Despertar os jovens para a cultura e a vida nas favelas cariocas, e entender o conceito de território buscando um olhar crítico é o objetivo do projeto Redes e Agentes Culturais das Favelas Cariocas. Idealizado pelo Observatório das Favelas, o curso pretende investir na produção cultural e na pesquisa social para capacitar e revelar jovens de cinco favelas cariocas – Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Complexo da Penha, Manguinhos e Rocinha.Com o desafio de trabalhar a integração entre os diversos territórios da cidade e revelar as expressões culturais presentes em cada uma dessas comunidades, a formação pretende ser bem mais abrangente do que um simples curso de capacitação.Para o antropólogo e coordenador do projeto, Caio Gonçalves, a produção cultural e a pesquisa social são complementares, por isso mesmo a metodologia do curso será construída a partir da troca de informações culturais presentes em todos os territórios da cidade ? desde os espaços consagrados, como museus e centros culturais, até o jovem que produz pipas na sua comunidade. Nesta entrevista, ele fala sobre o projeto e qual a importância que essa reflexão sobre a cultura traz para a sociedade.
Mobilizadores Coep – O que é o Projeto Redes e Agentes Culturais das Favelas Cariocas? Qual é seu objetivo?R.: O projetovisa formar jovens em produção cultural e pesquisa social, em cinco favelas do Rio e busca trazer o foco para o jovem, para sua criatividade, capacidade de articulação e mobilização. A intenção é apoiar o desenvolvimento de ações no campo da cultura, que venham ampliar o reconhecimento do papel das favelas na construção da identidade da cidade. Os promotores do projeto entendem que a produção cultural e a pesquisa social são complementares e, por isso, construíram uma metodologia que pesquisa as práticas culturais existentes nas favelas, a identificação dessas práticas e, a partir delas, os instrumentos necessários para os jovens se articularem. O projeto priorizará o fortalecimento de expressões culturais já existentes nos territórios das favelas, oferecendo aos jovens agentes culturais condições – através do conhecimento de técnicas de produção – para que explorem ainda mais suas capacidades criativas e articulem ações empreendedoras.
Mobilizadores Coep – Quais as favelas envolvidas no projeto e quem pode participar?R.: São cinco favelas envolvidas – Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Complexo da Penha, Manguinhos e Rocinha. Jovens entre 15 e 29 anos puderam se inscrever e agora estamos em processo seletivo, que vai definir quais os 100 participantes, sendo 20 em cada favela. A seleção leva em conta se o jovem já tem um envolvimento cultural dentro do seu território. Ao final do curso, que tem duração de dez meses, os jovens serão certificados pela UFRJ como concluintes de um curso de extensão em produção cultural e em pesquisa social.Mobilizadores Coep – Como será trabalhado o conceito de cultura e qual seu significado para os moradores das favelas?R.: O Projeto Redes e Agentes Culturais das Favelas Cariocas não se propõe a ser apenas um curso. A gente o entende como uma formação que vai dialogar muito com os espaços culturais existentes na cidade. O nosso desafio inicial é que os jovens transitem entre as favelas participantes para olhar a cidade e entender o seu território, a partir do olhar crítico sobre outros territórios. Vamos levar os jovens para campo, visitar centros culturais, assistir a peças de teatro, exposições, enfim, fazê-los participar de diversas outras manifestações culturais. Este conceito de cultura vai ser construído junto com eles.É uma espécie de mapa dos hábitos e das práticas culturais dos moradores das favelas e o significado disso está no olhar para dentro, no entender ?quem eu sou e como vou me posicionar perante o mundo?.
Mobilizadores Coep – Que tipo de expressões existentes nas favelas hoje não costumam ser reconhecidas como culturais e poderiam ser?R.: As expressões culturais existentes nas favelas são muitas: é o cara que dança, o outro que canta, o que participa de um grupo teatral, o grafiteiro, tem aquele que faz pipa. Muitos não sabem identificar essa prática como sendo cultural e é isso que o projeto se propõe: a uma investigação dos hábitos e costumes presentes nas favelas e que podem ser considerados culturais.
