O Programa Brasil Quilombola (PBQ), da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), envolve um conjunto de ações governamentais para melhorar a qualidade de vida e garantir o acesso das populações quilombolas aos serviços públicos essenciais. Suas prioridades são: regularização fundiária, desenvolvimento econômico local, geração de renda, saúde, educação e estímulo à participação e ao controle social das políticas públicas pelos quilombolas.
A titulação do território ainda é a principal luta das milhares de comunidades remanescentes de quilombos em todo o Brasil. De acordo com estimativa da Comissão Pró-Índio de São Paulo, existem cerca de 3,5 mil comunidades no país ? e apenas 6% delas têm o título de suas terras.
Leonor Franco de Araujo, gerente do Programa Brasil Quilombola, da Secretaria de Políticas para as Comunidades Tradicionais (Secomt), ligada à Seppir, explica como funciona o programa e detalha o que uma comunidade quilombola deve fazer para estar inserida nele.
Mobilizadores COEP – Quais estados brasileiros concentram a maioria das comunidades quilombolas?
R.: Os estados brasileiros que concentram a maioria das comunidades quilombolas são Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Pernambuco.
Mobilizadores COEP – Quando foi criado o Programa Brasil Quilombola (PBQ)? Quais os seus principais objetivos?
R.: O Programa teve início em 2004, e desde então visa garantir o acesso da população quilombola às políticas e aos serviços públicos. Em 2010, o Programa executou cerca de 240 milhões de reais, através das ações de diversos órgãos e entidades do Governo Federal.
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR), por meio da Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais, é incumbida de coordenar o PBQ, sendo peculiar ao programa a composição de ações transversais, interinstitucionais e setoriais, para beneficiar as comunidades quilombolas, com ênfase na participação da sociedade civil.
Mobilizadores COEP – Quantos ministérios estão envolvidos no PBQ?
R.: As metas e recursos do PBQ envolvem 23 ministérios e órgãos federais e têm como principais objetivos a garantia do acesso à terra; ações de saúde e educação; construção de moradias, eletrificação; recuperação ambiental; incentivo ao desenvolvimento local; pleno atendimento das famílias quilombolas pelos programas sociais, como o Bolsa Família e medidas de preservação e promoção das manifestações culturais quilombolas.
Mobilizadores COEP – Desde sua implantação, quais as principais realizações do PBQ?
R.: Entre as principais realizações do Programa, desde 2005, estão a Regularização fundiária, a certificação, o programa Luz para Todos*¹, a inserção das famílias no programa Bolsa Família, o desenvolvimento local e também o desenvolvimento agrário. Mais de 25 mil famílias quilombolas são atendidas pelo Programa Bolsa Família. Essa população também terá prioridade no atendimento pelo Programa Brasil Sem Miséria.
O governo ainda está em um momento de identificar a realidade das comunidades quilombolas e, a partir disso, articular as políticas públicas que possam modificar a realidade e garantir uma reparação histórica.
Mobilizadores COEP – Quais as principais reivindicações das comunidades remanescentes de quilombos no país?
R.: A titulação do território ainda é a principal luta das milhares de comunidades remanescentes de quilombos em todo o Brasil. Estimativa da Comissão Pró-Índio de São Paulo aponta a existência de 3,5 mil comunidades no país ? e apenas 6% delas têm o título de suas terras. A inclusão produtiva e a geração de renda também são reivindicações das comunidades.
Mobilizadores COEP – Neste sentido, quantas comunidades já detêm o título de suas terras?
R.: Apenas 189 das 1,7 mil comunidades reconhecidas oficialmente pelo Estado, já têm o título da terra. Entre as dificuldades encontradas pelos quilombolas está a disputa pela terra com grandes produtores rurais.
Mobilizadores COEP – O Decreto 4.887 de 2003 assegura o direito a terra às comunidades que se autoidentificarem. O que isto significa na prática?
