Leonardo Rangel, integrante da ong Lunuz e um dos idealizadores da Rede de Hospedagem Cama e Café, nos conta nessa entrevista um pouco da história do programa, implantado inicialmente no bairro carioca de Santa Teresa, e a forma como ele pode contribuir para a geração de renda e para promoção do desenvolvimento sustentável em bairros e pequenas localidades.
Mobilizadores COEP – O que é e como surgiu o programa Cama e Café? Como foi o processo de consolidação da iniciativa?
R. Eu e o meu sócio João Vergara desde a época da escola tínhamos planos de ter nosso próprio negócio. Em 2001, iniciamos um programa de empreendedorismo em Santa Teresa (RJ) chamado Iniciativa Jovem, que é parte de um programa mundial de desenvolvimento de jovens empreendedores da Shell. A idéia do programa era desenvolver empreendimentos que tivessem alguma ligação com o bairro. Começamos a estudar o local e percebemos que Santa Teresa precisava se desenvolver de forma sustentável, o que não vinha acontecendo nas últimas décadas. Identificamos o turismo como a melhor ferramenta para colaborar para o desenvolvimento sustentável do bairro. De acordo com a Organização Mundial de Turismo, a indústria do turismo envolve 52 setores da economia, logo pode movimentar toda a economia do bairro, aumentar a estima dos moradores, melhorar a qualidade de vida, devido a melhorias urbanas catalisadas pelo fluxo turístico, entre outros efeitos benéficos. No que se refere ao potencial turístico, identificamos que em Santa Teresa existiam bares, restaurantes, museus, mirantes, mas não havia meios de hospedagem. Em 2000, eu e o João – que havíamos viajado para a Europa e nos hospedado em diversos ?bed and breakfast ?e tínhamos gostado muito – percebemos que tínhamos a vantagem de conhecer a cultura local e de ter dicas de um morador. Juntando a inexistência de meios de hospedagem para turistas, a hospitalidade dos moradores de Santa Teresa e o turismo sustentável surgiu o programa Cama e Café.
Mobilizadores COEP – Como foi o processo de consolidação da iniciativa? Todas as residências que participam do programa ficam no bairro de Santa Teresa?
R. Sim, todas as 35 residências que participam do programa ficam em Santa Teresa e recebem, em média, 500 hospedes por mês. Santa Teresa é um bairro com uma localização privilegiada para quem quer conhecer o Rio, pois se chega em menos de 10 minutos ao centro da cidade e em 20 minutos às praias, além da possibilidade de se curtir o charmoso bairro de Santa Teresa. As residências passam por um vistoria com critérios mínimos de qualidade e classificação e, com isso, garantimos o conforto adequado para hospedagem. Um parceiro fundamental desde o inicio da operação do programa foi a ong Lunuz, que tem dado apoio ao desenvolvimento turístico sustentável de Santa Teresa e colaborando muito para o desenvolvimento da rede Cama e Café, oferecendo treinamentos para os seus anfitriões e estudos que colaboraram para o desenvolvimento da rede.
Mobilizadores COEP – Como é realizada a seleção das residências participantes? E qual a preparação dessas residências e de seus moradores para receberem os turistas?
R. O primeiro passo é uma análise sobre a possibilidade de a residência atrair turistas em função de suas características, principalmente localização, conforto e perfil do anfitrião. Depois é feita uma vistoria por um funcionário especializado de acordo com critérios que vem sendo aperfeiçoados ao longo dos últimos quatro anos. Os critérios foram criados com base em princípios da hotelaria e de ?bed and breakfast? no exterior e aperfeiçoados através da experiência e por meio de visitas a redes internacionais. Para os anfitriões, além de uma orientação inicial, são oferecidos cursos na área de qualidade no atendimento, café da manhã e governança. Estamos finalizando o desenvolvimento de um curso especifico para qualidade em hospedagem domiciliar, trabalhando os aspectos mais importantes para orientar o anfitrião a oferecer um serviço de alta qualidade ao seu hóspede.
Mobilizadores COEP – Como o programa Cama e Café colabora para a promoção do turismo sustentável?
R. O Cama e Café tem diversas características que promovem o desenvolvimento sustentável através do turismo pois favorece a preservação dos imóveis e valoriza a cultura local. A receita gerada é distribuída entre mais de 20 famílias que, por sua vez, contratam mão-de-obra local, possibilitando uma circulação do capital na região. O turista que se hospeda em Santa Teresa passa uma boa parte da sua visita ao Rio de Janeiro, no bairro. Ele irá aos bares e restaurantes, cujos proprietários e funcionários na sua grande maioria são moradores do bairro; compram a arte e o artesanato local, o que ajuda a reforçar uma característica do bairro, conhecido por abrigar artistas e ateliês. Além disso, os turistas freqüentam blocos, eventos e shows estimulando a efervescência cultural do bairro. Ao interagir com a população, há melhoria da estima em relação ao bairro, fazendo com que os moradores tenham mais prazer em viver em Santa Teresa e cuidem mais do bairro. A residência que hospeda turistas tem uma preocupação constante em se manter em bom estado de conservação, tanto internamente quanto a fachada, colaborando para a revitalização e manutenção do patrimônio arquitetônico do bairro. Além disso, possuímos alguns princípios que visam preservar as características de residência, tais como máximo de três quartos por residência, quatro hóspedes por quarto e nove hóspedes por residência, com isso a produção de lixo, esgoto e barulho é compatível ao de uma residência que não recebe visitantes.
Mobilizadores COEP – Qual o perfil do turista que elege iniciativas como o Cama e Café? O que pode ser feito para estimular esse tipo de turismo?
