Leonora Michelin Laboissière Mol, presidente da Associação Ateliê de Idéias, que reúne oito comunidades de baixa renda de Vitória (ES), fomentando a participação democrática, a criação de empreendimentos produtivos solidários e o crédito comunitário, traça um histórico do surgimento e consolidação da Associação e explica o trabalho que é desenvolvido atualmente.
Mobilizadores COEP – O que é e quais são os objetivos da Associação Ateliê de Idéias – Artidéias?
R. A Associação surgiu de uma atitude empreendedora e espontânea de um grupo de mulheres das comunidades capixabas de São Benedito, Bairro da Penha e Itararé, atuante em um pequeno negócio cooperativo na área de artesanato (confecção de roupas e acessórios). Hoje, atuamos como uma organização de fomento de mecanismos sociais de participação democrática e cidadania e de empreendimentos produtivos. Nossa missão é desenvolver soluções criativas, mobilizando e potencializando vocações locais, para gerar o desenvolvimento das comunidades atendidas. Identificamos boas idéias junto com a população local e buscamos meios de praticá-las como soluções eficazes para os problemas diagnosticados. Neste sentido, incentivamos a população a se organizar para que conduza o seu desenvolvimento, incremente a economia local e incida em políticas públicas determinando os rumos da governança local.Temos uma equipe de treze pessoas contratadas e cinco voluntários e atuamos em uma região onde moram pessoas em situação de vulnerabilidades econômicas, sociais, culturais e educacionais. Esta região hoje começa a ser denominada, por escolha dos moradores e moradoras, de Território do Bem. Este território é composto por oito comunidades de Vitória: São Benedito, Bairro da Penha, Itararé, Consolação, Jaburu, Floresta, Bonfim e Engenharia. As comunidades foram constituídas, aproximadamente, há 40 anos, por meio de invasões em um morro de Vitória. Trata-se de uma área de encostas íngremes, de difícil acesso em vários pontos, num local onde a desigualdade social é claramente visualizada. De um lado, avista-se do alto a linda ilha de Vitória com suas belíssimas construções beira-mar. Do lado do morro, encontram-se barracos e construções pobres em situações muito precárias. A população é de aproximadamente 31 mil habitantes, ou seja, 10% dos habitantes do município de Vitória.
Mobilizadores COEP ? Que tipo de serviços são oferecidos pela Associação Ateliê de Idéias?
R. Oferecemos crédito comunitário, assistência técnica para aumento da produtividade e para construção e melhoria de moradias, formação profissional, assessoria a lideranças, entre outros, por meio da seguinte estrutura operacional:
Núcleos
PROGRAMAS
Desenvolvimento Comunitário
Assessoria à Comunidade
Fomento e assessoria a empreendimentos solidários – Bem Incubar
Moradia ? Bem Morar
Finanças Solidárias
Banco Bem ? Banco Comunitário de Desenvolvimento
Formação
Escola de Economia Solidária ? Bem Aprender
Mobilizadores COEP – Quantos e quais grupos de empreendimentos econômicos solidários já foram incubados até hoje e quais são as fases do processo de incubação?
R. O Bem Incubar – programa de incubação e assessoria aos empreendimentos – juntamente com o Bem Aprender – programa de formação, com a filosofia da Economia Solidária – permitem o apoio integral aos cinco empreendimentos já existentes e pensam o apoio ao desenvolvimento de novos, em função da observação das demandas da comunidade e da disponibilidade de talentos, recursos e vocações. Como produto do crescimento do número de empreendimentos, assim como da expansão do volume de negócios assessorados e fomentados pela Associação Ateliê de Idéias, foi criada, em 2007, a Cooperativa do Bem ? CoopBem, que é composta pelos grupos: Bem Arte e Moda, que atua na área do artesanato; Bem Nutrir, no setor de culinária; Bem Arte e Madeira, no ramos da marcenaria; Bem Limpar, que fabrica produtos de limpeza e vassoura de garrafa PET; Bem Construir, uma fábrica de tijolos ecológicos; e Bem Decorar, de pisos e objetos em mosaico.Mobilizadores COEP – Que necessidades levam os grupos à criação de um empreendimento solidário e o que ele precisa para ser bem sucedido? O que vocês apontam como as principais dificuldades relacionadas à incubação e sustentabilidade de um empreendimento deste tipo?
R. Depois que conseguiu seus primeiros ganhos mais expressivos, o grupo de mulheres que deu início à Associação optou por realizar um empréstimo para outros dois pequenos empreendimentos: um de marcenaria e outro de culinária. O estímulo dos grupos já existentes, o conhecimento de outras possibilidade e técnicas, assim como doações e patrocínios fizeram surgir a fábrica de tijolos e o grupo da decoração.A experiência de empréstimo e o conhecimento de uma experiência bem sucedida em Fortaleza (Ceará) deram origem ao Banco Bem – um banco comunitário de desenvolvimento no sistema da economia solidária. O banco oferece à população crédito produtivo, habitacional e de consumo e serviços financeiros para os empreendimentos já existentes e para outros pequenos negócios na comunidade, visando contribuir para elevar a produtividade de pequenos comerciantes e produtores, além de oportunidades de crédito para consumidores, na perspectiva de criação de uma rede de produtores e consumidores em prol do desenvolvimento local. No meu ponto de vista, as principais dificuldades para a incubação é a identificação dos talentos e das necessidades locais, pois em uma comunidade é preciso estimular as pessoas a gerarem trabalho e renda, tendo em vista o apoio ao desenvolvimento local.Quanto à fase da sustentabilidade dos empreendimentos, costumamos dizer que para alcançá-la os grupos passam pela fase da assistência e da sobrevivência. E o maior desafio enfrentado é a vivência da experiência da autogestão. É um processo longo e de enfrentamento de problemas relacionais e de gestão.Mobilizadores COEP – O que aponta como os principais resultados obtidos por esses empreendimentos?