R.: O critério de auto-atribuição ou auto-identificação refere-se à conquista das sociedades modernas dos grupos étnicos-raciais, que podem dizer o que são e como se compreendem (direito à identidade), após as trágicas experiências do nazismo e outras formas de assepsia étnica. Neste sentido, o princípio da auto-atribuição é um direito dos povos assegurado na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho. Cabe à Fundação Cultural Palmares emitir uma certidão sobre essa autodefinição. O processo para essa certificação obedece à norma específica desse órgão (Portaria da Fundação Cultural Palmares Nº 98, de 26/11/2007).
Mobilizadores COEP – Após a auto-indentificação, quais os próximos passos para as comunidades conseguirem a titulação?
R.: Por força do Decreto nº 4.887, de 2003, o Incra é o órgão competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas. Os estados, o Distrito Federal e os municípios têm competência comum e concorrente com o poder federal para promover e executar esses procedimentos de regularização fundiária. Para cuidar dos processos de titulação, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) criou, na sua Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, a Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) e, nas Superintendências Regionais, os Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas.
Com base na Instrução Normativa 57, do Incra, de 20 de outubro de 2009, cabe às comunidades interessadas encaminhar à Superintendência Regional do Incra do seu estado uma solicitação de abertura de procedimentos administrativos visando à regularização de seus territórios.
Para que o Incra inicie os trabalhos em determinada comunidade, ela deve apresentar a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, emitida pela Fundação Cultural Palmares. A primeira parte do trabalho do Incra consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território.
Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais contestações. Aprovado em definitivo esse relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.
A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território. O processo culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada.
Mobilizadores COEP – De que forma a titulação da terra é importante para a subsistência e geração de renda das comunidades quilombolas?
R.: A posse e propriedade da terra é questão vital para a sobrevivência e reprodução dos quilombolas. Essa titulação facilita todo o processo de acesso às linhas de crédito, à escola e aos serviços de saúde, propiciando ainda a inserção destas comunidades em programas de geração de trabalho e renda.
Mobilizadores COEP – Como será o atendimento desta população pelo Programa Brasil Sem Miséria?
R.: A população negra brasileira representa cerca de 67% do público do Programa Brasil Sem Miséria*², e dentre esses estão incluídos os quilombolas. Os principais programas do BSM que estarão atendendo as comunidades são o Água pra Todos, Luz pra Todos e Busca Ativa para o Cadastro Único e Bolsa Família.
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*1 – Programa Luz para Todos: Lançado em 2003, o Programa Luz para Todos, do Governo Federal, se destina a levar energia elétrica à parcela da população do meio rural sem acesso a esse serviço. O programa deveria ter sido extinto em 2010, mas decreto publicado prorrogou este prazo até 2014. Até agora, 13,6 milhões de pessoas foram atendidas. A região mais beneficiada é a Nordeste, com 6,7 milhões de beneficiários.
*2 ? Programa Brasil sem Miséria: O Plano Brasil sem Miséria, lançado recentemente pelo Governo Federal, prevê um conjunto de ações integradas que pretendem beneficiar uma parcela da população que se encontra atualmente excluída de seus direitos sociais básicos. De acordo com o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 16,2 milhões de brasileiros encontram-se abaixo da linha de pobreza e têm renda familiar inferior a R$ 70 por pessoa.
O objetivo do Plano é gerar oportunidades de trabalho e elevar a renda e as condições de bem-estar da população. Serão desenvolvidas ações nacionais e regionais, baseadas em três eixos: garantia de renda, inclusão produtiva e acesso a serviços públicos. No campo, o objetivo central é aumentar a produção dos agricultores. Na cidade, qualificar a mão-de-obra e identificar oportunidades de geração de trabalho e renda para os mais pobres. Simultaneamente, o Plano Brasil sem Miséria vai garantir maior acesso da população mais pobre à água, luz, saúde, educação e moradia. Para saber mais, leia a entrevista publicada no Mobilizadores.
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Entrevista para o Grupo de Gênero, Combate à Discriminação e Grupos Populacionais
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.