Projeto inovador de recuperação e revitalização de nascentes de água no Paraná – Água é Vida – é exemplo de que, com a união de esforços de produtores rurais e da comunidade e com poucos recursos, é possível alcançar muitos resultados positivos. Nesta entrevista, o secretário executivo da Associação da Juventude Defensora da Natureza de Matelândia (Adenam), Otoniel Barboza Garcez Junior, explica como nasceu o projeto, seu funcionamento, e como esta tecnologia social pode ser implantada e difundida para todo o Brasil. Mobilizadores COEP – O que é o Projeto ?Água é Vida?? Como surgiu e como funciona? R.: O projeto ?Água é Vida? é uma tecnologia social desenvolvida pela Associação da Juventude Defensora da Natureza de Matelândia (Adenam), ONG que foi criada, em 1989, por professores e alunos do Colégio Estadual Euclides da Cunha, no município de Matelândia, no Paraná, com o intuito de sensibilizar a comunidade sobre as questões relacionadas à degradação do meio ambiente.Este projeto é desenvolvido com a finalidade de revitalizar as nascentes de água assoreadas ou degradadas, localizadas nas propriedades de pequenos produtores rurais, bem como de recuperar a mata ciliar. O método consiste em limpar o entorno da nascente manualmente, colocando-se pedras e, em seguida, instalando-se canos. A cabeceira é vedada com uma mistura feita com solo, cimento e água. As pedras têm o objetivo de filtrar a água. Os canos, de várias espessuras, servem para permitir o escoamento da água. Em seguida, é feito o plantio de vegetação ciliar nativa, num raio de 50 metros em torno da nascente. A partir disso, o ponto é isolado para evitar a contaminação por produtos orgânicos ou animais. O trabalho é realizado por voluntários da ONG, sem onerar o agricultor beneficiado. Na execução do projeto são convidados todos os vizinhos da propriedade para vir aprender a técnica, ampliando a rede multiplicadora da tecnologia social. A Adenam estima que, desde 1989, mais de 5 mil nascentes já foram recuperadas.Em 2007, o projeto ?Água é Vida? foi um dos finalistas do Prêmio Fundação Banco do Brasil (FBB), e a partir daí passou a ser reconhecido como tecnologia social, fazendo parte do Banco de Tecnologia Social da FBB.
Mobilizadores COEP – O que motivou a implantação do projeto? R.: Devido à mecanização agrícola intensiva presenciada na microrregião oeste do estado do Paraná, a partir da década de 80, as nascentes de água têm sofrido um processo conhecido como assoreamento, onde olhos d?água potável, que sustentavam famílias ou que eram inícios de riachos e afluentes de rios, foram assoreadas e muitos até desapareceram. A vegetação que margeia rios e lagos, conhecida como mata ciliar, que é essencial para a preservação destas nascentes, foi, na maioria dos casos, drasticamente reduzida e até mesmo eliminada em certos locais, provocando o desaparecimento de inúmeras nascentes, deixando famílias e animais, residentes na zona rural, sem o fornecimento de água potável que já fora tão abundante nessa região. Num primeiro momento, o projeto visava à saúde dos agricultores. Em 1996, representantes das associações de moradores do interior do município, juntamente com o Conselho Municipal de Saúde, promoveram um debate sobre o alto índice de verminose da população rural. O agricultor Pedro Josino Diesel, que na época era presidente da comunidade do Cruzeirinho e membro do conselho, sugeriu que o problema estava sendo causado pelo consumo da água vinda das nascentes, fato que foi confirmado pelo então secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Anacleto Perondi, que estava presente na reunião. Ele confirmou que mais de 90% das nascentes de água estavam contaminadas com coliformes fecais.Mas no desenrolar das atividades, percebeu-se que os benefícios do projeto não estavam relacionados somente à saúde ou ao saneamento básico, mas também à conservação do meio ambiente, à geração de renda. Além dos benefícios para a própria natureza, como a melhoria da vazão e qualidade da água, as pequenas propriedades rurais se beneficiam de diversas formas, como na irrigação de hortaliças, por exemplo.Após o debate sobre a problemática, as lideranças envolvidas tomaram a iniciativa de buscar uma solução para o problema exposto e entraram em contato com as equipes técnicas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), que passaram as primeiras orientações para recuperação de nascentes, utilizando solo e cimento. O agricultor Pedro Diesel foi um dos que ajudou a desenvolver a tecnologia social e recuperou a primeira nascente do projeto na sua comunidade, com o apoio da Adenam, com plantio de mata ciliar, iniciando, assim, as ações com o intuito de melhorar o abastecimento e a qualidade da água dos produtores rurais. A partir daí, Pedro Diesel passou a fazer parte da ONG, como coordenador operacional do projeto. Nascia então o projeto ?Água é Vida?.
