Nessa entrevista, a jornalista Regina Atalla, presidente da Rede Latino-Americana de Organizações Não Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias (RIADIS), nos fala a respeito da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de sua proposta, da ampla participação da sociedade civil em sua elaboração e dos principais desafios para que entre em vigor.
Mobilizadores COEP – Quando e por que se aventou a elaboração de um tratado internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência?
R.: O primeiro passo oficial aconteceu na Conferência contra o Racismo, celebrada em Durban, África do Sul, de 31 de agosto a sete de setembro de 2001. Nesta ocasião, o México propôs incluir na declaração final a necessidade de abertura de um processo, no âmbito das Nações Unidas, que viesse a desembocar na adoção de um novo tratado temático de direitos humanos, dirigido às pessoas com deficiência. Em 19 de dezembro de 2001, através da resolução 56/168, a Assembléia Geral das Nações Unidas estabelece a criação de ?um comitê especial aberto à participação de todos os Estados Membros e observadores das Nações Unidas para o exame de propostas relativas a uma Convenção Internacional ampla e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência.? Creio que a razão principal para a elaboração desta Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência deve-se ao reconhecimento da situação crônica de exclusão social enfrentada pela grande maioria das pessoas com deficiência, em todo o planeta.
Mobilizadores COEP – O que representa a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência? O que é preciso para que ela entre em vigor? R.: A Convenção obrigará os Estados a um processo de revisão e de adequação das leis nacionais aos dispositivos inscritos nesta Convenção e esperamos que também leve os governos a desenvolverem um modo diferente de pensar em relação à deficiência. Uma vez adotado o novo paradigma, e as pessoas adotarem a abordagem do ?podemos fazer no lugar do ?não podemos fazer?, toda uma gama de outras coisas fluem a partir daí. Para que a Convenção passe a vigorar internacionalmente é preciso que seja submetida ao processo interno de ratificação, devendo ser aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva e, depois, depositada na Secretaria Geral das Nações Unidas. Somente quando pelo menos 20 países tiverem efetuado o depósito legal na ONU, a Convenção entrará em vigor.
Mobilizadores COEP – O que tem sido feito no país para que o Congresso Nacional ratifique a Convenção? Quais os principais desafios a partir da ratificação? R.: Varias entidades e lideranças da área estão articuladas em torno de uma campanha nacional Pró-ratificação da Convenção e já contamos com o site www.assinoinclusao.org.br, através do qual se pode aderir ao manifesto de apoio à ratificação, verificar a lista de parlamentares que já declararam seu apoio, conhecer o texto integral da Convenção, além de varias outras informações sobre este tratado internacional. Creio que entre os principais desafios está o de divulgar amplamente o texto da Convenção para que os seus principais interessados possam se apropriar do seu conteúdo e exigir o seu cumprimento integral. Considero ainda que outro desafio será o de regulamentar internamente os dispositivos legais desta Convenção para poder concretizar e efetivar todos os direitos estabelecidos no conjunto do seu texto.
Mobilizadores COEP – A Convenção foi concluída com uma participação histórica da sociedade civil. De que forma se deu esta participação e o que ela representa para os movimentos sociais e para o exercício da democracia?
R.: Ao iniciar a Oitava Reunião do Comitê Especial da ONU para instituir a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, o Presidente Dom Mackey destaca que esta ultima e tão esperada sessão conta com a presença de 800 ativistas da sociedade civil, de todas as partes do mundo, dispostos a participar ativamente do processo de conclusão deste Tratado Internacional, que consumiu quatro anos de dedicação e esforço e que tem um significado histórico para centenas de milhões de pessoas com deficiência de todo o planeta. Sem dúvida este processo inédito de grande participação da sociedade civil na construção do tratado fortalece o movimento de defesa de direitos das pessoas com deficiência e amplia sua visibilidade diante da agenda internacional. Durante todo o processo de elaboração da Convenção, todas as entidades participantes da sociedade civil estiveram reunidas através do International Disability – CAUCUS (sigla em inglês) que foi a coalizão internacional que se firmou como porta-voz da sociedade civil. Essa forte unidade da sociedade civil em torno do CAUCUS foi fundamental para legitimar nossas reivindicações diante das delegações oficiais.
Mobilizadores COEP – A definição do que é deficiência gera muitas controvérsias. Segundo a Convenção, o que é deficiência? E pessoa com deficiência?
R.: A definição sobre pessoa com deficiência foi um dos artigos mais polêmicos e que necessitou de mais tempo, pois paises como China, Estados Unidos, Austrália reagiam à inclusão dos aspectos sociais que determinam a condição de pessoa com deficiência, e a sociedade civil não abria mão da necessidade de ampliar e modernizar este conceito, que durante muito tempo se restringiu equivocadamente a um conceito medico, ignorando os determinantes sociais que conformam a ocorrência da deficiência. Na Convenção está definido somente o conceito de pessoa com deficiência, pois muitos paises argumentavam que diante das diferentes culturas, cada país determinava um conceito diferente sobre o que é deficiência e que não haveria acordo sobre esta definição. Para a Convenção, a nomenclatura pessoas com deficiência inclui aquelas que apresentam impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial permanentes, os quais, em interação com diversas barreiras, podem impedir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais.
Mobilizadores COEP – Quantos artigos a Convenção tem? Quais geraram mais polêmica e discussão? Por quê? R.: A convenção é composta por 50 artigos. Definição de Pessoa com Deficiência, Situação de Risco, Capacidade legal, Proibição a Tratamentos Forçados, Proteção a Integridade da Pessoa, Saúde sexual e reprodutiva e Monitoramento foram os temas mais difíceis. Este tratado, ao envolver a expressiva participação de 192 países, com culturas muito diversas, vários idiomas e regimes políticos diferentes e antagônicos entre si, insere ao processo de negociação a dificuldade inerente de alcançar o pretendido consenso em questões que envolvem valores e crenças muito arraigados. Mobilizadores COEP – Como fiscalizar o cumprimento de todos os direitos inscritos na Convenção Internacional? R.: Existem duas maneiras de fiscalizar a Convenção. A mais importante é através da vigilância e da mobilização constante da sociedade civil, ação que exige conhecimento e domínio sobre todos os direitos inscritos no tratado. A segunda forma relaciona-se ao funcionamento atuante, efetivo e independente do Comitê de Monitoramento, previsto no artigo 34, que deverá ser instituído assim que a Convenção passe a vigorar.
Entrevistaconcedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.