidos será usada para subsidiar ações do Programa Água Brasil, que vem sendo desenvolvido pela ONG desde 2010.
De acordo com ele, a pesquisa revela que 64% da população não são atendidos pela coleta seletiva, e 1% nem sabe o que isso significa. Dos 35% que são atendidos, em apenas metade dos casos o serviço é prestado pela prefeitura. A outra metade é prestada, de forma informal, por catadores de rua, cooperativas, associações ou entregues em pontos de coleta voluntária.
Segundo Fábio, a pesquisa vai ajudar a implementar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), pois pode auxiliar as prefeituras e demais agentes públicos a implementarem campanhas de conscientização e de educação para o consumo responsável. Ele ressalta que o Brasil tem uma legislação avançada sobre resíduos sólidos e que as pessoas querem fazer a sua parte, mas precisam de informação. Precisam também que o serviço lhes seja oferecido.
Quanto aos catadores, Fábio frisa que, pela primeira vez na legislação brasileira, seu papel nos serviços de coleta seletiva e reciclagem foi reconhecido. A principal questão é a integração das organizações de catadores aos serviços de limpeza pública e a remuneração delas pelos serviços prestados.
Rede Mobilizadores – Quais os objetivos do WWF-Brasil ao encomendar pesquisa ao Ibope sobre o entendimento dos brasileiros a respeito dos resíduos sólidos?
R.: O WWF-Brasil solicitou ao Ibope, por meio do Programa Água Brasil, estudo com o objetivo de compreender melhor as práticas de consumo e o nível de consciência da população em relação aos problemas relativos ao descarte de resíduos.
Em novembro de 2011, o Ibope conduziu 2002 entrevistas pessoais em todo o território nacional, investigando como os brasileiros entendem a questão do descarte de resíduos e o quanto estão familiarizados com práticas de consumo sustentável. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Nosso objetivo era justamente conhecer os hábitos de consumo e descarte dos brasileiros, para que pudéssemos entender melhor o problema e, assim, encontrar as melhores soluções. No WWF-Brasil, acreditamos que é possível haver desenvolvimento econômico e conservação da natureza. Apostamos num país em que as cidades e a natureza convivam em harmonia.
Esperamos que a pesquisa nos ajude a implementar a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Se isso acontecer, daremos um enorme salto de qualidade na maneira como nos relacionamos com a natureza e, mais que isso, conseguiremos, literalmente, tirar dinheiro do lixo. Hoje, estima-se que joguemos no lixo, todos os anos, cerca de 8 bilhões de reais em materiais recicláveis que poderiam voltar para o processo produtivo.
Também esperamos que a pesquisa seja mais um instrumento na luta contra a instalação de incineradores no país, que é um dos piores, senão o pior destino que se pode dar aos resíduos, pela poluição que provocam e pelos danos econômicos e sociais que representam.
Rede Mobilizadores – Os resultados da pesquisa surpreenderam? O que chamou mais atenção?
R.: A pesquisa revela uma série de informações importantes. Por exemplo, mostra que a maioria da população, 64%, não é atendida pela coleta seletiva, e 1% nem sabe o que é isso. Dos 35% que são atendidos, em apenas metade dos casos o serviço é prestado pela prefeitura. A outra metade é informal, prestada por catadores de rua, cooperativas ou associações ou entregues em pontos de coleta voluntária.
O estudo também mostra que entre aqueles que não contam com serviço de coleta seletiva, a disposição para separar materiais é alta: 85% se dizem dispostos a separar o lixo em casa se tiverem coleta seletiva ou ponto de entrega voluntária. E a maioria – 65% – é contra a cobrança da taxa do lixo.
Depois, o estudo revelou uma grande desinformação das pessoas a respeito de materiais recicláveis, perigosos ou reaproveitáveis. As pessoas também não sabem para onde vai o lixo produzido em sua casa.
A pesquisa mostra, fundamentalmente, que a população está disposta a participar, mas o poder público e as empresas não atendem a essa demanda, seja no oferecimento do serviço de coleta seletiva, seja na oferta de produtos que levem em consideração aspectos socioambientais. Revela, também, que, muitas vezes, a disposição das pessoas esbarra na falta de informação sobre o assunto, sobre quais materiais são perigosos, o que pode ser reaproveitado, para onde vai o resíduo que produzimos. A população precisa ser informada para saber como participar.
A pesquisa também apontou que:
•Questões ambientais ainda têm percepção de importância muito abaixo de outras questões sociais. Saúde, desemprego e fome são apontados como os principais problemas do país.
•Preço, durabilidade e marca são os atributos mais considerados no ato do consumo. Questões sustentáveis ainda são deixadas de lado. Na hora de comprar, o consumidor leva em conta preço, forma de pagamento, durabilidade do produto e marca. Aspectos socioambientais são pouco considerados.
•Consciência sobre resíduos prejudiciais para meio ambiente ainda é desigual: Pilhas e baterias são os mais conhecidos.
•Conhecimento sobre reciclabilidade de papel, plástico, vidros e metais é alto. A população conhece o potencial dos resíduos.
