No ano em que o Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) completa 15 anos, um dos fundadores do PVNC, o professor Alexandre Nascimento fala sobre o surgimento do PVNC, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, em 1993, visando articular os setores excluídos da sociedade para uma luta mais ampla pela democratização da educação e contra a discriminação racial. Alexandre também dá as coordenadas para quem tem interesse de montar um pré-vestibular voltado para negros e pessoas de baixa renda. Mobilizadores COEP: O que é e com qual objetivo foi criado o Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes? R.: Inicialmente, o objetivo do PVNC era proporcionar a jovens pobres e negros da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, melhores condições de acesso às universidades públicas, através da preparação para o vestibular. Isso porque, em 1992, tínhamos apenas 2% de estudantes negros nas universidades. Pode-se dizer que, atualmente, os objetivos do PVNC estão em rediscussão pelo próprio movimento. Pois, hoje, já temos algumas políticas públicas, como cotas, Programa Universidade para Todos (Prouni) ? que concede bolsas de estudo integrais e parciais aos estudantes – e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) ? que visa criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior. As vagas estão aumentando e o ensino médio está se expandindo. Em face disso, e das novas demandas e mudanças democráticas que queremos, estamos iniciando um processo de avaliação do movimento. Mobilizadores COEP: Os alunos são preparados para enfrentar o preconceito e a discriminação racial? De que forma? R.: O PVNC procura debater com os alunos as questões sociais e raciais presentes na nossa sociedade. Neste sentido, há uma preocupação em promover um conhecimento coletivo sobre o racismo na sociedade brasileira e como isso influi nas desigualdades entre negros e brancos. Mobilizadores COEP: As cotas têm sido importantes para assegurar o acesso dos negros a universidade? Por quê? O que ainda precisa ser feito, em termos de políticas públicas, para ampliar a participação de negros e pessoas de baixa renda no ensino superior? R.: As cotas são importantes porque aceleram um processo de entrada de negros nas universidades. É sempre bom dizer que, no Brasil, quem precisa de cotas não são os estudantes negros, mas as universidades para que sejam melhores e mais democráticas, pois a diversidade é um dado importante de democracia. Porém, as cotas são medidas de acesso, mas também é preciso pensarmos em políticas de permanência para os estudantes que necessitam de apoio financeiro, material e de conteúdos para que estes jovens consigam concluir os estudos. É preciso também lutarmos em prol da melhoria e democratização da educação básica e superior. Umas das atividades mais importantes do PVNC é a luta por políticas públicas para democratizar a educação. Podemos dizer que a discussão sobre ações afirmativas no ensino superior, sobretudo as cotas, têm no PVNC e nos demais pré-vestibulares para negros a sua base social. Mobilizadores COEP: Quais os requisitos para um estudante participar das aulas?R.: O principal requisito é a renda. Outros são ser negro(a), ser oriundo de escola pública.Mobilizadores COEP: Quais são as disciplinas ministradas aos estudantes? Qual a periodicidade das aulas e a carga horária semanal? Onde e por quem as aulas são ministradas? R.: As disciplinas são todas as que são cobradas nos vestibulares. Além disso, no PVNC há uma matéria que chamamos de Cultura e Cidadania, que é o momento dos debates sociais, políticos, sobre preconceito e discriminações, entre outros temas. Os dias e periodicidade são definidos pelos próprios cursos, de acordo com as suas possibilidades e disponibilidades de espaço e professores. Há cursos que têm aulas todos os dias e cursos que têm aulas apenas nos fins de semana. Os espaços são variados. Funcionamos em escolas, igrejas, sindicatos, associações de moradores, qualquer local com estrutura suficiente para realizarmos as aulas. Contamos hoje com 24 núcleos em diversos municípios fluminenses. Mobilizadores COEP: Quantos alunos participam em média? Desses, quantos concluem o curso superior? R.: Temos hoje cerca de mil estudantes, em 23 núcleos. Ainda não temos uma pesquisa sobre quantos concluem o ensino superior, mas temos um índice de aprovação para as universidades de mais de 20%. E temos, inclusive, ex-alunos concluindo mestrados e doutorados, no Brasil e em alguns países do exterior, como dois ex-alunos que estão fazendo mestrado na França. Mobilizadores COEP: O que uma comunidade que deseje implantar um modelo semelhante de pré-vestibular deve observar? R.: Temos nossa Carta de Princípios, que está disponível no nosso site (http://pvnc.sites.uol.com.br/cartadeprincipios.htm) com algumas diretrizes para quem deseja criar um núcleo do PVNC. Mas é algo bem simples: Primeiro é preciso constituir um grupo de coordenação. Segundo é ter um grupo de professores das disciplinas do vestibular. E terceiro é conseguir um espaço onde as aulas possam ser ministradas. Normalmente, cobra-se uma taxa mínima dos alunos para manutenção do espaço, como compra de papel higiênico, giz, folhas, entre outros materiais. Mas quem não tem condição de contribuir, pode auxiliar de outras formas também. O importante é que cada um se sinta responsável pela manutenção e vida longa do núcleo, pois a idéia é que os alunos, passando para a universidade, retornem para dar aulas aos novos alunos. Mobilizadores COEP: Quais os erros mais comumente cometidos por aqueles que desejam implantar projetos semelhantes? R.: Acredito que o principal erro é começar um curso sem o grupo completo de professores. Outras dificuldades são não ter um espaço inicial com condições boas para as aulas, conseguir realizar uma boa divulgação para alcançar o público alvo e ter clareza que, pedagogicamente, o que deve mover os professores e coordenadores é a solidariedade e não a disputa. Uma outra dificuldade é criar formas de incentivo para que os alunos, após formados, retornem para serem professores e coordenadores. Mobilizadores COEP: Como atrair os jovens para os cursos? E os professores como são recrutados? São todos voluntários? R.: A mobilização de estudantes é feita através de sites, reportagens na imprensa, faixas, reuniões comunitárias e outras estratégias de divulgação que o núcleo achar melhor. No PVNC os professores são voluntários. Os professores do primeiro núcleo, em São João de Meriti, que já eram militantes de outros movimentos sociais. Atualmente, recrutar professores para núcleos novos requer correr atrás da sua rede de conhecidos e que, por sua vez, possam sugerir outras pessoas. Quem sabe professores antigos ou colegas de universidade que estejam a fim de dar aula em algum movimento. Geralmente, vão encarar isso como uma experiência, depois é que apresentamos o ideário do PVNC, o que o movimento acredita ou professa. Mobilizadores COEP: De que forma é possível sustentar financeiramente a iniciativa? Que instituições podem apoiar o projeto? R.: O PVNC não trabalha com recursos de nenhuma fonte de financiamento. Todos os recursos que utilizamos são oriundos de contribuições mensais dos próprios estudantes, que não podem ultrapassar 10% do salário mínimo. Porém, o PVNC aceita doações de livros, móveis, equipamentos e, eventualmente, para atividades pontuais, recursos financeiros. Nunca aceitamos doações de políticos e candidatos a cargos eletivos. Mobilizadores COEP: De que forma os jovens participantes são acompanhados? R.: O acompanhamento é feito pelas coordenações dos núcleos. Ainda não temos um acompanhamento dos ex-alunos. Mobilizadores COEP: Aqueles que desejarem compartilhar experiências ou obter mais informações sobre pré-vestibular para negros e pessoas de baixa renda podem procurar o PVNC? Onde? Por que meio? A quem devem buscar? R.: O melhor meio de obter informações e contatos do PVNC é por meio do site www.pvnc.org Entrevista concedida a:Fabiana OliveiraEdição:Fabiana Oliveira e Eliane AraújoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.