R. Enxergo como principal resultado da formação dos empreendimentos o estímulo ao desenvolvimento comunitário e a mobilização gerada na região do Território do Bem. Para as 30 pessoas integrantes dos grupos econômicos solidários destaco a geração de renda e o crescimento pessoal. Mas, o principal resultado, ainda não atingido por alguns, mas que perpassa todas as ações do Ateliê de Idéias, é a mudança de valores, pois muitos passaram a ter como filosofia de vida a Economia Solidária e, em especial, o respeito a si próprio, ao outro e à natureza.
Mobilizadores COEP – No processo de acompanhamento dos empreendimentos, vocês realizam diversas capacitações para os integrantes dos grupos e apontam como um resultado positivo a posterior inclusão de algumas destas pessoas no mercado tradicional de trabalho. Os empreendimentos não podem ser uma fonte permanente de ocupação, trabalho e renda para essas pessoas? A que atribui a saída de alguns integrantes para o mercado formal de trabalho?
R. O objetivo da Associação não é a integração das pessoas no mercado tradicional do trabalho. Buscamos a mobilização comunitária para promover a economia local e o desenvolvimento da comunidade. É lógico que os empreendimentos podem se tornar fonte permanente de ocupação, trabalho e renda e, além disto, estimularem a criação de outros na perspectiva da criação de uma rede de produtores e consumidores locais. É fato que muitas vezes os integrantes dos empreendimentos conseguem colocação no mercado formal de trabalho, na maioria das vezes pelo processo de formação pelo qual passaram e que possibilita uma transformação visível na forma de ser dos envolvidos, mas isto é uma opção pessoal. Há alguns também que optam pelo mercado de trabalho por não terem se adaptado ao processo da autogestão, que é repleto de desafios e tem um tempo longo de maturação.
Mobilizadores COEP – O Ateliê de Idéias discute suas intervenções de forma coletiva e participativa com os moradores das comunidades, representados no Fórum Bem Maior. O que gerou a criação deste fórum e qual seu objetivo? Quais os outros integrantes do fórum?
R. O Ateliê de Idéias vem desenvolvendo nos últimos anos diversas estratégias no intuito de envolver o maior número de moradores possível. Tem como valor a representatividade desses segmentos sociais nos espaços locais de governança através da gestão participativa e democrática de programas que em longo prazo estruturem os modelos locais de produção e acesso a bens e serviços. A proposta da Associação é que a comunidade tenha controle social sobre a oferta diversificada ? incentivando, trazendo demandas e fiscalizando. O Ateliê de Idéias atua como uma organização de fomento ao desenvolvimento local, preparando e capacitando atores estratégicos para atuarem como representantes das demandas e dos interesses da comunidade. O maior exemplo de resultado conquistado pela atuação do Ateliê de Idéias nesse sentido foi a formação e consolidação do Fórum Bem Maior ? um espaço de governança endógeno, onde representantes das comunidades das oito comunidades podem discutir problemas e pensar em estratégias comuns para o desenvolvimento de toda a região. O Ateliê de Idéias tem atuado como assessor em todo o processo de manutenção e ampliação deste fórum. Hoje, o Fórum Bem Maior conta com 50 lideranças locais, que já tomaram decisões conjuntas tais como: – discussão de uma política habitacional para solução de um dos problemas mais graves da comunidade: a falta de dignidade e a insalubridade de grande parte das moradias do morro. Esta demanda nos fez criar um programa habitacional que inclui formação de empreendimentos que fabriquem produtos com tecnologia limpa para a construção de casas; crédito habitacional; assistência técnica para a construção de moradias; formação de profissionais da área da construção civil; e construção de casas com tijolos ecológicos, aquecedor solar de baixo custo e piso artesanal;- fortalecimento do controle social para manutenção do Banco Bem, assim como criação dos critérios para o funcionamento do banco; – criação de um projeto ambiental chamado Ecos do Bem, com a inclusão de uma associação de catadores de material reciclável da região;- uma pesquisa de saberes e potencialidades, já realizada pelo Ateliê, e que gerou a estruturação de um planejamento estratégico comunitário chamado Plano Bem Maior 2018;- um pré-vestibular popular, o Pré-Vest do Bem, já fomentado pelo Ateliê de Idéias e que atendeu em 2008 sua primeira turma de 50 jovens e adultos; – busca de parcerias juntamente com a equipe do Ateliê para a criação de um jornal comunitário. Já conseguimos estruturar a formação de 20 pessoas em uma Oficina de Comunicação comunitária para colocar em prática a elaboração do jornal;- resgate da memória, da multiculturalidade e da diversidade do Território do Bem, assim como sua divulgação. Neste sentido, o Ateliê de Idéias propôs a implantação e o fortalecimento do projeto Nossa História, Nosso Bem, iniciado em 2009.O Fórum Bem Maior tem não só um papel decisivo na organização do planejamento do desenvolvimento local, mas atua também como conselho consultivo da Associação Ateliê de Idéias, que sempre submete, através deste Fórum, suas idéias e suas realizações à comunidade.A visão do Ateliê de Idéias é deixar de existir ao encerrar a demanda que lhe dá origem, ampliando a capacidade de as próprias comunidades gerirem os serviços que hoje são oferecidos pela Associação.
Entrevista concedida à: Danielle BittencourtEdição: Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.