•Disposição para adotar comportamento sustentável é alta: 41% dos entrevistados se dizem dispostos a adotar os três erres (reduzir, reusar e reciclar). E um em cada três entrevistados está disposto a abrir mão de produtos, ainda que com prejuízo da comodidade, e a exigir dos fabricantes solução para os impactos ambientais dos produtos.
Rede Mobilizadores – Tendo em vista o prazo final para o fechamento dos lixões e implementação da coleta seletiva em todos os municípios brasileiros, conforme determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o que pode ser feito para acelerar o processo? O que cabe à sociedade civil?
R.: A PNRS traz mudanças que afetam diretamente a vida do cidadão. E traz novas obrigações para as empresas e os governos. Estabelece, por exemplo, o princípio da responsabilidade compartilhada, segundo o qual, todos, desde fabricantes, importadores, comerciantes, até o consumidor, são responsáveis pela geração de resíduos.
Outra mudança é que os municípios terão de implementar a coleta seletiva. Os dados sobre coleta seletiva já existentes são muito controversos. As empresas também precisam se adaptar: elas têm que enviar seus resíduos para a reciclagem e passam a ser responsáveis pelo recolhimento das embalagens e sua reciclagem ou reaproveitamento.
As pessoas precisam mudar seus hábitos e atitudes relacionados ao consumo. No WWF-Brasil, trabalhamos com o princípio do consumo responsável. Cada um de nós, no ato de consumir, deve levar em conta que por trás de cada coisa que consumimos existe natureza. Portanto, em cada ato de consumo, consumimos, na verdade, um pedaço da natureza. Precisamos ter isso em mente. Melhorando nossos hábitos de consumo, melhoraremos o mundo. Estamos pressionando cada vez mais a natureza.
Esta pressão que cada um de nós faz sobre os recursos naturais – o que chamamos de pegada ecológica – aumenta a cada dia e já estamos em situação insustentável. Estudo feito pelo WWF-Brasil mostra, por exemplo, que se cada cidadão brasileiro consumisse como um paulistano, precisaríamos de dois planetas Terra. Esta situação nos levaria a um colapso. Os recursos naturais não são infinitos. A degradação do planeta prejudica os ciclos naturais, e a Terra perde as condições de nos fornecer aquilo de que precisamos – água, ar, alimentos, temperatura.
Rede Mobilizadores – Quais as principais dificuldades e as possíveis soluções para a implantação da coleta seletiva nas cidades brasileiras?
R.: A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) trouxe uma nova agenda para as prefeituras (além dos governos estaduais e da União). A aprovação da PNRS, em 2010, depois de mais de duas décadas de tramitação no Congresso Nacional, representou um grande avanço na legislação brasileira relacionada a resíduos. Ela institui a obrigatoriedade da coleta seletiva, o fim dos lixões (em 2014), responsabiliza as empresas pelo recolhimento de produtos descartáveis (logística reversa) e toda a sociedade pela geração de resíduos (responsabilidade compartilhada).
O prazo para a apresentação dos planos municipais de gestão resíduos sólidos terminou em 2 de agosto de 2012. Mas apenas cerca de 10% dos municípios cumpriram esta etapa. A falta do plano impede prefeituras de receberem recursos para a compra de equipamentos ou para outras obras e serviços relacionados. Os estados também deveriam apresentar seus planos – mas apenas uma minoria cumpriu o prazo.
Em 2 de agosto de 2014 – daqui a menos de dois anos – todos os lixões devem ser fechados, e a coleta seletiva deve ser implementada em todos os municípios. Não há dados precisos sobre esta situação no país, mas de acordo com o Ministério das Cidades, cerca da metade dos 5.564 municípios brasileiros ainda contam com lixões para a deposição dos resíduos. Os prefeitos reclamam da falta de recursos para atender às exigências da lei.
Os municípios deverão implantar, em lugar dos lixões, os aterros sanitários. E a lei estabelece que todo o resíduo passível de ser reciclado ou reaproveitado não poderá ir para o aterro sanitário. Para lá só deve ir o material que ainda não pode ser reciclado ou reaproveitado – o rejeito.
Rede Mobilizadores – De que maneira os catadores de materiais recicláveis deveriam ser inseridos no processo da coleta seletiva? Há experiências bem sucedidas nessa área? Pode citar exemplos?
R.: A lei estabelece, também, que os catadores de materiais recicláveis são o público prioritário das políticas para o setor. Pela primeira vez na legislação brasileira, se reconhece o papel destes trabalhadores e sua importância nos serviços de coleta seletiva e reciclagem.
A principal questão é a integração das organizações de catadores aos serviços de limpeza pública e a remuneração delas pelos serviços prestados, sejam esses de coleta e/ou triagem dos materiais recicláveis.
Temos uma capital, Natal (RN), que já estabeleceu contrato com as organizações de catadores. Os municípios de Diadema (SP), Ourinhos (SP), Arujá (SP) e Gravataí (RS), entre outros, já estabeleceram contratos com os catadores.
Rede Mobilizadores – Qual deve ser o papel das escolas na construção de uma nova cultura em relação ao lixo? O que já vem sendo feito e que ainda precisa ser contemplado?