Mobilizadores Coep – O projeto se propõe a criar mecanismos de integração entre os diversos territórios da cidade? Como isso seria possível e qual a importância deste diálogo?R.: Nosso desafio inicial é justamente esse: que os jovens transitem em outros espaços da cidade e possam ser capazes de criar mecanismos de integração entre eles. Não é que, necessariamente, eles precisem formar parcerias, mas a ideia é justamente entender que isso é possível. Ou seja, posso estabelecer uma relação de integração desde o momento em que eu sei que existem pessoas em diferentes lugares fazendo e pensando projetos relacionados. Tomar conhecimento dos hábitos culturais de outros territórios é uma forma de se relacionar com eles.Mobilizadores Coep – Qual é o objetivo do curso de pesquisa social que será ministrado aos jovens?R.: Além das intervenções culturais criadas e executadas pelos jovens a partir do processo de formação, o projeto também prevê um curso de pesquisa social onde os participantes aprenderão a mapear os hábitos e práticas culturais dos moradores das cinco favelas. O processo da pesquisa social será construído pelos jovens. São eles os protagonistas e executores dessa pesquisa. Durante esse processo, a gente entende que estes jovens estarão construindo a identidade de seu território.
Mobilizadores Coep – O que é a Plataforma de Direitos Culturais no Território (PDCT) que será construída a partir do curso e qual seu objetivo?R.: A Plataforma será um grande banco de dados feito através dos levantamentos e da pesquisa social. Posteriormente, todo esse material vai ser disponibilizado na internet e também na publicação final do projeto, que terá por objetivo orientar a formulação de ações em cultura, por agentes públicos e privados, nas favelas contempladas. A ideia é que produtores culturais e possíveis patrocinadores utilizem o banco também como fonte de levantamento de dados.Mobilizadores Coep – Qual a importância de projetos como esse para a formação da identidade da cidade e dos jovens moradores das favelas? O que pode mudar a partir de uma reflexão sobre a própria cultura?R.: A gente espera que o projeto consiga atuar como potencializador de uma geração de jovens moradores das favelas. Queremos que o jovem seja capaz de expandir suas práticas, que ele consiga ter um crescimento pessoal e profissional a partir desta intervenção cultural e social. O impacto gerado pode ajudar a trabalhar a posição da favela no imaginário coletivo da cidade. Mobilizadores Coep – De que maneira a experiência do projeto poderá ser aproveitada pela cidade do Rio de Janeiro e por outras localidades? R.: A gente espera que o projeto tenha um impacto positivo na geração de políticas públicas não só no Rio de Janeiro, como também no Brasil. A exemplo do que já acontece em nível global, onde a Unesco, a ONU e diversos outros organismos internacionais já trabalham para o fortalecimento de políticas voltadas para o empoderamento dos jovens, que fazem parte de uma geração atuante e crítica.Neste contexto, o projeto pretende legar para a cidade uma metodologia de mobilização social que visa produzir conhecimento e experiência nos territórios, através da cultura. Com a formação a meta é oferecer uma educação complementar em que os jovens não apenas reproduzam, mas entendam as necessidades locais. O grande legado, entretanto, é registrar e potencializar expressões existentes nas favelas, nem sempre reconhecidas como práticas culturais.Mobilizadores Coep – Dentro do contexto atual das favelas cariocas, quais são as maiores dificuldades dos jovens? De que maneira a cultura pode auxiliar na solução desses problemas?R.: As favelas estão inseridas num contexto de descaso e esquecimento do poder público, no qual serviços básicos essenciais não chegam para a maior parte dos moradores. Assim como em outros espaços, temos diversas dificuldades não só com relação à violência; mas por outro lado, temos manifestações sociais e culturais que existem nas favelas e que podem sim se tornar expressões culturais de relevância para a solução de problemas do cotidiano. Um grupo de teatro pode canalizar jovens talentosos para o foco cultural, fazendo com que ele consiga superar estes desafios e se projetar.
Mobilizadores Coep – Qual a importância de se investir no potencial dos jovens, seja na favela ou em qualquer comunidade, na cidade ou no campo? Eles têm um potencial maior de se tornarem mobilizadores sociais?R.: O Redes é um projeto voltado não só para produção na área cultural, mas também para a memória, reflexão e formação de novos talentos, técnicos e públicos para a cultura. Ele estimula o protagonismo de jovens em suas comunidades, bem como a articulação deles em redes. O trabalho com os jovens é importante e interessante, pois eles são atores sociais expressivos num cenário contemporâneo e podem ajudar a transformar a sua realidade.—————-Entrevista para o Grupo de Mobilização Social: Direitos, Participação e CidadaniaConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araujo.