Nesta entrevista, Reginaldo Paes, gerente local do Escritório de negócios de Petrolina da Embrapa, fala a respeito do projeto ?Semente Crioula: soberania alimentar na caatinga?, implementado pela empresa, desde 2009, em cinco comunidades quilombolas em Pernambuco.
A iniciativa espera promover a inclusão social das comunidades quilombolas por meio da melhoria alimentar, enfatizando ainda a geração de emprego e renda. As comunidades são capacitadas para gerir seus sistemas locais de alimentação, de forma sustentável.
Mobilizadores COEP – O que são sementes crioulas?
R.: Sementes crioulas são aquelas utilizadas por comunidades tradicionais nas suas lavouras, com características peculiares como uniformidade e pureza, por não terem sofrido modificações genéticas como, por exemplo, a transgenia [desenvolvimento de organismos que contêm materiais genéticos de outros organismos, visando obter características novas ou melhoradas em relação ao organismo original] ou melhoramento genético.
A lei 10.711 de 03 de agosto de 2003 define como semente crioula: ?variedade desenvolvida, adaptada ou produzida por agricultores familiares, assentados da reforma agrária ou indígenas, com características fenotípicas [que descrevem as características de um organismo baseadas nas semelhanças ou diferenças que apresentam] bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades e que – a critério do MAPA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], considerados também os descritores socioculturais e ambientais – não se caracterizem como substancialmente semelhantes às cultivares comerciais.?
Mobilizadores COEP – Qual o objetivo do projeto? Quando começou a ser implementado?
R.: O objetivo do projeto é contribuir para a promoção da soberania alimentar de comunidades quilombolas por meio da construção e gestão de um sistema local de segurança alimentar e nutricional. A ideia é resgatar e enriquecer o acervo de espécies cultivadas, consumidas e comercializadas por estas comunidades. O projeto teve início em abril de 2009 e está na fase de construção e implantação dos bancos de sementes nas cinco comunidades envolvidas.
Mobilizadores COEP – Quantas comunidades participam do projeto? Em que região do país? Qual a realidade socioeconômica destas comunidades quilombolas?
R.: Participam do projeto cinco comunidades: Conceição das Crioulas, Santana e Contendas, no município de Salgueiro; comunidade de Jatobá, em Cabrobó; e a comunidade Sítio Feijão, em Mirandiba, todas no estado de Pernambuco, e que fazem parte do Submédio São Francisco [que abrange áreas dos estados de Pernambuco e Bahia] e do Semiárido brasileiro.
As comunidades têm restrições de acesso à água, impostas pelas condições ambientais da região [clima tipicamente semiárido, com escassez de chuvas e vegetação predominante da caatinga], têm baixa produtividade, pois, mesmo os materiais tradicionais estão passando por um processo de degradação genética, que acontece em virtude de as sementes se misturarem com várias cultivares, inclusive pelo fato de os agricultores não respeitarem o isolamento de plantio entre elas, ou seja, não respeitarem a distância necessária para cultivá-las. Estas comunidades apresentam quadro de insegurança alimentar, pois, em função das condições ambientais locais, não conseguem, na maioria das vezes, produzir o suficiente para o consumo.
Mobilizadores COEP – Que variedades crioulas são tradicionalmente usadas na região? Qual a sua importância na alimentação das comunidades envolvidas? Há pretensões de trabalhar com outras culturas? Quais?
R.: As variedades crioulas usadas pelas comunidades são: milho Mané Regis, milho Branco e feijão (vigna ou feijão de corda): Bastião, Concebida, Canapú, Azul, Rajado, Rin de porco, Paulistinha, Cabecinha, Branco, Bage roxa macio, Bage roxa duro, Quebra cadeira. Tais cultivares tradicionais foram selecionadas porque compõem a base da alimentação destas comunidades. Pretendemos trabalhar ainda com algodão, arroz, macaxeira e hortaliças.
Mobilizadores COEP – De que forma os agricultores são mobilizados e capacitados para que o projeto tenha sustentabilidade a longo prazo?