R. Na sua maioria são turistas estrangeiros, principalmente pessoas que já viajam utilizando o sistema ?bed and breakfast?, e buscam uma hospedagem com a cara do local que eles estão visitando, que os permita conhecer o destino por um ângulo mais próximo do morador, fazendo com que a experiência seja diferenciada, o que é cada vez mais buscado no mundo globalizado. Atualmente, os estrangeiros representam 65% dos hóspedes, a maioria europeus. Entre os brasileiros há principalmente paulistas e mineiros.
Mobilizadores COEP – O que pode ser feito para estimular esse tipo de turismo?
R. Maior divulgação, pois de acordo com uma pesquisa realizada com turistas no Rio a sua imensa maioria (mais de 80%) desconhecem a existência desse tipo de hospedagem no Brasil.
Mobilizadores COEP – O programa utiliza a atividade turística como ferramenta para geração de renda e melhoria da qualidade de vida das populações dos locais onde é implantado. De que maneiras as comunidades se envolvem e que retornos obtêm?
R. O Cama e Café funciona como uma pousada que tem um número grande de sócios, cada um responsável por alguns quartos. Dessa forma, os recursos gerados com a hospedagem são distribuídos aos proprietários das residências, que em grande parte contratam funcionários mensalistas e diaristas para dar apoio ao serviço de hospedagem. A melhoria da qualidade de vida se dá de várias formas, desde a melhoria da infra-estrutura urbana para apoio à atividade turística, o que também é bom para o morador, até a melhoria da auto-estima do morador, que, sentindo seu bairro valorizado pelo turista, passa a valorizá-lo mais também.
Mobilizadores COEP – O programa foi implantado no Rio de Janeiro. Hoje, ele está presente em quantos estados? Envolve quantas comunidades? Há mudanças em relação ao projeto original? Quais as expectativas para o futuro?
R. O Cama e Café está presente no bairro de Santa Teresa e em Olinda (PE). O próximo passo será a expansão dentro do estado do Rio. Existem iniciativas de hospedagem domiciliar apoiadas pela Lunuz. O foco são destinos culturais, como Paraty, que será a próxima cidade a contar com o programa. Atualmente, estamos iniciando um trabalho de apoio às Hospedarias Familiares de Santo Amaro, um pequeno município nos Lençóis Maranhenses.
Mobilizadores COEP – O que levou o projeto a ser replicado nessas localidades? Foram os moradores locais que solicitaram ou vocês que decidiram expandir?
R. Em geral fomos convidados ou pelo poder publico local ou por instituições que visam o desenvolvimento do turismo sustentável na sua localidade.
Mobilizadores COEP – O que vocês recomendariam a comunidades que desejem replicar essa iniciativa? Quais os primeiros passos e o que não deve ser feito? Onde é possível buscar apóio técnico?
R. O primeiro passo é a mobilização de um grupo de pessoas interessadas em receber turistas e dispostas a oferecer instalações e serviços com boa qualidade. O principal erro é oferecer um serviço de baixa qualidade. Os problemas mais comuns são quartos que não são limpos, que têm mofo ou que exalam odores, com iluminação inadequada, paredes com infiltrações descascadas e manchadas, roupas de cama e banho manchadas ou com furos, colchões e camas em mau estado de conservação, banheiros sujos e café da manhã inadequado. Outro problema é a guerra de preços. No inicio da operação, quando o volume de diárias vendidas é geralmente pequeno, não se deve baixar a tarifa a qualquer custo, pois isso desvaloriza o serviço e os hóspedes que tiverem pago tarifas baixíssimas não reagirão bem a aumentos sucessivos. Isso muitas vezes acontece porque muitos custos menos visíveis da operação deixam de ser considerados na estipulação do preço mínimo a ser cobrado para haver uma margem de contribuição positiva, ou seja, para que a receita seja maior que os custos variáveis (café da manhã, manutenção, luz, água e outros). Atualmente, a única instituição que conheço com experiência para apoiar a implementação de iniciativas semelhantes é a ong Lunuz, da qual faço parte. O contato pode ser feito através do e-mail rangel@lunuz.org.br.
Entrevista concedida à: Marize ChicanelEdição: Eliane AraújoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários . O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Iniciativas como estas podem ajudar a implantar o Programa de Regionalização, sabemos que o receptivo pode ser uma alternativa para o desenvolvimento do turismo e principalmente uma ferramenta para proporcionar a descentralização da demanda. Assim penso que a utilização de residências para a hospedagem de turistas pode favorecer o crescimento de destinos que apresentem aspectos diferenciais em seus produtos, priorizando as características culturais de cada comunidade. A regionalização do turismo prevê a existência de infra-estrutura, e medidas assim podem compor arranjos produtivos de turismo que diversifiquem as ofertas turísticas dos estados incentivando a criação de produtos capazes de promover o fluxo interno e facilitar a circulação de capital. Desta forma deixo uma questão. Como a ?Cama Café? vem se articulando com outros prestadores de serviços e se esta rede atua na criação de Arranjos Produtivos de Turismo em outros estados?
Sob certo ponto de vista, ótimos projetos assim como este Cama Café só irão ter maior divulgação quando forem impostos sobre as regiões que mais necessitam de uma destribuição de renda e apartir dai fortalecer a cultura do local e a regionalização, no que assim abrirá portas para a melhor qualidade de vida em todas as regiões da cidade, e então proporcinará um grande crescimento turístico.
Quis dizer esta foi uma das melhores idéias e iniciativas que tomei conhecimento nos ultimos 15 dias!
Foi um das melhores idéias e iniciativas. Parabens pela entrevista e mais pela iniciativa! Ratifico as palavras de Karina Poli.
Muito boa a entrevista, só assim os moradores valorizarão o local onde moram.