Markus Brose, diretor executivo da Care Brasil – organização com quase 10 anos de atuação no país que tem como proposta combater a pobreza por meio da promoção do desenvolvimento local em áreas rurais e periferias urbanas ? fala sobre segurança alimentar e geração de trabalho e renda em comunidades vulneráveis.Nesta entrevista, ele explica o que é o Programa Sul da Bahia (Prosulba), que ajudou a implementar tecnologias sociais na região da Costa do Cacau, recuperando áreas degradadas, introduzindo sistemas agroflorestais e promovendo educação ambiental, com envolvimento dos integrantes de projetos de assentamento de reforma agrária e pequenos agricultores familiares.Mobilizadores COEP – O que é o Programa Sul da Bahia (Prosulba), desenvolvido pela Care Brasil? Qual é seu objetivo? R.: Iniciado pela Care Brasil em 2002, o Programa Sul da Bahia (Prosulba) vem contribuindo para o desenvolvimento de processos de mudança na região da Costa do Cacau. Tem atuado junto a assentamentos de reforma agrária, comunidades quilombolas e indígenas que compõem os grupos mais vulneráveis dessa região, que já conheceu diversos ciclos de produção de riqueza ? acumulada nas mãos de poucas famílias e que ocasionou a exclusão social da maioria da população. A Care introduziu diversas tecnologias sociais com o intuito de apoiar a autonomia de famílias e comunidades que participam do programa, tendo, a partir de 2006, iniciado um esforço na área de recuperação de áreas degradadas, implementação de sistemas agroflorestais e educação ambiental, com envolvimento de integrantes de projetos de assentamento de reforma agrária e pequenos agricultores familiares.Mobilizadores COEP – A terceira fase do Programa aborda a melhoria da produtividade do sistema agroflorestal do cacau e a importância da gestão da água. Como ele funciona?R.: A Care vem assessorando diversos assentamentos de reforma agrária visando o aumento da qualidade e produtividade do cacau e a melhoria da renda e qualidade de vida dos assentados. O correto manejo do cacau contribui para a manutenção do sistema cabruca ? que se caracteriza pelo plantio de cacau junto à floresta nativa, amenizando, assim, os efeitos de secas prolongadas – e para o adensamento da Mata Atlântica local.Introduzimos também melhorias no processo de secagem e fermentação do cacau, no beneficiamento de frutas tropicais, na produção de doces e compotas com subprodutos dos sistemas agroflorestais, entre outros, impactando positivamente a segurança alimentar das famílias.Além disso, nossa equipe apoiou a articulação dos assentados com o programa Água para Todos, implementado pelo Governo Federal em parceria com os governos Estadual e Municipal. Foram realizados mapeamentos dos assentamentos e também dado apoio ao processo de perfuração de poços tubulares para captação de água potável. Com isso, foi possível retomar a iniciativa do processamento e beneficiamento de alimentos para diversificar a renda familiar nos assentamentos.Mobilizadores COEP – Como o Programa estimulou a produção de verduras e legumes orgânicos?R.: A equipe destacou para a comunidade o uso de técnicas orgânicas para a redução dos custos de produção e a promoção da saúde pública, além da diminuição do risco de contaminação dos recursos hídricos no território. Então, apoiou a experiência-piloto de instalação de um hortão orgânico na área urbana do município de Una, implantado em parceria com a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), com o intuito de possibilitar a autonomia alimentar da Associação Casa da Criança Menino Jesus que, nesse município, atende 200 crianças em situação de extrema vulnerabilidade. A partir do êxito desse aprendizado, apoiou-se o processo de instalação de 32 hortas orgânicas nos assentamentos Dandara dos Palmares, Zumbi dos Palmares e Terra de Santa Cruz. Atualmente, essas hortas produzem alimento para cerca de 100 famílias e abastecem as feiras municipais de Camamu, Santa Luzia e Ilhéus.Mobilizadores COEP – Além de possibilitar a segurança alimentar das comunidades envolvidas, que outros benefícios podem ser gerados com a produção local de alimentos orgânicos?R.: Redução da importação de alimentos de outros territórios, ingresso adicional na renda familiar e dinamização dos fluxos econômicos locais. Com a valorização cada vez maior dos produtos orgânicos, promovemos a inclusão dos assentamentos em um nicho de mercado que está disposto a pagar a mais pelo produto.Mobilizadores COEP – Quais os benefícios gerados para as comunidades com a melhoria da capacidade de gestão dos recursos hídricos?R.: O trabalho da Care Brasil consistiu em apoiar a mobilização e articulação das famílias para garantir que elas fossem atendidas pelas políticas de acesso à água potável. A partir da mobilização dos assentamentos, as famílias conquistaram a instalação dos poços tubulares e sistemas simplificados de distribuição, retomando o processamento e beneficiamento de alimentos para diversificar a renda familiar nos assentamentos. A Care implementou ainda sistemas de irrigação para as hortas orgânicas, bem como realizou testes para a produção local de achocolatado em pó, cacau em pó, chocolate caseiro e frutas desidratadas.Mobilizadores COEP – As comunidades mais vulneráveis que vivem no meio rural e no litoral dependem da produtividade dos ecossistemas. Como as mudanças climáticas afetarão estas comunidades e o que pode ser feito para promover a segurança alimentar destes povos?R.: As famílias pobres do meio rural nordestino estão entre os grupos mais vulneráveis às mudanças do clima