R.: A ideia é trabalhar com sensibilização e engajamento, pois mudar está ao alcance das mãos das pessoas. Basta não misturar seu lixo em casa, na escola e no trabalho. Não deixe as embalagens se misturarem aos resíduos úmidos (cascas de fruta e legumes, restos de alimento). Se sua casa não tem coleta seletiva, você pode procurar pontos de entrega voluntária. Ou pode procurar associações ou cooperativas de catadores. Talvez você também possa diminuir seu consumo de descartáveis, evitando copos, canudos, sacolas e embalagens dispensáveis. E as escolas são os espaços formadores dos cidadãos de amanhã!
Rede Mobilizadores – E a mídia? Desempenha papel importante na criação de uma nova cultura? De que forma?
R.: A mídia tem um papel importante! Seja no acompanhamento do cumprimento da lei, seja na divulgação de informações de utilidade pública e de boas práticas.
Rede Mobilizadores – Poderia explicar os objetivos do Programa Água Brasil? Desde quando é implementado e quais suas principais vertentes?
R.: Para fomentar práticas sustentáveis no campo e na cidade, Banco do Brasil (BB), Fundação Banco do Brasil (FBB), Agência Nacional de Águas (ANA) e WWF-Brasil firmaram parceria inovadora em 2010, que atua em todos os biomas e regiões geográficas brasileiras, desenvolvendo modelos a serem replicados pelo país.
No meio urbano, a iniciativa visa disseminar e melhorar a coleta seletiva e a reciclagem de resíduos sólidos, diminuindo os impactos sobre a natureza e gerando trabalho e renda para catadores de materiais e pequenos e médios empreendedores. A iniciativa também estimula a mudança de valores e comportamentos, incentivando o consumo responsável.
No meio rural, os parceiros desenvolvem ações em 14 microbacias hidrográficas, disseminando o uso de boas práticas agrícolas e de proteção das nascentes de água, visando à produção rural mais saudável para agricultores e consumidores. A iniciativa realiza, ainda, ações para aprofundar critérios ambientais nas operações bancárias. São desenvolvidos estudos para mitigação de riscos e incentivo ao financiamento de negócios sustentáveis.
Rede Mobilizadores – De que forma o programa vem atuando com relações a catadores, prefeituras e população para melhorar o manejo de resíduos sólidos e a mudar hábitos e atitudes relativos ao consumo e ao descarte de resíduos?
R.: As possibilidades são muitas e dependem de cada um. Em resumo, precisamos adotar em nossas vidas o princípio dos três erres: reduzir, reusar e reciclar. Ou seja, reduzir nosso consumo, reusar o que for possível e destinar para a reciclagem aquilo que não nos serve mais.
Dessa maneira, tudo aquilo que é reciclável retornará ao sistema, e, assim, diminuímos a pressão sobre os recursos naturais e viabilizamos a geração de renda e trabalho para os catadores. A parcela orgânica dos resíduos pode ser compostada para virar adubo, entre outras destinações. Absurdo é saber que há um forte lobby para queimarmos o nosso lixo! A incineração é uma atividade altamente poluidora, mesmo com o uso de filtros, que não são suficientes para eliminar a emissão de compostos tóxicos!
Rede Mobilizadores – Neste sentido, como os resultados da pesquisa serão aplicados no projeto?
R.: É um estudo inédito, que vai ajudar prefeituras e outros agentes públicos a direcionarem campanhas de conscientização e de educação para o consumo responsável. Hoje, temos uma legislação avançada que corre o risco de ficar no papel. As pessoas querem participar, mas precisam de informação e precisam que o serviço lhes seja oferecido.
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Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo
Show a entrevista. Lembro de quando eu estudava no Colégio Costa e Silva em Aracaju-SE, o diretor sempre foi muito rígido em relação ao lixo escolar. Sempre participei das palestras que tinham como tema “o meio ambiente”. Aprendir muito, não só na escola, mas também aqui com os Mobilizadores, que só passei a ter conhecimento sobre este site através do palestrante, em 2010. Que os políticos vejam a crise que passamos no dia a dia e que tomem atitudes assim como a população esta tomando.
Ahei excelente a entrevista. Inclusive ela destaca os municipios que contrataram os serviços dos catadores.
Serve como exemplo. Temos que divulgar.
Alberto solicitei sua cartilha ok.
Tenho uma pequena cartilha que editei a respeito de reciclagem de lixo domestico. É um costume muito facil de adotar, quando voce perceber ja nao esta mais produzindo lixo nem dependendo de lixeiros. quem quiser mande um email para albertomii@netscape.net que eu anexo um exemplar na reposta.
O nosso maior inimigo é o modêlo econômico capitalista do Brasil.O processo autocrático(de cima para baixo),dos interesses.o segundo a destruição da natureza a entropia, a desordem ambiental provocada pela humanidade,pois nossa sociedade é antiecológica.
emilia
Parabens pela entrevista.A população através da pressão popular,opinião pública, mudanças de hábitos e atitudes será o centro principal para a implementação da política.
emilia