Mobilizadores COEP – Quais os principais problemas observados durante a fase inicial de implantação do projeto? Como eles foram solucionados?R.: Em sua fase inicial, o projeto apresentou dois problemas. Um deles foi que nas primeiras nascentes, a vedação com solo e cimento era feita com a água que era armazenada até chegar a altura dos canos que ficam a aproximadamente 50 cm do chão. E isso era um grande problema, pois, devido à pressão da água armazenada, era preciso fazer muitas manobras para conseguirmos desempenhar o trabalho com sucesso, caso contrário, a água levava toda a massa (mistura) que tinha sido colocada há pouco tempo. A solução encontrada foi a utilização de um cano de 100 mm com tampão, colocado na base da nascente. Esse cano sem o tampão libera a passagem da água e, se for colocado somente após a cura da mistura (solo, cimento e água), facilita muito o trabalho. Com essa alteração, criou-se também um mecanismo para limpeza da nascente, possibilitando sua lavagem, sempre que o tampão é retirado. Outro problema observado foi que, devido ao assoreamento, num mesmo local existiam várias nascentes de água muito próximas umas das outras. Dessa forma, seria necessário fazer uma recuperação em cada local que vertia água, dificultando a captação para o produtor, já que a água saía de vários locais. A solução adotada foi a abertura de valetas com aproximadamente um metro de profundidade, para colocação de pedras, e depois a cobertura com lonas plásticas, formando drenos convergentes para um ponto único, concentrando todas os veios d?água num só local. Com esta adaptação, houve uma melhora significativa, facilitando a captação e o tratamento, e por conseqüência, o desaparecimento de vários pontos de água próximos, gerando economia e eficiência na tecnologia aplicada.
Mobilizadores COEP – De que forma se dá a participação do produtor rural neste processo de recuperação de nascentes? Quem mais participa?R.: A participação do produtor e sua família se dá através da aquisição dos materiais necessários (quando ele tem condições) e na ajuda com o trabalho braçal, como cavar valas, peneirar a terra. Os produtores também colaboram com uma das primeiras providências ambientais tomadas, que é a limpeza da nascente, com o recolhimento de entulho, lixo e outros materiais nas imediações e, posteriormente, o plantio da mata ciliar.Para a execução do projeto, orientamos o produtor a convidar todos os vizinhos da sua propriedade, para que, juntos, possam aprender a técnica, ampliando a rede multiplicadora da tecnologia social. É de responsabilidade do produtor beneficiado a manutenção periódica do local e a conservação de árvores no entorno da nascente e às margens do seu leito.