na América Latina, mas foram as que menos contribuíram para essas alterações climáticas. O padrão de consumo dessas famílias dos subprodutos do petróleo causadores de mudanças climáticas ? como combustíveis fósseis, plásticos e fertilizantes químicos ? sempre foi muito baixo. Porém, elas serão as mais afetadas pelas mudanças na distribuição das chuvas. Um cenário de mudanças climáticas irá ampliar a escassez da água e também as enchentes, prejudicando a qualidade de vida das famílias mais vulneráveis que já apresentam hoje baixa cobertura de saneamento básico. Promover o desenvolvimento rural com base na agricultura familiar representa, portanto, uma ação de promoção da justiça ambiental.Mobilizadores COEP – O que significa o termo justiça ambiental? Como podemos promovê-la?R.: Em nossa sociedade, existe uma tendência de que grupos vulneráveis sofram com os maiores custos ambientais e usufruam menos dos benefícios do crescimento econômico. Mais visível em regiões metropolitanas, há o problema específico da implementação em bairros periféricos – onde vivem populações com baixa renda e sem alternativa para escolher outro local de moradia – de atividades geradoras de riscos ambientais, como por exemplo, aterros, refinarias, lixões, incineradores, usinas, aeroportos etc., que representam um custo ambiental de toda a cidade.O conceito de justiça ambiental tem sua origem na ideia de que não deve haver uma distribuição desigual, tanto dos benefícios quanto das desvantagens, como consequência do uso dos recursos naturais. Em especial, não deve haver desigualdade gerada pela legislação ambiental entre diferentes grupos sociais. Os benefícios, os lucros, assim como os riscos e os problemas, gerados pelo uso dos recursos naturais, devem ser distribuídos igualmente na sociedade. Ou então, deve haver compensações por se conviver com esses riscos.Mobilizadores COEP – Que tipos de iniciativas de adaptação estão sendo desenvolvidas pelo Prosulba para possibilitar que as populações envolvidas possam lidar com os efeitos das mudanças no clima?R.: O Prosulba vem promovendo a diversificação da renda, capacitando as famílias para que façam o inventário de suas propriedades e que realizem o correto manejo das suas áreas. Além disso, se faz necessário investir em um sistema que facilite a comercialização dos produtos a um preço justo, dando condições a estes pequenos produtores de se tornarem verdadeiros empreendedores rurais. A sustentabilidade deste processo, no entanto, só se viabiliza se este conhecimento for passado aos jovens, através de cursos técnicos, dando a eles condições de romper o ciclo intergeracional da pobreza vivido por seus pais e avós.Mobilizadores COEP – Em geral, as comunidades rurais são dependentes do extrativismo, seja na mata, no sertão ou no mangue, tanto como fonte de segurança alimentar e de renda. Como aliar uma estratégia de sobrevivência dessas comunidades e o uso racional dos recursos naturais, dinamizando a economia local?R.: A capacidade de associação é fundamental neste contexto, para que estas famílias dependentes do extrativismo, seja na mata, no sertão, no mangue ou na pesca, defendam e protejam esses ecossistemas dos grandes projetos do setor público ou da iniciativa privada que, por sua vez, contribuem para a degradação ambiental. Por isso, o empoderamento das comunidades rurais é também crucial para o uso racional dos recursos naturais. Além disso, a inclusão destes grupos em cadeias de comércio justo contribui para que seu trabalho seja valorizado e conquistem melhores condições de sustentabilidade na região.Mobilizadores COEP – O que é a Care? Quando foi criada e com que objetivo? Quais os principais projetos que desenvolve?R.: A Care Brasil é uma ONG brasileira, com título de OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e que integra a Care Internacional, uma rede que possui mais de 60 anos de experiência em ajuda humanitária e no combate à pobreza. Estamos presentes em 72 países e somos uma das cinco maiores ONGs hoje no mundo. A organização tem quase 10 anos de atuação no país com a proposta de combater a pobreza por meio da promoção do desenvolvimento local em áreas rurais e periferias urbanas, fortalecendo a capacidade, principalmente de jovens e mulheres, de se tornarem agentes de transformação local e de suas próprias vidas, superando a condição de pobreza. Juntamente com as comunidades e parceiros da sociedade civil, a organização implementa ações que visam: a inclusão social, o fortalecimento e a diversificação da economia local, a inovação na gestão pública, a proteção ambiental e o uso racional de recursos naturais e a mobilização social. Em todas as ações promovidas pela Care Brasil, a capacitação, a educação e o estímulo à autonomia dos cidadãos são elementos-chave. Sob o mesmo conceito, atua também em ajuda humanitária emergencial. Em 2010, realizou campanhas de mobilização de recursos para apoiar o trabalho da Care no Haiti e no Chile e, depois das chuvas torrenciais que atingiram o Estado do Rio de Janeiro em abril, deu início a uma frente de trabalho no município de São Gonçalo, na Baixada Fluminense. Mobilizadores COEP – O que uma rede como o COEP que atua em todo o Brasil em comunidades de baixa renda pode fazer para estimular a consolidação da produção familiar sustentável?R.: A rede pode disseminar ferramentas e instrumentos que mellhorem a capacidade produtiva e de gestão dos pequenos produtores.—————–Entrevista para o Grupo Combate à Fome e Segurança AlimentarConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araujo.