R.: Foi constituído um conselho gestor para acompanhar o projeto e garantir que as deliberações fossem conjuntas, e a participação, democratizada. As capacitações são realizadas em oficinas (teoria e prática), que incluem módulos sobre cultura e direitos quilombolas ? etapa ministrada por integrantes do Centro Cultural Luiz Freire (CCLF). Os outros parceiros da Embrapa na primeira etapa do projeto são a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), a Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Canadian International Development Argency – CIDA) e as Associações Quilombolas das Comunidades de Conceição das Crioulas, Sitio Feijão, Santana, Contendas e Jatobá.
As unidades demonstrativas instaladas nas comunidades e em locais indicados por elas são utilizadas na capacitação dos agricultores. Nestas unidades, eles aprendem sobre o espaçamento adequado entre as diferentes cultivares, densidade (número de plantas por hectares), manejo do solo e manejo de pragas e doenças que acometem as plantações, dentre outras coisas. Os próprios agricultores são responsáveis pelas unidades, e os técnicos da Embrapa fazem o acompanhamento técnico. Nas unidades são realizados os ensaios de competição, ou seja, se avalia o desempenho da variedade, qual delas se ajusta melhor à realidade local: a tradicional ou a introduzida pela Embrapa. As atividades realizadas auxiliam na apropriação do conhecimento pelos quilombolas. Os agricultores estão sendo capacitados para produzirem suas sementes com qualidade e de forma a manterem suas características genéticas.
Mobilizadores COEP – As comunidades terão um banco de sementes? Como funcionará?
R.: Em cada uma das comunidades será construído um banco comunitário de sementes. A Embrapa já forneceu os materiais necessários (areia, cimento etc), e as comunidades participarão com a mão de obra para a construção. O banco de sementes funcionará como uma poupança, onde cada família associada depositará uma quantidade de sementes. No ano seguinte, as famílias vão resgatar as sementes, se comprometendo a devolver na colheita a mesma quantidade acrescida em 10% para que possam aumentar o volume de sementes e, com isso, fortalecer o banco da comunidade. Os bancos serão administrados pela comunidade.
Mobilizadores COEP – De que forma o banco de sementes vai contribuir para garantir a segurança alimentar das comunidades? Que outros benefícios trará?
R.: O banco de sementes vai contribuir para garantir o armazenamento adequado das sementes, de forma a minimizar o ataque de pragas e assegurar uma semente de qualidade, devendo significar aumento de produtividade. Outra contribuição é o fato de os agricultores terem as sementes, de cultivares que são tradicionalmente cultivadas pelas comunidades, adaptadas às condições climáticas e de solo da região na hora adequada para o plantio.
Hoje, a maioria das comunidades atendidas pelo projeto depende das sementes distribuídas pelo governo, e isto não é saudável, pois significa atuar de maneira pontual, não garantindo autonomia ou sustentabilidade da atividade agrícola, num longo prazo. Com os bancos de sementes, as comunidades ficarão menos dependentes desta distribuição e mais fortalecidas, pois as sementes estocadas podem ser emprestadas para os produtores que não conseguiram produzir, ou seja, em vez de depender do governo, pegam semente emprestadas no banco.
Mobilizadores COEP – Quais as próximas etapas do projeto?
R.: As próximas etapas do projeto são a implantação de dois viveiros comunitários, um na comunidade Jatobá e outro na comunidade Sítio Feijão, para a produção de mudas de fruteiras e plantas nativas. O espaço será utilizado também para a produção de mudas de hortaliças.
Será implementada a multiplicação das cultivares pré-selecionadas na primeira fase do projeto e a introdução de novas cultivares de hortaliças, de feijão-de-corda, de milho e arroz nas comunidades em função de suas demandas.Leia também a entrevista “Bancos de sementes garantem autonomia a agricultores familiares“.
Entrevista do grupo Combate à Fome e Segurança AlimentarConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo
legal
vcs publicarem isso
Isso não e importante não so para o quilombolas em
pernambuco mais pra todos nois