Mobilizadores COEP – Quais os principais resultados obtidos e os impactos na organização comunitária alvo do projeto?R.: É necessário considerar que a água potável é essencial para as diferentes formas de vida, inclusive para seres vivos do meio rural. Resumidamente, estimamos que com a aplicação e a reaplicação desta tecnologia, mais de 5 mil famílias de pequenas propriedades já foram atendidas com uma fonte de água potável para seu consumo direto e também para a manutenção de suas atividades agrícolas.Neste sentido, afirmamos que especialmente para o agricultor familiar, mais do que qualquer outra categoria, a água potável vinda das nascentes adquire um caráter de extrema importância, pois garante a qualidade de vida da família, já que um percentual elevado destes produtores reside no meio rural e não tem acesso ao saneamento básico. A tecnologia ainda viabiliza o aumento dos ganhos através de atividades típicas da agricultura familiar, tais como irrigação de hortaliças, a bovinocultura de leite, a piscicultura e a produção de animais como aves e suínos.Outros impactos positivos extremamente importantes são os ambientais e econômicos. As águas das nascentes dos rios ao nosso entorno estão sendo recuperadas a pleno vapor. As nascentes do lado norte da cidade entram num rio chamado Barreirão, seguem para o Rio Ocoí e deságuam no Lago de Itaipu, que movimenta as turbinas da Hidrelétrica Itaipu que, somente em 2010, gerou 16% de toda energia consumida no Brasil e 72% da utilizada no Paraguai. As nascentes recuperadas no lado sul da cidade entram no Rio Silva, que deságua no Rio Iguaçu, contribuindo para um dos maiores espetáculos da natureza, chamada de Cataratas do Iguaçu – ponto turístico que atingiu a marca de 1.265.765 visitantes em 2010, segundo dados da Itaipu Binacional.Estamos conscientes de que nosso trabalho é tipo formiguinha. Mas temos a plena certeza que, através do Projeto ?Água é Vida?, a Adenam está contribuindo não só para a melhoria da saúde e qualidade vida da população rural, mas também para a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico do nosso País. Mobilizadores COEP – Existe interseção do projeto com alguma política pública? Em caso positivo, como isso acontece?R.: A interseção do projeto com as políticas públicas acontece sim, mas pelo esforço próprio da ONG, pois não recebemos subvenção ou patrocínio de nenhuma espécie, tornando o trabalho extremamente difícil. A única colaboração que a ONG recebe da Prefeitura, são as mudas de árvores nativas disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, utilizadas na recomposição da mata ciliar Mas, nem por isso, deixamos de interagir com a sociedade, aproveitando sempre as datas especiais como Dia Mundial da Água, Dia Mundial do Meio Ambiente para promover palestras nas escolas da rede municipal e estadual, faculdades, Câmara de Vereadores, sempre com foco nas questões ambientais, principalmente no que diz respeito à conservação da água potável. Mobilizadores COEP – Já existem casos de replicação da tecnologia em outras localidades? Pode citar exemplos?R.: Este projeto vem sendo aplicado por famílias de diversas regiões e diferentes padrões socioeconômicos. É uma tecnologia barata, cujos principais insumos são canos de PVC, lona plástica e cimento, complementados com materiais encontrados no próprio terreno onde é implantada.Estimamos que já passam de 5 mil as nascentes recuperadas desde o início do projeto, com aplicação e reaplicação dessa tecnologia, implantada em várias cidades de nossa região como: Medianeira, Céu Azul, Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Cascavel, e também nos estados do Mato Grosso do Sul, Alagoas, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso, além de Santa Rosa, no Paraguai. Revela-se, portanto, uma boa alternativa para famílias de agricultores de baixa renda que experimentam problemas semelhantes aos vivenciados pelas comunidades rurais de nosso imenso Brasil.
Mobilizadores COEP – De que forma é feita a manutenção das atividades pelas famílias beneficiadas? Quais ações são desenvolvidas para assegurar a sustentabilidade técnica e operacional do projeto?R.: Uma vez recuperada uma nascente, sua manutenção é feita pela própria família beneficiada, através das instruções repassadas pelos voluntários da ONG. Nos primeiros seis meses, os coordenadores continuam visitando a nascente, acompanhando para identificar possíveis problemas ou necessidade de alterações nas iniciativas para sua recuperação, ou simplesmente para observação dos impactos desta nascente sobre o meio ambiente do local. A partir disto, não havendo necessidade e a família beneficiada estando apta a preservar a sua própria mina, os membros da ONG passam a visitá-la eventualmente ou quando solicitado.Quanto aos materiais utilizados, se o agricultor não tiver condições de comprar, é feita uma arrecadação no comércio da cidade ou até mesmo com os membros da ONG, como já aconteceu várias vezes. Outra medida interessante tomada é que procuramos, sempre que possível, envolver autoridades ambientais e políticas na participação ?in loco? no projeto, para que possam sempre estar a par do trabalho realizado, garantindo total transparência as nossas ações e captando apoios institucionais importantes para o bom andamento dos trabalhos. Quanto à sustentabilidade operacional, Pedro Diesel, coordenador operacional da tecnologia social, arrendou seu sítio para se dedicar integralmente à recuperação de nascentes e passou a prestar consultoria para cooperativas de agricultores e prefeituras, disseminando a metodologia para vários estados e até para alguns municípios do Paraguai. Ele dedica parte do seu tempo ao Projeto ?Água é Vida?, de forma voluntária, assim como também os demais membros da ONG. Os trabalhos geralmente são realizados nos finais de semana ou feriados.
