Roberto Oliveira Dantas, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, fala sobre o alcoolismo, problema que afeta cerca de 3% da população brasileira e pode causar, além de acidentes no trânsito, descontrole no trabalho e em família, doenças como cirrose hepática, pancreatite crônica, alterações do sistema nervoso central e aumento da chance do aparecimento de câncer, como o do esôfago.
De acordo com o professor, a predisposição genética mais o hábito de ingerir bebidas podem levar ao alcoolismo. Quando uma pessoa não consegue controlar mais o hábito de beber se torna um alcoolista, termo que, atualmente, substitui alcoólatra.
Mobilizadores COEP – O que é alcoolismo?
R.: Alcoolismo é um termo difícil de definir. O melhor entendimento é de que se trata de uma situação em que o hábito de ingerir bebidas alcoólicas traz consequências negativas para a vida do indivíduo, sua família, as pessoas com as quais convive e afeta sua capacidade para o trabalho, vida familiar, lazer e para manter amizades. As mulheres têm menor capacidade para tolerar bebidas alcoólicas, portanto estão mais sujeitas a terem problemas com o hábito. Outra maneira de entender o alcoolismo é quando o sujeito é dependente da ingestão de bebidas alcoólicas, não mais conseguindo controlar o seu hábito.
As taxas de mortalidade por causas associadas ao abuso de álcool em alguns países da América Latina, onde o alcoolismo se apresenta como grande problema de farmacodependência, estão entre as mais elevadas do mundo.
Mobilizadores COEP – A doença afeta, em média, quantas pessoas no Brasil? Trata-se de um problema de saúde pública?
R.: Não há estatísticas recentes que sejam resultados de métodos de avaliação precisos. Estima-se que um pouco mais da metade da população ingere bebidas alcoólicas com frequência e que 3% sejam alcoolistas. O termo alcoolista substituiu o termo alcoólatra. É observado que o hábito tem se tornado mais freqüente entre os jovens e entre as mulheres, o que indica a possibilidade de sérios problemas no futuro. Sendo assim, é um problema de saúde pública. O alcoolismo é mais freqüente entre os 30 e 50 anos, o que também indica a gravidade do problema. Nesta faixa de idade a pessoa trabalha, tem família que pode depender dela, e, geralmente, os filhos estão com pouca idade.
Mobilizadores COEP – Quando uma pessoa pode ser considerada alcoolista?
R.: Não há uma quantidade de ingestão de bebida estabelecida. Devido a fatores genéticos uma pessoa consegue ingerir maior quantidade que outra sem ter problemas.
Mobilizadores COEP – Quais os principais efeitos do álcool sobre o organismo? Quanto tempo, em média, uma pessoa demora para manifestar doenças decorrentes do alcoolismo? Há diferenças entre as áreas urbanas e rurais?
R.: O álcool tem efeitos agudos e crônicos sobre o organismo. Os agudos estão relacionados com o comportamento. Brigas, confusões, comportamento inconveniente, acidentes no trânsito, descontrole no trabalho, com a família e outros. A preocupação com acidentes de trânsito é evidente, porque põe em risco a vida do alcoolista e de pessoas inocentes que são suas vítimas.
Do ponto de vista crônico (hábito de ingerir bebidas com freqüência por vários anos, geralmente mais de dez anos), as consequências podem ser para o fígado (cirrose hepática), pâncreas (pancreatite crônica), sistema nervoso periférico (neurite periférica), alterações do sistema nervoso central (encefalopatia alcoólica), e aumento da chance do aparecimento de câncer, como o do esôfago. Se a pessoa não ingerir alimentos em quantidade adequada ela pode vir a ter desnutrição e pelagra (doença da pele e do sistema nervoso).
Não há diferenças entre área urbana e rural. É uma somatória de predisposição genética e o hábito de ingerir a bebida. Pessoas com história de parentes com doenças consequentes ao alcoolismo têm maior predisposição a se tornarem alcoolistas.
Mobilizadores COEP – Por que a ingestão de bebidas no campo é um hábito tão frequente? A partir de que idade os jovens começam a beber? Eles percebem a bebida como um vício?
R.: No campo, há informações de que bebidas são oferecidas aos trabalhadores. Fatores sociais, como o isolamento, favorecem o hábito. Muitos alcoolistas começam a dependência com idade em torno dos 18 anos e, ao menos no início, não se sentem como dependentes da bebida.
Mobilizadores COEP – Qual a relação entre alcoolismo e acidentes de trabalho?
R.: O alcoolismo provoca acidentes no trabalho e fora dele. A pessoa não tem o controle de suas atitudes e movimentos como gostaria, e deveria ter. Não conheço estatísticas sobre a dimensão do problema. No trânsito, por exemplo, a diminuição da presença de motoristas alcoolizados diminui o número de acidentes.
Mobilizadores COEP – E quanto à convivência com a família? Que consequências o uso de álcool traz?
R.: O alcoolismo tem sido um grande desagregador de famílias. Esposa(os) e filhos convivem com dificuldade com alcoolistas. Muitas vezes a distância é a única maneira de superar as dificuldades de convivência.
Mobilizadores COEP – O alcoolismo tem cura? Onde procurar ajuda? Todos os municípios apresentam um serviço público destinado ao tratamento de alcoólatras?
R.: É possível abandonar o alcoolismo. Entretanto, não há sistema de apoio eficiente a estas pessoas. Não tenho informações precisas, mas a maioria dos municípios não tem equipes para atender estes pacientes. Da mesma maneira que não tem para atender viciados em drogas. Abandonar o hábito é difícil e precisa de muita vontade, dedicação e apoio psicológico. É possível ter sucesso, mas precisa de determinação, não só por parte da pessoa, como daqueles envolvidos no tratamento.
Mobilizadores COEP – O que fazer quando uma pessoa com problemas de alcoolismo se recusa a procurar ajuda?
R.: Quando a pessoa se recusa a procurar ajuda, a família tem um grande problema. A primeira coisa que precisa acontecer é reconhecer que está havendo, de fato, um problema. Que a ingestão de bebidas alcoólicas ultrapassou os limites e está trazendo consequências. Precisa de muito empenho da família. Se a pessoa não tiver familiares dificilmente conseguirá sucesso. A propaganda, a vida social, enfim o meio em que se vive dificulta a recuperação.
Entrevista do Grupo Promoção da Saúde
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo