É muito mais barato investir em prevenção do que no tratamento de doenças. É o que explica a jornalista Sonia Pilati, coordenadora do Programa Saúde para o Campo, que, com uma carreta itinerante, já realizou atendimento e exames laboratoriais para mais de 13 mil agricultores e produtores rurais do país.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelas populações rurais brasileiras na área de saúde?
R.: A distância dos centros urbanos, dos centros de saúde é a primeira barreira, seguida do comprometimento com as tarefas do campo, como plantio, colheita, entresafras e afazeres diários. Mas, principalmente, o fato de o brasileiro não ter a cultura da prevenção; só vamos ao médio quando a doença já existe e é crônica, em sua grande maioria.
Isso, claro, ignorando que o sistema de saúde nacional está sobrecarregado. Faltam profissionais, remuneração justa, leitos, material, atendimento adequado; falta tudo. Principalmente uma política pública séria, na qual as verbas de saúde sejam de fato destinadas ao que se propõem.
Mobilizadores COEP – Quais as principais doenças a que estão sujeitos? São doenças que podem ser evitadas por medidas preventivas? De que tipo?
R.: São várias as doenças. Sem dúvida, o alcoolismo está bem presente até mesmo pelo fator cultural: o pai bebe na frente dos filhos, que acham natural beber e passam a beber também. Além disso, como os agricultores não têm atividades de lazer, terminam de trabalhar e se reúnem em rodinhas para prosear e beber, especialmente cachaça, uma bebida relativamente barata.
São comuns também as contaminações e intoxicações, decorrentes da falta de higiene para manusear alimentos, de hábitos de higiene inadequados, do manuseio de defensivos agrícolas sem equipamentos de segurança, ou pelo uso incorreto dos equipamentos de proteção individual (EPI) e da automedicação. As lesões e os traumas, em especial na coluna, pernas e braços também são bastante comuns devido ao uso incorreto dos EPI, por carregarem excesso de peso, e pela extensa carga horária de trabalho. Na cultura da cana, por exemplo, são frequentes os cortes. Também são comuns a perda da visão, pelo descuido com o sol, e da audição, por ficarem sujeitos ao barulho das máquinas por longos períodos de tempo.
Arrisco a dizer, no entanto, que todas estas doenças poderiam ser evitadas, ou na pior das hipóteses, ter um tratamento menos doloroso e mais efetivo. No caso do diabetes e do glaucoma, por exemplo, que podem levar à perda de visão, se houvesse prevenção e o diagnóstico rápido, muitas vezes a perda da visão não seria irreversível.
Em 2005, dados do Ministério da Saúde revelaram que cada R$ 1 real investido em prevenção representava R$ 4 reais a menos de gastos com o tratamento depois, ou seja, a prevenção e a educação são fundamentais.
Mobilizadores COEP – As políticas públicas brasileiras contemplam o homem do campo? Comente. Quais as maiores deficiências?
R.: As políticas econômicas de investimento sim. As ligadas à saúde ainda são quase que inexistentes. Em seis anos de programa social, percebemos que infelizmente as poucas políticas brasileiras de saúde não estão à disposição de todos.
Mobilizadores COEP – Quando e com que objetivo foi criado o Programa Saúde para o Campo?
R.: O programa começou a ser desenvolvido em 2004, no Paraná, através de pesquisas com entidades ligadas ao homem do campo, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e a Secretaria de Saúde e Agricultura do estado. A ideia era criar um projeto social voltado ao homem do campo, mas numa área em que houvesse carência de serviços. Percebemos isso, nitidamente, no que tange à saúde dos agricultores. Posteriormente, fizemos também pesquisas de campo com produtores rurais em outros estados. Foi exatamente um ano de pesquisa, e o lançamento oficial do programa aconteceu em 2005, durante uma feira, em Cascavel (PR).
O objetivo do programa é levar acessibilidade, orientação e prevenção ao produtor rural, melhorando sua qualidade de vida.
Mobilizadores COEP – Em que regiões do país é implementado? Quantos agricultores já foram beneficiados pelo programa?
R.: O programa Saúde para o Campo já beneficiou agricultores dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia. Nesses seis anos de programa, mais de 13 mil agricultores já passaram pela carreta saúde.
Mobilizadores COEP – Como o programa chega aos pequenos produtores? De que forma são mobilizados a participarem da iniciativa?