Mobilizadores COEP – Quais os principais desafios para os próximos anos?R.: O nosso grande desafio com relação ao projeto para 2011 e 2012 é o de transformá-lo num produto, ou seja, queremos disponibilizar essa tecnologia social a todos os interessados no formato de um kit, contendo os materiais utilizados e o manual de instrução, de uma maneira que possibilite assegurarmos o baixo custo, a fácil aquisição e aplicação, objetivando atender as pessoas de Norte a Sul do Brasil.Para isso, contamos com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O Projeto ?Água é Vida? foi classificado em primeiro lugar na categoria Tecnologia Social, do Prêmio Finep 2010 Região Sul, sendo contemplado com uma subvenção de até R$ 500 mil, disponibilizados para aplicação na inovação da tecnologia. Esta é a primeira vez na história da instituição que teremos subvenção.
Mobilizadores COEP ? Quais outras premiações o projeto já recebeu e o que isso representou para os envolvidos nas ações?R.: O projeto ?Água é vida? recebeu quatro premiações no ano de 2010. Em agosto, foi classificado como um dos finalistas da Região Sul, no 2º Concurso Aprender e Ensinar Tecnologias Sociais, promovido pela Revista Fórum e Fundação Banco do Brasil, que premiou professores que difundem essas tecnologias. No nosso caso, foi premiado o professor Carlos Antonio Caon, que é o atual presidente da Adenam. Em outubro, o projeto foi classificado na categoria ?Melhor trabalho em água?, no 5º Prêmio Brasil de Meio Ambiente, que é promovido pela Casa Brasil e Jornal do Brasil, com o Patrocínio da Petrobras e Estruturação Técnica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), através da Diretoria de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), evento que divulga as iniciativas que mais se destacaram no país no campo empresarial, governamental, científico e das ONGs, que conciliam atividades produtivas com proteção ambiental.Em novembro, o projeto foi classificado em 1º lugar na categoria Tecnologia Social no 11º Prêmio Finep, na etapa Região Sul. Em dezembro, foi um dos finalistas do Prêmio ANA 2010 na Categoria ONG. Está é uma iniciativa bienal promovida pela Agência Nacional de Águas (ANA) e patrocinada pela Caixa Econômica Federal, que visa o reconhecimento de ações de uso sustentável e racional da água, e, especialmente nessa edição, a comemoração dos dez anos de criação da Agência.Mobilizadores COEP – Na sua opinião, quais os benefícios que o projeto trouxe e pode trazer a médio e longo prazos para o meio ambiente e quais as expectativas para o ano de 2011?R.: Na minha opinião, os benefícios são incalculáveis, pois quando falamos de água, estamos tratando de algo que é a essência da vida. Sabemos que o debate sobre o assunto ?água potável? está em alta, e temos visto vários discursos sobre a escassez da água potável, poluição do lençol freático, poluição dos rios pela falta de saneamento básico e da coleta seletiva do lixo. No entanto, vemos muito discurso e pouca ação. Nós da Adenam, mesmo com todas as dificuldades encontradas, que não são poucas, procuramos fazer a nossa parte, falando menos e agindo mais, pois é muito gratificante e extremamente prazeroso ver a alegria das pessoas contempladas com os benefícios trazidos por esta tecnologia social. Isto é o que nos motiva a levar o projeto adiante.Nossa estratégia para o ano de 2010 foi a de proporcionar visibilidade ao projeto, o que aconteceu com as premiações já citadas. Para 2011, nossa meta é buscar parceria com uma Instituição Científica Tecnológica, para juntos implantarmos um sistema de registro e gerenciamento dos impactos: social, econômico e ambiental do projeto. Temos como meta, também para 2011, disponibilizar uma equipe de pessoas contratadas, para que trabalhem integralmente na aplicação da tecnologia social, porque os pedidos são muitos e não damos conta. Mas, para que isso aconteça, precisamos viabilizar os recursos financeiros, que é a parte mais difícil.Estamos nos preparando para lançar em breve o site da instituição, onde todos poderão conferir as ações, facilitando assim, a comunicação com o público interessado. —————-Entrevista para o Grupo Mobilização Social: Direitos, Participação e CidadaniaConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araujo.