R.: Temos uma unidade itinerante, uma carreta, equipada como se fosse um ambulatório, que leva informação e atendimento médico a fazendas, cooperativas e eventos do setor do agronegócio, buscando conscientizar o agricultor, seja homem ou mulher, sobre a necessidade da medicina preventiva. Para isso, contamos com a responsabilidade social de empresas privadas. Através da Syngenta, por exemplo, atendemos a pequenos e médios agricultores em feiras agrícolas no Paraná e no Rio Grande do Sul.
A mobilização acontece de forma natural, pois os pequenos produtores observam nessa ação uma rara oportunidade de serem atendidos por profissionais qualificados, em uma estrutura móvel, com todo conforto e respeito.
Nesses seis anos, escutamos frases como: ?É a primeira vez que vou a um oftalmologista ou a um médico?. Principalmente em se tratando de trabalhadores rurais com mais de 40 anos de idade. Sem mencionar a emoção que sentem ao ultrapassar os limites das fazendas, onde passam praticamente toda sua vida.
São poucas as empresas privadas que têm, de fato, uma visão social de retribuição e socialização como a Syngenta. Hoje, estamos em busca de parceiros para efetivar o programa em outros estados e retomarmos as ações nos estados já beneficiados.
Mobilizadores COEP – A equipe do programa é formada por profissionais de que áreas? Todos os exames são gratuitos?
R.: A equipe do Programa Saúde para o Campo gira em torno de 10 a 12 profissionais, entre oftalmologistas, fonoaudiologistas, fisioterapeutas e biomédicos (bioquímicos, com conhecimento em clínica geral). As consultas com oftamologistas, fonos e fisioterapeutas duram, no mínimo, 20 minutos, por isso, no máximo 35 pessoas são atendidas por dia. Já no caso dos exames laboratoriais, como são menos demorados, podemos atender um máximo de 70 pessoas.
Vale ressaltar que as especialidades médicas que atendem no Saúde no Campo, bem como os exames laboratoriais realizados, são predefinidos a partir de pesquisas e dados atuais sobre as necessidades dos agricultores. Como exemplo, podemos citar a colinesterase, que diagnostica a intoxicação sanguínea, e o Gama GT, que verifica enzimas do fígado.
O Saúde no Campo acabou gerando outros programas, focados em outros grupos sociais, como crianças, idosos, caminhoneiros. Cada um destes programas tem especialistas e exames adequados ao grupo alvo a ser atendido. Um destes programas, o Saúde na Praia, já foi realizado no verão passado e é bem possível que seja realizado no próximo verão em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. O Saúde Direito Seu está quase sendo concretizado; aguarda apenas resposta do Governo Federal. Já o Saúde nas Escolas está em fase de estruturação, e o Saúde nas Estradas, que ainda vai entrar em vigor, foi desenvolvido para atender aos caminhoneiros a pedido de uma empresa de pneus.
Todo investimento do projeto é feito por patrocinadores. O Saúde para o Campo atende aos trabalhadores rurais de forma totalmente gratuita.
Mobilizadores COEP – Em 2005, o Saúde para o Campo foi premiado como Projeto Modelo para a Agricultura Brasileira pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Há perspectivas de o programa nortear alguma política pública neste sentido?
R.: A expansão do programa para outros públicos, como crianças, homens, mulheres e idosos, que serão beneficiados através dos programas Saúde Direito Seu e Saúde nas Escolas, tem esse objetivo.
Mobilizadores COEP – De que forma comunidades interessadas em ser atendidas pelo programa podem agir?
R.: Torna-se mais fácil quando se obtém patrocínio, quando se faz parcerias, quando os grupos se juntam, por exemplo em uma cooperativa, e tentam obter patrocínio para que o programa chegue até eles. Ou até mesmo sugerindo a iniciativa a gestores públicos que queiram levar esses programas para suas cidades. Os interessados, também, poderão fazer contato com a coordenação do programa, por meio do nosso site www.saudeparaocampo.com.br/ ou pelo fone: 51- 9688 8385.
Mobilizadores COEP – De que forma o COEP, rede social com atuação em todo o país pode estimular os pequenos produtores das comunidades onde atua a se conscientizarem da importância de cuidar de sua saúde?
R.: Sem dúvida, estimulando a prevenção e incentivando, através de parcerias, que estes trabalhadores rurais tenham acesso ao atendimento e à orientação adequados. Campanhas são válidas sim, mas sem atendimento (AÇÃO) específico, não. É preciso viabilizar o atendimento.Entrevista do Grupo Promoção da SaúdeConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo